quarta-feira, dezembro 29, 2010

Bom ano Novo!

Aproxima-se mais uma década, dos milhares que a terra já cumpriu, uma década que, como as demais, para alguns, tornará mais pesada a influência do passado que a preocupação pelo futuro, que, para esses mesmos, impedirá aprender por consequência da dedicação na compreensão dos motivos ou dos fenómenos que os colocaram na situação deprimida e/ou carenciada na que se encontram por insistirem em realizar uma atribuição causal exógena. Para outros, até a alegria promovida pela confraternização que nesta data acontece será despojo comestível.
Porém, não é com este tipo de perspectiva quasi-maniqueista que encaro esta nova etapa. Quem sabe porque não tenho um passado tão rico quanto aquele futuro que reside comigo no sonho de uma nova sociedade, colaborando no trabalhar dessa esperança capaz de transformar a realidade, prefiro olhar o novo ano, a nova década, como quem olha para uma criança, encarando a sua formação uma responsabilidade inerente à condição humana, como quem sabe que, mesmo dedicando toda uma vida a determinado projecto, só uma ínfima parte desse esforço será aproveitada, mas, sem perder a noção do que é realmente importante, do pliotropismo comum a todos os seres vivos.
Assim, melhorar as condições de vida que terei que enfrentar, eliminar as dificuldades que aqueles aos quais ainda ninguém foi capaz de sorver o amanhã depararão como herança, ao contrário do que dizem os "magos", só serão desejos concretizáveis enquanto modifiquem determinadas conductas, as nossas, deixando estes, só assim, de pertencer ao passado, a esse passado, que mais tarde se nos poderá apresentar dificil de explicar.

Libertar a vontade de melhorar o próximo ano, aceitemos ou não, passa só por nós.

Façamos um bom ano novo!

O Vosso tanque General, é um carro forte

Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista

O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.

O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar

Bertold Brecht

quinta-feira, dezembro 23, 2010

PCP e os cações

Em voltas pela blogosfera, passei pelo xatoo, o qual, mesmo sem compartir a minha orientação política, publicou isto:

"A ideia de um Salário Mínimo Europeu, (actualmente em Portugal menos de 500 euros (o mais baixo da EU a 15), acima de 1000 euros na Europa desenvolvida, Espanha e Grécia 728 e 628 respectivamente, 150 nos países de Leste, 844 nos Estados Unidos) foi relançada por alguns candidatos durante a campanha eleitoral para o PE em 2009, mas face às perspectivas de inviabilização pelo espectro politico dominante na Europa a eurodeputada pelo PCP Ilda Figueiredo começou por uma “proposta de rendimento mínimo europeu”. Sujeita a escrutínio, foi pela escassa margem de 1 voto que foi admitida a discussão. Votada finalmente em 2009 a proposta acabaria por ser aprovada como lei. Só que, como o grupo neoliberal no PE não conseguiu escamotear a urgência da tomada deste medida social por meios legais, faz letra morta da aprovação e a lei está na prática relegada para as calendas da não aplicação como acção concreta. Seria isto que Fernando Nobre haveria de ter perguntado no debate televisivo: Porque é que esta Lei proposta pelo PCP no Parlamento Europeu não entra imediatamente em vigor?"

Pois é...

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Portugueses

Além de, no debate com o meu candidato, o Francisco Lopes, verificar que o actual presidente pretende mandar a justa causa às urtigas, vi também que, aparte de não ter encontrado valor para responder à questão que, levantada por Francisco Lopes, a entrevistadora lhe colocou repetindo-se até à extenuação, este mandado dos “mercados”, com a possibilidade de constatar o resultado prático das políticas erradas que tem apadrinhado e que elevam hoje o numero de desempregados para um patamar sem exemplo na história dos trabalhadores do nosso país, constatei, também, como todos nós, que a intenção de cavaco é continuar a baixar as orelhas aos mercados que acabam de desbastar o caminho para a intervenção do FMI e do resgate ou compra do destino dos portugueses pelos países com maior aportação ao fundo europeu constituído tal efeito.
Num momento em que o governo não encontra mais solução que recorrer à ajuda chinesa para compensar temporalmente a “salvação” do BPN - aumentando com juros o balúrdio que todos pagaremos com o que se vai esquilando dos nossos direitos -, banco do qual, aliás, cavaco e filha obtiveram uns largos milhares de euros pela venda de algumas acções da SLN - sociedade que até comparte o mesmo edificio com dito banco e que como sabemos foi construido por Carlucci através da Carlyle - geridas por esse olímpo da fraude e que cavaco não recorda haver comprado (que em suma terão sido uma oferta de uma entidade da qual os “empregados” foram os maiores mecenas da última campanha do actual presidente); que a redução do défice do subsector do estado, em cem milhões, é equiparada ao aumento do défice, de cem milhões, na saúde, reveladora da clareza com que este governo tenta enganar o seu povo, sou obrigado a atribuir ao actual presidente grande parte da responsabilidade sobre a situação deprimente na qual nos encontramos.
Com claros indicadores de estagnação económica, como o recente resultado sobre a actividade, que aponta uma grave diminuição da mesma ou, atendendo ao défice de quinze mil milhões na nossa balança de exportações, torna-se fácil prever o futuro a curto prazo: mais desemprego, mais pobreza, mais injustiça social, “mais” fome.
Com um elenco de candidatos à presidência que só se distingue de uma célula eucariótica da vida política pela presença de uma alternativa patriótica e de esquerda materializada pelo Francisco Lopes, a eleição ou a escolha dos portugueses apresenta-se bastante mais simples que de formar-mos parte de um Portugal soberano no qual a necessidade de recuperarmos essa independência não fosse imperativa para o seu futuro e para o amanhã das novas gerações.

terça-feira, dezembro 21, 2010

Espanha

Depois de muito tempo dedicados a trabalhar junto dos emigrantes desde a aparente solidão promovida pela dispersão de portugueses caracteristica da emigração em Espanha, porque resisitir é já vencer, durante o passado fim de semana, com camaradas vindos de comunidades autónomas desde a Catalunha à Andaluzia, o núcleo de Espanha do PCP reuniu a direcção da organização em Madrid.
Conscientes da importancia do encontro, tendo em conta o futuro próximo e o momento actual, debatendo sobre os inúmeros aspectos que determinarão a capacidade destes e de muitos trabalhadores, de enfrentarem a intensificação do contínuo ataque às suas condições de vida por parte do estado espanhol e, fundamentalmente, pelo abandono ao qual se vêem relegados como consequência das políticas para a emigração preconizadas pela direita que governou o nosso país nos ultimos 35 anos (independentemente da companhía teatral), o ambiente de trabalho desta maratona de pensamento foi pautado sobretudo pela alegria da confraternização.
Depois de dois dias de trabalho intenso, estímulo e esclarecimento mútuo, foi com felicidade no rosto, com mais argumentos que na mente se levaram, que decidimos esperar o aniversário do nosso partido para nos voltarmos a reunir.
Até lá, além da preparação de dito aniversário, o trabalho relativo à campanha eleitoral, o reforço do partido, ou a promoção do associativismo, resultaram, entre outras, as tarefas a assumir por esses trabalhadores.
Pessoalmente, o reforço de muitos aspectos que conformam a minha convicção, sem dúvida, foi um dos resultados mais preponderantes deste encontro.

A luta continua!

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Sitiados

Esta cidade é a última cidade...
Os muros derruídos estão cercados:
Os canhões troam através dos mapas.

Nossa imagem, revelada pelas montras,
Passeia pelas ruas de mãos dadas...
Somos a última trincheira valiosa.

Unidos, trituramos os assaltos
E renovamos o cristal da esperança.

Os ruídos emolduram-te o sorriso,
Pura mensagem, prenhe de um futuro
Isolado de poeiras e de lágrimas.

Egito Gonçalves

sexta-feira, dezembro 17, 2010

Praças não se conformam

Praças dos três ramos das Forças Armadas participaram anteontem, ao fim da tarde, numa concentração que teve lugar na Praça do Município, em Lisboa, sob o lema «Não à resignação, não ao conformismo».

A iniciativa da Associação de Praças enquadra-se na movimentação desta classe, em torno de um conjunto de problemas e reivindicações que as medidas de «austeridade» do Orçamento do Estado vêm agravar. Na moção ali aprovada - e que a direcção da AP deverá fazer chegar ao ministro da Defesa e às chefias militares - está previsto aguardar até 14 de Janeiro que o Governo receba a associação até 14 de Janeiro, seguindo-se um plenário, a 16 de Fevereiro, para decidir «futuras medidas reivindicativas».

No documento reafirma-se a exigência de aplicação de «várias dezenas de diplomas legais» e que sejam travadas a «reforma» da Saúde Militar (e a criação de um hospital único das Forças Armadas), o congelamento dos escalões, o impedimento da ascensão vertical na carreira e a alteração do acesso ao Curso de Formação de Sargentos, com a entrada em vigor, em Junho de 1990, do Estatuto dos Militares das Forças Armadas. Actualmente, afirma a AP, há militares que permanecem no mesmo posto durante mais de 25 anos.

«Não aceitaremos que, a pretexto da crise, para a qual não contribuímos, não se leve a cabo a resolução dos problemas» elencados pela AP - sublinha-se na moção.


Do "Avante!"

Trela aos cães!

A UE aprovou um fundo de resgate permanente para começar a funcionar em Junho de 2013. A intenção desta iniciativa, segundo nos querem fazer aceitar, é fortalecer o euro, blindar o euro, mostrar a quem de direito que a europa é coesa e forte, mas, se realmente querem que acreditemos nas possibilidades deste modelo europeu, na sua recuperação, etc. Qual é o motivo para criar este fundo? Será abrir a porta à participação do privado?
Por outro lado, o aumento de capital do BCE, quase duplicando a sua dimensão, que quer ser interpretado como um sinal capaz de acicatar a confiança dos mercados, como se constitui; quem o subscreve; para que serve?
Assim, sabendo que o BCE, com o capital de todos os subscritores, se dedica a comprar a dívida pública dos estados mais deprimidos, ou seja, dos seus próprios subscritores; que as políticas económicas de cada país são, cada vez mais, decididas lá fora, e, que no fundo de resgate já se contemplam participações privadas, não será esta uma forma de entregar os estados ao capital transnacional, com a desculpa de que são os mercados (dinamizados por esses mesmo privados) que obrigam a tais medidas?
Finalmente, não será também um sinal negativo a alteração de um tratado, já de si imposto, que pôde, por isso mesmo, ser criado com toda a comodidade por parte dos governos que o aprovaram?
Um exemplo do resultado desta financeirização, que ainda, ainda, não justifica a emissão de bonos, podemos encontrar na reclassificação da dívida irlandesa, país que, depois de se hipotecar totalmente aos demais estados membros, sem uma mudança real do seu rumo político, por não saber, não poder ou não querer, havendo adoptado as medidas de austeridade que os países que efectivamente conservam o poder na Europa determinaram (retirando direitos à população, aumentando os impostos, etc., como se isso fosse criar emprego), perdeu, segundo os mercados, a capacidade de crescer económicamente ou continuar a endividar-se.
Entretanto, na tentativa de continuar a alimentar a insaciável voracidade deste errado modelo, depois da França, Espanha prepara-se para, dando já o passo seguinte ao aumento extraordinario da esperança de vida da população - situação que atravessa Portugal neste momento -, aumentar a idade de reforma para os sessenta e sete anos.
Em conclusão, que pode não ajustar-se à realidade mas que é aquela que me permito ter, a apropriação da mais-valía na produção por parte de uma oligarquia cada dia mais concentrada ou reduzida, hoje, deve ser indubitavelmente colocada em paralelo com o espólio da própria propriedade sobre a existência, incluindo a dos desempregados. Traduzir na prática o nosso mal-estar, o nosso inconformismo face ao actual paradigma, passa por assumir-mos a nossa vontade e, responsabilizar-mo-nos pelo resultado das nossas opções. Sendo que, uma forma pragmática de o fazer é identificar o nosso lugar em todo este universo e justificá-lo, contribuindo para a sua transformação. Para tal já conquistámos a possibilidade de votar.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Revisão

O embaratecimento dos despedimentos que o governo PS foi oferecer aos mandatários do núcleo do poder da UE, com esta manobra réplica daquela que já foi implementada em Espanha há algum tempo, obrigar os trabalhadores a pagar o seu próprio despedimento - por motivos como a inadaptação ou a negativa de se colocar do jeito que o patrão quiser -, sem dúvida que, de não aumentar substancialmente a carga fiscal dos mesmos, só pode ser compensada com recurso a partidas - já de si magras e em continua dieta - como por exemplo a sanidade e/ou a educação etc.
Numa tentativa de identificação, com base no mais puro pragmatismo, dos possiveis efeitos reais que esta revisão pode representar na capacidade de criação de postos de trabalho, o que encontro é uma massa de oitocentos mil desempregados, demitidos no actual marco de "garantías" laborais, um modelo que segundo o governo se revela caro para o empresário. Atendendo a dito facto, a questão que por inércia se apresenta é: Se com um despedimento "caro" já vamos em oitocentos mil, sem qualquer repercussão para o empresário qual será a cifra ou a dimensão do exército de mão de obra disponível para, por exemplo, compensar o emagrecimento da função pública?

O assalto continua, quem o pode(mos) parar?

quarta-feira, dezembro 15, 2010

1º debate de Francisco Lopes

Ontem fartei-me de rir com o salvador da humanidade que agora se candidata a presidente da república, o sr. Nobre, o qual, apesar da sua manifesta deficiência psicolinguística (algo que como médico deve saber supor, em determinadas ocasiões, carências de carácter intelectual), lá foi alvitrando mais do mesmo, pão de supermercado para hoje – desse que só dura um dia – e, estacas que podem servir de delimitadores da propriedade privada para o futuro. Mas é normal, afinal nem sequer foi capaz de afirmar de esquerda a sua candidatura quando o Francisco o inquiriu sobre a questão, limitando-se a confirmar que, desde o BE ao PSD, a este, todos os modelos lhe interessam, sempre que consiga ser presidente.
Resultando mais um intruja da política portuguesa, aqui:
http://www.franciscolopes.pt/sites/default/files/20100827_Sol_09.pdf
poderemos verificar a veracidade das suas afirmações, as “inverdades” da sua intenção, que, não é outra que precipitar-se na gamela do sistema que critica, para dentro do qual atira o PCP como colaborador mas, o mesmo sistema protagonizado por aqueles que ele mesmo tem apoiado até como mandatário, ao contrário da reiterada contestação comunista da qual fica como exemplo qualquer intervenção na AR, no seu próprio programa de governação ou nas propostas pontuais que dessa bancada possam surgir.

Contudo, particularmente, o que mais me chama a atenção é, nessa mesma entrevista ao “SOL”, ofuscante pasquim do Champalimaud das grandes superfícies, este cómico da cena política portuguesa, amigo de Soares e admirador de Eanes, vir defender que, depois de 33 anos de trabalho, se qualquer português ficar sem emprego, para receber a miséria que durante uns meses o estado se obriga a retirar de uma quantidade muitíssimo superior depositada fielmente durante uma vida nos seus cofres e que deveria garantir a sobrevivência em momentos menos soalheiros da nossa vida, tenhamos que trabalhar suprindo as funções daqueles que o governo poderia despedir, dos quais assim poderia prescindir, e que, ocupam lugares em estruturas que formam parte dos serviços que o estado deve por obrigação manter ao serviço do povo. Mais uma forma de gerar desemprego e aumentar o exército de mão de obra escrava.

Basicamente, aparte de mentiroso, este caritativo investigador com cobaias humanas dependentes e vítimas do capitalismo que ele mesmo defende, apresenta também, ou indicia no seu discurso, um perfil similar a outros que nos vêm roubando desde há 35 anos.

No que ao Francisco Lopes respeita, conduzindo, lutando pelo e rentabilizando o seu tempo, facilitou, dessa forma, o trabalho àqueles que somos, muitos, seus mandatários.

Dizer Porquê e Para Quê

Dizer porquê e para quê do que descubro
que a vida ensina ou julgo que ela ensina?
Se o só descubro quando passou tempo,
e a gente já passou como eu também?
Se quem me leia não me entenderá?-
ou são mais velhos e já sabem,
ou mais antigos e têm outra língua
ou são mais jovens crendo que o saber
é a sua descoberta em que de passo em passo
descobrirão que a vida não ensina
senão o que mais tarde em nós descobriremos
de quanto nunca foi ou não escolhemos.

Di-lo-ei por mim e para mim? Porquê
Aos outros? Que comum tenho com eles
além de lhes dizer que não importa
dizer o que não dizem? se não há
maneira alguma de viver de novo
o que quiséramos que a vida fora?
E se outros não de nós mas de si mesmos
já descobriram de outro modo a mesma coisa,
ou hão-de descobri-la? De experiência
Falamos e falemos. E nenhuma
serve a ninguém. Que tê-la não atendo
Ou que não tê-la tendo-a é o que se diz dizendo.

Jorge de Sena

Queixa e imprecações dum condenado à morte

Por existir me cegam,
Me estrangulam,
Me julgam,
Me condenam,
Me esfacelam.
Por me sonhar em vez de ser me insultam,
Por não dormir me culpam
E me dão o silêncio por carrasco
E a solidão por cela.
Por lhes falar, proíbem-me as palavras,
Por lhes doer, censuram-me o desejo
E marcam-me o destino a vergastadas
Pois não ousam morder o meu corpo de beijos.

Passo a passo os encontro no caminho
Que os deuses e o sangue me traçaram.
E negando-me, bebem do meu vinho
E roubam um lugar na minha cama
E comem deste pão que as minhas mãos infames amassaram.
Com angústia e com lama.

Passo a passo os encontro no caminho.
Mas eu sigo sozinho!
Dono dos ventos que me arremessaram,
Senhor dos tempos que me destruíram,
Herói dos homens que me derrubaram,
Macho das coisas que me possuíram.

Andando entre eles invento as passadas
Que hão-de em triunfo conduzir-me à morte
E as horas que sei que me estão contadas,
Deslumbram-me e correm, sem que isso me importe.

Sou eu que me chamo nas vozes que oiço,
Sou eu quem se ri nos dentes que ranjo,
Sou eu quem me corto a mim mesmo o pescoço,
Sou eu que sou doido, sou eu que sou anjo.

Sou eu que passeio as correntes e as asas
Por sobre as cidades que vou destruindo,
Sou eu o incêndio que lhes devora as casas,
O ladrão que entra quando estão dormindo.

Sou eu quem de noite lhes perturba o sono,
Lhes frustra o amor, lhes aperta a garganta.
Sou eu que os enforco numa corda de sonho
Que apodrece e cai mal o sol se levanta.

Sou eu quem de dia lhes cicia o tédio,
O tédio que pensam, que bebem e comem,
O tédio de serem sem nenhum remédio
A perfeita imagem do que for um homem.

Sou eu que partindo aos poucos lhes deixo
Uma herança de pragas e animais nocivos.
Sou eu que morrendo lhes segredo o horror
de serem inúteis e ficarem vivos.

José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, dezembro 14, 2010

Abril

Que o BCP peça licença aos seus amos para realizar operações com o Irão, da mesma forma que qualquer multinacional norte americana, é compreensível, até aceitável, afinal é mais um ente estrutural do capitalismo, uma entidade que traduz desta forma a realidade imperialista só se apresenta coerente, o que é reprovável é o próprio capitalismo. Por outra parte, que o nosso país se submeta aos desígnios colonialistas de outro qualquer estado, servindo de testa de ferro para levar a paulada dos ineptos que por decisão externa assumem a sua incapacidade para condenar criminosos, infanticidas, só porque dessa forma se legitimaria a adopção de métodos e meios criados e controlados pelo núcleo do neofascismo global, não só resulta humilhante como redutor, transmitindo uma impressão de impotência à população que só ajuda a desbravar o caminho a esta repressão persuasiva.
No que à manipulação concerne, poderíamos bastar-nos com o anterior exemplo, mas, considerando que muitos, e cada vez mais, de nós mantemos a bandeira do escepticismo ao vento de quase todas as opiniões, também o discurso do actual presidente português conserva uma mensagem tácita apologista do abandono da nossa vontade: Quando na imprensa se propagandeia a assistência do outro português de estimação dos speakers de Manhattan a uma peça como “Jesus Cristo superstar”, entendemos que a magia é mesmo algo sério, algo a ter em consideração. Se, ainda assim, o babado malabarista, vem mais tarde lamentar o estado calamitoso, famélico, abjecto, no qual se encontra o Estado, utilizando a preponderância da sua posição mas sem que desta aceite responsabilidades, alegrando-se que alguém se tenha lembrado de nos alimentar com lixo, o mais provável é que apareça, no horizonte daqueles aos quais a realidade amorfa a opinião, uma atribuição causal alheia a sua vontade, mágica. Não resultando fácil questionar o papel do presidente e a sua culpa pela actual situação por parte do povo - devemos considerar o medo de exclusão social que significa sacar a cabeça fora do meio-, mais difícil se torna quando é a nossa estrutura mental de decisão aquela que deve primeiramente ser ponderada, revista, transformada, mas, claro, também o comportamento é hereditário e, àparte de cinquenta anos de voz amordaçada, tão pouco anteriormente se desfrutou de grandes liberdades de expressão ou, de um paradigma no qual a responsabilização pelo resultado das decisões de cada um fosse um direito que derivasse numa cultura o suficientemente coesa para se posicionar emancipada no actual contexto global.
Não obstante, soluções existem, a questão é começar e, começar já começámos, em 74. Mais que Abril de novo, Abril. Foi em Abril quando conquistámos o direito de pensar e reclamar, transformar, decidir a nossa vida, o futuro. Como o fez o Francisco Lopes, tendo conseguido como resposta uma cobarde atitude de fuga sem resposta por parte daquele que nos deve contas, hoje necessitamos, exasperados, todos, usar Abril.

Va por nosotros!



Não era minha intenção tentar escrever algo que resultasse descritivo do Homem que canta nos dois vídeos acima, começando por não conhecer a fundo toda a sua discografia ou talvez só por reconhecer escasso o valor de um simples adjectivo, sobram as palavras. Porém, se alguém tentou defender a liberdade criativa no âmbito da musica tradicional espanhola, esse foi o Enrique Morente. Claramente comprometido com os valores da esquerda, arredado, ou vapuleado, dos círculos conservadores do "cante jondo", mais que um renovador, foi um revolucionário no seu meio, um meio ao qual tentou subtrair fronteiras imobilistas, obscurantistas, e transformá-lo num espelho do progresso cultural de um povo.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Coisas do feriado de um desempregado

Uma grande conquista de Abril, fundamental, senão a maior, foi obrigar o fascismo a manipular através da persuasão em lugar da coacção. Afirmar hoje que o fascismo já não existe implica negar a esta aberração a capacidade de mutar na práctica, ao mesmo tempo, entregar imerecida confiança a algo que aceitámos chamar democracia. Podendo resultar certamente radical esta afirmação: "A democracia não existe", contudo poderia fundamentá-la em Marx, sem relativismos da treta e colocando a existência do Estado como elemento nuclear da mesma. Porém, outros são os motivos que alicerçam esta opinião, aqui sim, da mesma forma que interpretamos o fascismo no momento histórico português podemos comparar o índice de satisfação da população cruzando âmbitos temporais e geográficos e extrapolando conclusões.

Na década de 70, nos estados unidos, segundo estudos psicológicos publicados, o povo era "mais feliz" que na década que finda, sem deixar de considerar a menor capacidade de consumo, e logo de opções, que experimentava nessa época de comparada com a actual. De outra forma (na minha), digamos que a população era menos infeliz.
O PREC, esse lapso de justiça que experimentou o povo português, que não viveu porque o não sentiu; ou que não fez seu devido a impossibilidade de transformar a cultura num tão curto espaço de tempo, trazia consigo a possibilidade de escolher, mas, no essencial, trazia a consciência; a capacidade de descartar como opção, focalizar; discernir, pensar cada passo e sabê-lo parte de um trajecto irrepetível, punha-nos o futuro pela frente sem distrações, o equilíbrio.
Hoje, em Portugal, nos estados unidos, a oferta é tão ampla quanto a necessidade criada e, a capacidade de eleição é tão nula quantas as opções existentes. Quero com isto dizer que (sem trazer para aqui a reforma continua do modo de producção), a eleição, que em determinado momento se julgou a mais adequada, instantes depois; segundos mais tarde, exerce como factor de frustração a somar e sumar, que transforma a vontade num sentimento de aversão a decidir mais importante que a necessidade do eu primordial de o fazer, tomando lugar a vontade do eu autobiográfico que não é nosso - que também, mas só porque respiramos -. O reflexo cultural deste tipo de repressão fica patente quando ponderamos, justificando o nosso lugar na massa, qualquer cenário a 5 anos vista; fica claro quando contemplamos o pão (pouco) para hoje e fome para amanhã que leva como consigna ideológica a política dos governos que nos afanam há 35 anos, mas, e as opções? Inúmeras! Quase todas com o mesmo cariz, menos uma, aquela que defende a mudança real, sem remendos, a do Francisco Lopes.

Quero que os passos de hoje vão no sentido do que escolhi para futuro, se ficar pelo caminho, ficará seguramente um risco, na areia.