domingo, setembro 21, 2008

Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo III e IV

III As Principais Etapas da História do Bolchevismo
Anos de preparação da revolução (1903/1905).

Prenúncio de grande tempestade em toda parte, fermentação e preparativos em todas as classes. No estrangeiro, a imprensa dos emigrados expõe teoricamente todas as questões essenciais da revolução. Com uma luta encarniçada de concepções programáticas e táticas, os representantes das três classes fundamentais, das três correntes políticas principais - a liberal-burguesa, a democrático-pequeno-burguesa (encoberta pelos rótulos de social-democrática" e "social-revolucionária") é a proletária revolucionária - prenunciam e preparam a futura luta aberta de classes. Todas as questões que motivaram a luta armada das massas em 1905/1907 e em 1917/1920 podem (e devem) ser encontradas, em forma embrionária, na imprensa daquela época. Naturalmente, entre essas três tendências principais existem todas as formações intermediárias, transitórias, híbridas que se queira. Em termos mais exatos: na luta entre os órgãos da imprensa, os partidos, as frações e os grupos vão se cristalizando as tendências ideológicas e políticas com caráter realmente de classe; cada uma das classes forja para si uma arma ideológica e política para as batalhas futuras.
Anos de revolução (1905/1907).
Todas as classes agem abertamente. Todas as concepções, programáticas e táticas são comprovadas através da ação das massas. Luta grevista sem precedentes no mundo inteiro por sua amplitude e dureza. Transformação da greve econômica em greve política e da greve política em insurreição. Comprovação prática das relações existentes entre o proletariado dirigente e os camponeses dirigidos, vacilantes e instáveis. Nascimento, no processo espontâneo da luta, da forma soviética de organização. As discussões de então sobre o papel dos Soviets são uma antecipação da grande luta de 1917/1920. A sucessão das formas de luta parlamentares e não parlamentares, da tática de boicote do parlamento e de participação no mesmo, e das formas legais e ilegais de luta, assim como suas relações recíprocas e as ligações existentes entre elas, distinguem-se por uma assombrosa riqueza de conteúdo. Do ponto de vista do aprendizado dos fundamentos da ciência política pelas massas e os chefes, pelas massas e os partidos - cada mês desse período equivale a um ano de desenvolvimento "pacifico" e "constitucional". Sem o "ensaio geral" de 1905, a vitória da Revolução de Outubro de 1917 teria sido impossível.
Anos de reação (1907/1910).
0 czarismo triunfou. Foram esmagados todos os partidos revolucionários e de posição. Desânimo, desmoralização, cisões, dispersão, deserções, pornografia em vez de política. Fortalecimento da tendência para o idealismo filosófico, misticismo como disfarce de um estado de espírito contra-revolucionário. Todavia, ao mesmo tempo, justamente essa grande derrota dá aos partidos revolucionários e à classe revolucionária uma verdadeira lição extremamente proveitosa, uma lição de dialética histórica, de compreensão, de destreza e arte na direção da luta política. Os amigos se manifestam na desgraça. Os exércitos derrotados passam por uma boa escola.
O czarismo vitorioso vê-se obrigado a destruir apressadamente os remanescentes do regime pré-burgues e patriarcal na Rússia. O desenvolvimento burguês do país progride com notável rapidez. As ilusões à margem e acima das classes, as ilusões sobre a possibilidade de evitar o capitalismo se dissipam. A luta de classes manifesta-se de modo absolutamente novo e com maior relevo.
Os partidos revolucionários têm de completar sua instrução. Aprenderam a desencadear a ofensiva. Agora têm que compreender que essa ciência deve ser completada pela de saber recuar ordenadamente. É preciso compreender - e a classe revolucionária aprende a compreendé-la através de sua própria e amarga experiência - que não se pode triunfar sem saber atacar e empreender a retirada com ordem. De todos os partidos revolucionários e de oposição derrotados, foram os bolcheviques que recuaram com maior ordem, com menores perdas para seu "exército", conservando melhor seu núcleo central, com cisões menos profundas e irreparáveis, menos desmoralização e com maior capacidade para reiniciar a ação de modo mais amplo, justo e vigoroso. E se os bolcheviques conseguiram tal resultado foi exclusivamente porque desmascararam impiedosamente e expulsaram os revolucionários de boca, obstinados em não compreender que é necessário recuar, que é preciso saber recuar, que é obrigatório aprender a atuar legalmente nos mais reacionários parlamentos e nas organizações sindicais, cooperativas, nas organizações de socorros mútuos e outras semelhantes, por mais reacionárias que sejam.
Anos de ascenso (1910/1914).
A principio, o ascenso foi de uma lentidão incrível; em seguida, depois dos acontecimentos do Lena(2). em 1912, verificou-se com rapidez um pouco maior. Vencendo dificuldade(3) inauditas, os bolcheviques eliminaram os mencheviques, cujo papel como agentes da burguesia no movimento operário foi admiravelmente compreendido depois de 1905 por toda a burguesia e aos quais, por isso mesmo, ela apoiava de mil maneiras contra os bolcheviques. Estes nunca teriam conseguido eliminar os mencheviques, caso não houvessem aplicado uma tática justa, combinando o trabalho ilegal com a utilização obrigatória das "possibilidades legais". Na mais reacionária das Dumas, os bolcheviques conquistaram toda a bancada operária.
Primeira guerra imperialista mundial (1914/1917).
O parlamentarismo legal, com um "parlamento" ultra-reacionário, presta os mais úteis serviços ao partido do proletariado revolucionário, aos bolcheviques. Os deputados bolcheviques são deportados para a Sibéria. Na imprensa dos emigrados encontram entre nós sua mais plena expressão todos os matizes das concepções do social-imperialismo, do social-chauvinismo, do social-patriotismo, do internacionalismo inconseqüente e do conseqüente, do pacifismo e, da negação revolucionária das ilusões pacifistas. Os imbecis sabichões e as velhas comadres da II Internacional, que franziam o cenho com desdém e arrogância ante a abundância de "fracções" no socialismo russo e ante a luta encarniçada que havia entre elas, foram incapazes, quando a guerra suprimiu em todos os países adiantados a tão alardeada "legalidade" de organizar, ainda que apenas aproximadamente, um intercâmbio livre (ilegal) de idéias e uma elaboração livre (ilegal) de concepções justas, como os revolucionários russos organizaram na Suíça e em outros países. Precisamente por isso, tanto os social-patriotas declarados como os "kautskistas" de todos os países revelaram-se os piores traidores do proletariado. E se o bolchevismo foi capaz de triunfar em 1917/1920, uma das causas fundamentais dessa vitória consiste em que desmascarou impiedosamente, já desde fins de 1914, a vileza, a infâmia e a abjeção do social-chovinismo e do "kautskismo" (ao qual correspondem o longuetismo3 na França, as idéias dos chefes do Partido Trabalhista Independente(4) e dos fabianos(5) na Inglaterra, de Turati na, Itália, etc.) e em que as massas foram se convencendo cada vez mais, por experiência própria, de que as concepções dos bolcheviques eram justas.
Segunda revolução russa (fevereiro-outubro de 1917).
O incrível grau de decrepitude e caducidade do czarismo criou contra ele (com ajuda dos reveses e sofrimentos de uma guerra infinitamente penosa) uma tremenda força destruidora. Em poucos dias, a Rússia converteu-se numa república burguesa democrática mais livre (nas condições da guerra) que qualquer outro país. Os chefes dos partidos de oposição e revolucionários começaram a formar o governo, como nas repúblicas do mais "puro parlamentarismo", pois o título de chefe de partido de oposição no parlamento, mesmo no mais reacionário jamais havido, sempre facilitou o papel ulterior desse chefe na revolução.
Em poucas semanas, os mencheviques e os "social-revolucionários" assimilaram com perfeição todos os maneirismos, e posições, argumentos o sofismas dos heróis europeus da II Internacional, dos ministerialistas e de toda a corja oportunista Tudo que hoje lemos sobre os Scheidemann e os Noske, Kautsky e Hilferding, Renner e Austerlitz, Otto Bauer e Fritz Adler, Turati e Longuet, sobre os fabianos e os chefes do Partido Trabalhista Independente da Inglaterra nos parece (e é, na realidade) uma repetição monótona de um assunto antigo e conhecido. A História os ludibriou, obrigando os oportunistas de um país atrasado a se manifestarem antes dos oportunistas de uma série de países adiantados.
Se todos os heróis da II Internacional fracassaram e se cobriram de opróbrio na questão do papel e da importância dos Soviets e do Poder Soviético; se eles se cobriram de ignominia com singular "brilhantismo" e se os chefes dos três grandes partidos que se separaram agora da II Internacional (Partido Social-Democrata Independente da Alemanha(6), Partido Longuetista da França e Partido Trabalhista Indepedente da Inglaterra) se confundiram nossa questão; se todos eles se tornaram escravos dos preconceitos da democracia pequeno-burguesa (exatamente da mesma maneira que os pequeno-burgueses de 1848, que se chamavam "social-democratas"), também é verdade que já vimos tudo isso no exemplo dos mencheviques. A História fez esse gracejo: os Soviets surgiram na Rússia em 1905, foram falsificados em fevereiro-outubro de 1917 pelos mencheviques - que fracassaram por não haver compreendido o papel e a importância dos Soviets --- e hoje surgiu no mundo inteiro a idéia do Poder Soviético, idéia que se difunde com inusitada rapidez entre o proletariado de todos os países. Enquanto isso, os antigos heróis da II Internacional fracassam em toda parte, por não terem sabido compreender, do mesmo modo que os nossos mencheviques, o papel e a importância dos Soviets. A experiência demonstrou que, em algumas questões essenciais da revolução proletária, todos os países passarão, inevitavelmente, por onde a Rússia passou.
Contrariamente às opiniões que não raro se expendem agora na Europa e na América, os bolcheviques começaram com muita prudência e não prepararam de modo algum com facilidade a sua vitoriosa luta contra a república burguesa parlamentar (de fato) e contra os mencheviques. No início do período citado, não conclamamos à derrubada do governo, e sim explicamos a impossibilidade de fazê-lo sem modificar previamente a composição e o estado de espírito dos Soviets. Não declaramos o boicote ao parlamento burguês, mas, pelo contrário, dissemos - e a partir da Conferência de nosso Partido, celebrada em abril de 1917, passamos a dizê-lo oficialmente em nome do Partido - que uma república burguesa com uma Constituinte era preferível à mesma república sem Constituinte, mas que a república "operária-camponesa" soviética é melhor que qualquer república democrático-burguesa, parlamentar. Sem essa preparação prudente, minuciosa, sensata e prolongada não teríamos podido alcançar nem manter a vitória; de Outubro de 1917.
IV - Quais foram os inimigos que o bolchevismo enfrentou, dentro do movimento operário, para poder crescer, fortalecer-se e temperar-se?
Em primeiro lugar, e acima de tudo, na luta contra o oportunismo que, em 1914, transformou-se definitivamente em social -chovinismo e se bandeou, de uma vez por todas, para o lado da burguesia, contra o proletariado. Esse era, naturalmente, o principal inimigo do bolchevismo dentro do movimento operário, e continua sendo, em escala mundial. O bolchevismo prestou e presta a esse inimigo a maior atenção. Esse aspecto da atividade dos bolcheviques já é muito bem conhecido no estrangeiro.
Quanto a outro inimigo do bolchevismo no movimento operário, a coisa já é bem diferente. Pouco se sabe, no estrangeiro, que o bolchevismo cresceu, formou-se e temperou-se, durante muitos anos, na luta contra o revolucionarismo pequeno-burguês, parecido com o anarquismo, ou que adquiriu dele alguma coisa, afastando-se, em tudo que é essencial, das condições e exigências de uma conseqüente luta de classes do proletariado. Para os marxistas está plenamente provado do ponto de vista teórico - e a experiência de todas as revoluções e movimentos revolucionários da Europa confirmam-no totalmente - que o pequeno proprietário, o pequeno patrão (tipo social muito difundido em vários países europeus e que tem caráter de massas), que, muitas vezes sofre sob o capitalismo uma pressão contínua e, amiúde, uma agravação terrivelmente brusca e rápida de suas precárias condições de vida, não sendo difícil arruinar-se, passa-se facilmente para uma posição ultra-revolucionária, mas é incapaz de manifestar serenidade, espírito de organização, disciplina e firmeza. O pequeno-burguês "enfurecido" pelos horrores do capitalismo é, como o anarquismo, um fenômeno social comum a todos os países capitalistas. São por demais conhecidas a inconstância e a esterilidade dessas veleidades revolucionárias, assim como a facilidade com que se transformam rapidamente em submissão, apatia, fantasias, e mesmo num entusiasmo "furioso" por essa ou aquela tendência burguesa "em moda". Contudo, o reconhecimento teórico, abstrato, de tais verdades não é suficiente, de modo algum, para proteger um partido revolucionário dos antigos erros, que sempre acontecem por motivos inesperados, com ligeira variação de forma, com aparência ou contorno nunca vistos, anteriormente, numa situação original (mais ou menos original).
O anarquismo foi, muitas vezes, uma espécie de expiação dos pecados oportunistas do movimento operário. Essas duas anomalias completavam-se reciprocamente. Se o anarquismo exerceu na Rússia uma influência relativamente insignificante nas duas revoluções (1905 e 1917) e durante sua preparação, não obstante a população pequeno-burguesa ser aqui mais numerosa que nos países europeus, isso se deve, em parte, sem dúvida, ao bolchevismo, que sempre lutou impiedosa e inconciliavelmente contra o oportunismo. Digo "em parte" porque o que mais contribuiu para debilitar o anarquismo na Rússia foi a possibilidade que teve no passado (década de 70 do século XIX) de alcançar um desenvolvimento extraordinário e revelar profundamente seu caráter falso e sua incapacidade de servir como teoria dirigente da classe revolucionária.
Ao surgir em 1903, o bolchevismo herdou a tradição de luta implacável contra o revolucionarismo pequeno-burguês, semi-anarquista (ou capaz de "namoricar" o anarquismo), tradição que sempre existira na social-democracia revolucionária e que se consolidou particularmente em nosso país em 1900/1903, quando foram assentadas as bases do partido de massas do proletariado revolucionário da Rússia. O bolchevismo fez sua e continuou a luta contra o partido que mais fielmente representava as tendências do revolucionarismo pequeno-burguês (isto é, o partido dos "socialistas revolucionários") em três pontos principais. Em primeiro lugar, esse partido, que repudiava o marxismo, obstinava-se em não querer compreender (talvez fosse mais justo dizer que não podia. compreender) a necessidade de levar em conta, com estrita objetividade, as forças de classe e suas relações mútuas antes de empreender qualquer ação política. Em segundo lugar, esse partido via um sinal particular de seu "revolucionarismo" ou de seu "esquerdismo" no reconhecimento do terror individual, dos atentados, que nós, marxistas, rejeitávamos categoricamente. É claro que condenávamos o terror individual exclusivamente por conveniência; as pessoas capazes de condenar "por princípio" o terror da grande revolução francesa ou, de modo geral, o terror de um partido revolucionário vitorioso, assediado pela burguesia do mundo inteiro, já foram fustigadas e ridicularizadas por Plekhanov em 1900/1903, quando este era marxista e revolucionário. Em terceiro lugar, ser "esquerdista" consistia, para os social-revolucionários, em rir dos pecados oportunistas, relativamente leves, da social-democracia alemã, ao mesmo tempo que imitavam os ultra-oportunistas desse mesmo partido, em questões como a agrária ou a da ditadura do proletariado.
A História, diga-se de passagem, confirmou hoje, em grande escala, em escala histórico-mundial, a opinião que sempre defendemos, isto é: que a social-democracia revolucionária alemã (devemos levar em conta que, já em 1900/1903, Plekhanov reclamava a expulsão de Bernstein do partido e que os bolcheviques, mantendo sempre essa tradição, desmascaravam em 1913 toda a vilania, a baixeza e a traição de Legien) estava mais próxima que ninguém do partido de que o proletariado revolucionário necessitava para triunfar. Agora, em 1920, depois de todos os rompimentos e crises ignominiosos da época da guerra e dos primeiros anos que a sucederam, vê-se com clareza que, de todos os partidos ocidentais, a social-democracia revolucionária alemã é, exatamente, a que deu os melhores chefes e que mais rapidamente se recuperou, corrigiu e fortaleceu. Isso também se verifica no partido dos espartaquistas(7) e na ala esquerda, proletária, do "Partido Social-Democrata Independente da Alemanha", que mantém uma luta firme contra o oportunismo e a falta de caráter dos Kautsky, Hilferding, Ledebour e Crispien. Se dermos agora uma olhada num período histórico completamente encerrado, que vai da Comuna de Paris à primeira República Socialista Soviética, veremos delinear-se com relevo absolutamente definido e indiscutível a posição do marxismo diante do anarquismo. Afinal de contas, o marxismo demonstrou ter razão. E se os anarquistas assinalavam com justeza o caráter oportunista das concepções sobre o Estado que imperavam na maioria dos partidos socialistas, é preciso observar, em primeiro lugar, que esse caráter oportunista provinha de uma deformação e até mesmo de uma ocultação consciente das idéias de Marx a respeito do Estado (em meu livro 0 Estado e a Revolução registrei que manteve no fundo de uma gaveta durante 36 anos, de 1875 a 1911, a carta em que Engels denunciava com singular realce, vigor, franqueza e clareza o oportunismo das concepções social-democratas em voga sobre o Estado); e, em segundo lugar, que a retificação dessas idéias oportunistas e o reconhecimento do Poder Soviético e de sua superioridade sobre a democracia parlamentar burguesa partiram com maior amplitude e rapidez precisamente das tendências mais marxistas existentes no seio dos partidos socialistas da Europa e da América.
Houve dois momentos em que luta do bolchevismo contra os desvios "esquerdistas" de seu próprio partido adquiriu dimensões particularmente consideráveis: em 1908, em torno da participação num "parlamento" ultra-reacionário e nas associações operárias legais, regidas pelas leis mais reacionárias, e em 1918 (paz de Brest), em torno da admissibilidade desse ou daquele "compromisso".
Em 1908, os bolcheviques "de esquerda" foram expulsos de nosso partido, em virtude de seu empenho em não querer compreender a necessidade de participar num "parlamento" ultra-reacionário. Os "esquerdistas", entre os quais havia muitos excelentes revolucionários que depois foram (e continuam sendo) honrosamente membros do Partido Comunista, apoiavam-se, principalmente, na feliz experiência do boicote de 1905. Quando o czar anunciou, em agosto de 1905, a convocação de um "parlamento" consultivo, os bolcheviques, contra todos os partidos da oposição e contra os mencheviques, declararam o boicote a esse parlamento, que foi liqüidado, com efeito, pela revolução de outubro de 1905. Naquela ocasião, o boicote foi justo, não porque seja certo abster-se, de modo geral, de participar nos parlamentos reacionários, mas porque foi levada em conta, acertadamente, a situação objetiva, que levava à rápida transformação das greves de massas em greve política e, sucessivamente, em greve revolucionária e em insurreição. Além disso, o motivo da luta era, nessa época, saber se se devia deixar nas mãos do czar a convocação da primeira instituição representativa, ou se se devia tentar arrancá-la das mãos das antigas autoridades. Como não havia, nem podia haver, a plena certeza de que a situação objetiva era semelhante e que seu desenvolvimento havia de realizar-se no mesmo sentido e com igual rapidez, o boicote deixava de ser justo.
O boicote dos bolcheviques ao "parlamento" em 1905, enriqueceu o proletariado revolucionário com uma experiência política extraordinariamente preciosa, mostrando que, na combinação das formas de luta legais e ilegais, parlamentares e extraparlamentares, é, às vezes, conveniente e até obrigatório saber renunciar às formas parlamentares. Mas transportar cegamente, por simples imitação, sem espírito critico, essa experiência a outras condições, a outra situação, é o maior dos erros. O que já constituíra um erro, embora pequeno e facilmente corrigível (8), foi o boicote dos bolcheviques à "Duma" em 1906. Os boicotes de 1907, 1908 e dos anos seguintes foram erros muito mais sérios e dificilmente reparáveis, pois, de um lado, não era acertado esperar que a onda revolucionária se reerguesse com muita rapidez e se transformasse em insurreição e, por outro lado, o conjunto da situação histórica originada pela renovação da monarquia burguesa impunha a necessidade de combinar-se o trabalho legal com o ilegal. Hoje, quando se considera retrospectivamente esse período histórico já encerrado por completo, cuja ligação com os períodos posteriores já se manifestou plenamente, compreende-se com extrema clareza que os bolcheviques não teriam podido conservar (já não digo consolidar, desenvolver e fortalecer) o núcleo sólido do partido revolucionário do proletariado durante os anos 1908/1914, se não houvessem defendido, na mais árdua luta, a combinação obrigatória das formas legais com as ilegais, a participação obrigatória num parlamento ultra-reacionário e numa série de instituições regidas por leis reacionárias (associações de mútuo socorro, etc.).
Em 1918, as coisas não chegaram à cisão. Os comunistas "de esquerda" só constituíram, na ocasião, um grupo especial, ou "fração", dentro de nosso Partido, e por pouco tempo. No mesmo ano, os mais destacados representantes do "comunismo de esquerda", Rádek e Bukharin, por exemplo, reconheceram abertamente seu erro. Achavam que a paz de Brest era um compromisso com os imperialistas, inaceitáveis por princípio e funesto para o partido do proletariado revolucionário. Tratava-se, realmente, de um compromisso com os imperialistas; mas era precisamente um compromisso dessa espécie que era obrigatório naquelas circunstâncias.
Hoje, quando ouço, por exemplo, os "social-revolucionários" atacarem nossa tática ao assinar a paz de Brest, ou uma observação como a que me foi feita pelo camarada Landsbury durante uma conversa: "Os chefes de nossas trade-unions inglesas dizem que também se podem permitir um compromisso, uma vez que os bolcheviques se permitiram", respondo habitualmente, antes de tudo, com uma comparação simples e "popular":
Imagine que o carro em que você está viajando é detido por bandidos armados. Você lhes dá o dinheiro, a carteira de identidade, o revólver e o automóvel; mas, em troca disso, escapa da agradável companhia dos bandidos. Trata-se, evidentemente, de um compromisso. Do ut des ("dou" meu dinheiro, minhas armas e meu automóvel, "para que me dês" a possibilidade de seguir em paz). Dificilmente, porém, se encontraria um homem sensato capaz de declarar que esse compromisso é "inadmissível do ponto de vista dos princípios", ou de denunciar quem o assumiu como cúmplice dos bandidos (ainda que esses, possuindo o automóvel, e as armas, possam utilizá-los para novas pilhagens). Nosso compromisso com os bandidos do imperialismo alemão foi semelhante a esse.
Mas quando, em 1914/1918 e em 1918/1920, os mencheviques e os social-revolucionários na Rússia, os partidários de Scheidemann (e, em grande parte, os kautskistas) na Alemanha, Otto Bauer e Friedrich Adler (sem falar dos Srs. Renner e outros) na Áustria, os Renaudel, Longuet & Cia. na França, os fabianos, os "independentes" e os "trabalhistas"(9) na Inglaterra assumiram, com os bandidos de sua própria burguesia e, às vezes, da burguesia "aliada", compromissos dirigidos contra o proletariado revolucionário de seu próprio país, esses senhores agiram como cúmplices dos bandidos. A conclusão é clara: rejeitar os compromissos "por principio", negar a legitimidade de qualquer compromisso, em geral, constitui uma infantilidade que é inclusive difícil de se levar a sério. O político que queira ser útil ao proletariado revolucionário deve saber distinguir os casos concretos de compromissos que são mesmo inadmissíveis, que são uma expressão de oportunismo e de traição, e dirigir contra esses compromissos concretos toda a força da critica, todo esforço de um desmascaramento implacável e de uma guerra sem quartel, não permitindo aos socialistas, com sua grande experiência de "manobristas", e aos jesuítas parlamentares que se livrem da responsabilidade através de preleções sobre os compromissos em geral". Os senhores "chefes" das trade-unions inglesas, assim como os da Sociedade Fabiana e os do Partido Trabalhista "Indepedente", pretendem, exatamente desse modo, eximir-se da responsabilidade da traição que cometeram, por haver assumido semelhante compromisso que, na realidade, nada mais é que oportunismo, defecção e traição da pior, espécie. Há compromissos e compromissos. É preciso saber analisar a situação e as circunstâncias concretas de cada compromisso, ou de cada variedade de compromisso. É preciso aprender a distinguir o homem que entregou aos bandidos sua bolsa e suas armas para diminuir o mal causado, por eles e facilitar sua captura e execução, daquele que dá aos bandidos sua bolsa e suas armas para participar da divisão do saque. Em política, isso está muito longe de ser sempre assim tão difícil como nesse pequeno exemplo de simplicidade infantil. Seria, porém, um simples charlatão quem pretendesse inventar para os operários uma fórmula que, antecipadamente, apresentasse soluções adequadas para todas as circunstâncias da vida, ou aquele que prometesse que na política do proletariado nunca surgirão dificuldades nem situações complicadas. A fim de não deixar margem a interpretações falsas, tentarei esboçar, ainda que em poucas palavras, algumas teses fundamentais para a análise dos casos concretos de compromisso. O partido que acertou com o imperialismo alemão o compromisso de firmar a paz de Brest vinha elaborando na prática o seu internacionalismo desde fins de 1914. Esse partido não receou proclamar a derrota da monarquia czarista e estigmatizar a "defesa da pátria", na guerra entre duas aves de rapina imperialistas. Os deputados desse partido no parlamento foram deportados para a Sibéria, em vez de seguir o caminho que leva às pastas ministeriais num governo burguês. A revolução, ao derrubar o czarismo e proclamar a república democrática, submeteu esse partido a uma nova e importante prova: não ajustou nenhum acordo com os imperialistas de "seu" país, e sim preparou sua derrubada e os derrubou. Esse mesmo partido, uma vez dono do Poder político, não deixou pedra sobre pedra nem da propriedade agrária nem da propriedade capitalista. Depois de publicar e inutilizar os tratados secretos dos imperialistas, esse partido propôs a paz a todos os povos e só cedeu ante a violência dos bandidos de Brest quando os imperialistas anglo-franceses frustaram a paz e depois de os bolcheviques terem feito tudo que, era humanamente possível para acelerar a revolução na Alemanha e em. outros países. A total justeza de semelhante compromisso, assumido por tal partido nessas circunstâncias, torna-se dia a dia mais clara e evidente para todos. Os mencheviques e social-revolucionários da Rússia (do mesmo modo que todos os chefes da II Internacional no mundo inteiro, em 1914/1920) começaram pela traição, justificando direta ou indiretamente a "defesa da pátria", isto é, a defesa de sua burguesia espoliadora, e persistiram na traição coligando-se com a burguesia de seu país e lutando a seu lado contra o proletariado revolucionário de seu próprio país. Sua união na Rússia com Kerenski e os democratas constitucionalistas e, depois, com KoIchak e Denikin, assim como a aliança de seus correligionários estrangeiros com a burguesia de seus respectivos países, foi uma deserção para o campo da burguesia, contra o proletariado. Seu compromisso com os bandidos do imperialismo consistiu, do principio ao fim, em tornar-se cúmplices do banditismo imperialista.

7 comentários:

Ana Camarra disse...

CRN

O problema é sempre o mesmo da liberalização absoluta nasce o poder absoluto.
Das liberdades desbragadas aparecem muitas vezes as loucuras e o extremos.
Lembrar por exemplo a Revolução Cultural na China, onde se começou por querer cortar com a cultura imperial, elitista, para o disparate da aniquilação artistica.
Por isso há que encontrar o equilibrio, a fina linha divisória, entre o ideal e o concreto, entre o possivél e o utópico, entre a justiça e a liberdade, tudo conceitos mais ou menos pessoais, mais ou menos vagos, mas dos quais é possivél, estou convecida uma universalidade.

Deixo aqui um poema que gosto particularmente, porque me revejo muito nele, só substituiria a palavra fé por esperança.


"Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
- Partimos. Vamos. Somos."

(Sebastião da Gama)

Beijos

Mário Pinto disse...

Ana,
Basta que a alma dêmos!

A revolução é hoje!

Cumprimentos.

Zorze disse...

Meu amigo CRN, como te explicar.

É bonito ver a tua paixão. Acredita.
Mas na mesma assumpção poderia dizer a Paixão Infantil.

Naquilo que acredito, já nem acredito, pois sei que é a realidade poderia tentar reduzir os outros por não pensarem o mesmo que eu. Algo que para mim é evidente, para outros, não é. E se sei, não é porque seja superior a ninguém. Apenas me foi dado a conhecer e vivenciar.

Da maneira que a apresentas, mostras que queres dar um cunho de superioridade, mesmo que involutáriamente. E o que apresentas são ideais do século passado, apesar, de muitas encontrarem actualidade nos dias de hoje. Daí algum sentido coerente.

Mas, o mundo mudou, hoje existem muitos mais desafios. A questão da direita e da esquerda continua a ser importante. Mas o problema nº 1 do Planeta é o dinheiro, chamem o que quiser. O dinheiro é a principal desgraça da Humanidade. Os demónios são quem o faz e quem o distribui. Este é o cerne da questão.
Estes é que têm de ser desmontados.

Sem esta realidade presente qualquer governo seria boicotado de tal forma que não resistiria um bom par de meses.

A realidade é esta, crua e dura.

Sem dependermos excessivamente do petróleo, sem desmantelarmos os grandes lobbies do armamento e os grandes financeiros, independentemente da política estaremos a assobiar para o lado.

Abraço,
Zorze

Mário Pinto disse...

Zorze,
São as tuas opiniões, "Algo que para mim é evidente, para outros, não é."

A revolução é hoje!

Cumprimentos.

Zorze disse...

CRN,

"E se sei, não é porque seja superior a ninguém."

Estás de acordo?

Abraço,
Zorze

Anónimo disse...

não estou nada de acordo com o Zorze...ele não consegue compreender a correlação de forças presentes,...e isso é que é o seu problema...julga que a luta de classes (nunca tão actual) é a luta dele contra o PS,PSD,CSDS...não percebe que o socialismo internacionalista e as organizações que as conduzem na luta, é uma coisa de grande amplitude e que há que estar englobado ne engajado nela.....se não for assim,...chapéu !!!!

Anónimo disse...

Mugabe,
Uma visão bastante adulta do comunismo!

A revolução é hoje!

Cumprimentos.