domingo, maio 29, 2011

Aldeia nova

Lembrado que fui, num blogue camarada, dos 100 anos do nascimento de Manuel da Fonseca, penso que o seguinte excerto da "Campaniça" (capítulo 1º) deve manter-se constante na necessidade daqueles que vivem estes dias:

"Valgato é uma terra triste.
Saem os homens para o trabalho ainda a manhã vem do outro lado do mundo. Levam enxadas e foices e conhecem todos os trilhos, entre o mato, com estevas que são mais altas que duas vezes o tamanho do mais alto dos homens de Valgato. Tanto conhecem os caminhos que vão, sem desvio nem engano, até às herdades que ficam a léguas de distância, ainda com o sono e o escuro da noite fechando‑lhes os olhos. Não é de admirar. Zé Tarrinha tem uma mula que caiu num barranco de piteiras e vazou os dois olhos. Pois a mula nunca erra a casa e vai sozinha à fonte. Não é de admirar que os homens saiam ainda com o escuro da noite, e com o sono, e vão sem desvio ou engano até às herdades.
O Venta Larga, quando se fala que alguém se perdeu no caminho, diz sempre:
– A gente não precisa senão de saber onde põe os pés. O mais é cá disto… – funga com ruído e, alargando as narinas, aponta o nariz – … o mais é cá do cheiro.
Por isso lhe chamam o Venta Larga.
Aí está que não é difícil um homem perder‑se na charneca. É tão igual e monótona, rasa para todos os lados e para todos os lados deserta, que só o tino e, como diz o Venta Larga, o cheiro, são capazes de orientar.
Para que serve ver? Anos e anos a olhar o descampado, os olhos cansaram‑se de ver sempre o mesmo.
A vista dos homens de Valgato é um sentido embotado.
Há uma névoa cobrindo‑a, mesmo de dia com o céu esbranquiçado e o lume do Sol tremendo no ar. E sem ver, ainda a manhã vem no outro lado do mundo, os homens, certinhos como a mula do Zé Tarrinha, andam léguas e léguas e vão dar às herdades. E de noite, sempre de noite, tornam para a aldeia, certos e direitos, com os olhos cegos do sono que volta. Certos e direitos que um homem não precisa mais que saber onde põe os pés.
Todos os dias assim: sair de noite, voltar de noite. Que
a aldeia de Valgato é terra ruim cercada de carrascais.
E fica no fundo de um córrego magoado de solidão.
Valgato é uma terra triste."

4 comentários:

Fernando Samuel disse...

GRANDE MANEL!

Um abraço - e domingo lá estamos...

Mário Pinto disse...

Fernando,

Eu já votei, como todos os camaradas aqui em Espanha, ainda que tenhamos sido obrigados a pagar para o fazer.
Assim mesmo, os dados apontam a menor abstenção. O desemprego obriga a acordar cedo.

Um abraço.

Adriana Soares disse...

Olá gostei muito do teu blog e estou seguindo ele já, aproveito a ocasião e convido vc a dar uma olhadinha no meu blog e , espero que goste e se quiser seguir será um prazer ter vc me seguindo.. Bjus
http://algumascoisasqueeuescrevo.blogspot.com/

Mário Pinto disse...

Adriana,

Lá iremos!


Um abraço.