terça-feira, outubro 21, 2008

Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação X

10. Conclusão

Façamos o balanço.
Do ponto de vista da teoria do marxismo em geral, a questão do direito à autodeterminação não apresenta dificuldades. Não se pode sequer falar seriamente de contestar a decisão de Londres de 1896, nem de que por autodeterminação se compreende apenas o direito à separação, nem de que a formação de Estados nacionais independentes é uma tendência de todas as revoluções democráticas burguesas.
A dificuldade é criada, até determinado grau, pelo facto de que na Rússia lutam e devem lutar juntos o proletariado das nações oprimidas e o proletariado da nação opressora. Defender a unidade da luta de classe do proletariado pelo socialismo, repelir todas as influências burguesas e cem-negristas do nacionalismo — eis em que consiste a tarefa. Entre as nações oprimidas, a separação do proletariado num partido independente conduz por vezes a uma luta tão encarniçada contra o nacionalismo da nação em causa que se deturpa a perspectiva e se esquece o nacionalismo da nação opressora.
Mas tal deturpação da perspectiva é possível apenas por pouco tempo. A experiência da luta conjunta dos proletários de diferentes nações demonstra com demasiada clareza que nós devemos colocar as questões políticas, não do ponto de vista «cracoviano», mas do ponto de vista de toda a Rússia. Mas na política de toda a Rússia dominam os Purichkévitch e os Kokóchkine. Reinam as suas ideias, a sua perseguição dos alógenos por «separatismo», por pensarem na separação, é pregada e conduzida na Duma; nas escolas, nas igrejas, nos quartéis e em centenas e milhares de jornais. É este veneno grão-russo do nacionalismo que intoxica toda a atmosfera política de toda a Rússia. É a infelicidade dum povo que, escravizando outros povos, reforça a reacção em toda a Rússia. As recordações dos anos de 1849 e 1863 constituem uma tradição política viva, que, se não sobrevierem tempestades de proporções muito grandes, ameaça dificultar ainda por longos decénios qualquer movimento democrático e particularmente social-democrata.
Não há dúvidas de que, por mais natural que pareça às vezes o ponto de vista de alguns marxistas das nações oprimidas (cuja «infelicidade» consiste em que às vezes as massas da população estão cegas com a ideia da «sua» libertação nacional), de facto, devido à correlação objectiva das forças de classe na Rússia, a renúncia à defesa do direito à autodeterminação equivale ao pior dos oportunismos e à contaminação do proletariado com as ideias dos Kokóchkine. E estas ideias são, no fundo, as ideias e a política dos Purichkévitch.
Por isso, se o ponto de vista de Rosa Luxemburg poderia justificar-se a princípio como uma estreiteza especificamente polaca, «cracoviana», actualmente, quando por toda a parte se reforçou o nacionalismo e antes de mais nada o nacionalismo governamental, grão-russo, quando ele orienta a política, semelhante estreiteza torna-se já imperdoável. De facto agarram-se a ela os oportunistas de todas as nações, que fogem perante a ideia das «tempestades» e dos «saltos», que consideram terminada a revolução democrático-burguesa, que se arrastam atrás do liberalismo dos Kokóchkine.
O nacionalismo grão-russo, como qualquer nacionalismo, passa por diferentes fases, segundo predominem estas ou aquelas classes no país burguês. Até 1905 quase só conhecíamos nacional-reaccíonários. Depois da revolução surgiram entre nós os nacional-liberais.
Esta é a posição que de facto adoptam entre nós tanto os outubristas como os democratas-constitucionalistas (Kokóchkine), isto é, toda a burguesia actual.
Mais tarde é inevitável o aparecimento de nacíonal-democratas grão-russos. Um dos fundadores do partido «socialista popular», o senhor Pechekhónov, já expressou este ponto de vista quando exortou (no fascículo de Agosto da Rússkoie Bogatstvo de 1906) à prudência em relação aos preconceitos nacionalistas do mujique. Por mais que nos caluniem a nós, bolcheviques, de «idealizar» o mujique, nós sempre distinguimos e distinguiremos rigorosamente a razão do mujique do preconceito do mujique, o espírito democrático do mujique contra Purichkévitch e a tendência do mujique para se conciliar com o padre e com o latifundiário.
A democracia proletária deve desde já ter em conta o nacionalismo dos camponeses grão-russos (não no sentido das concessões, mas no sentido da luta), e tê-lo-á em conta, provavelmente, ainda por bastante tempo. O despertar do nacionalismo nas nações oprimidas, que se manifestou tão fortemente depois de 1905 (recordemos, quanto mais não seja, o grupo dos «autonomistas-federalistas» na I Duma, o ascenso do movimento ucraniano, do movimento muçulmano, etc), provocará inevitavelmente o reforço do nacionalismo da pequena burguesia grã-russa nas cidades e no campo. Quanto mais lentamente se processar a transformação democrática da Rússia, tanto mais tenaz, mais brutal e mais encarniçada será a perseguição nacional e os atritos entre a burguesia das diferentes nações. O reaccionarismo particular dos Purichkévitch russos gerará (e reforçará) além disso aspirações «separatistas» entre tais ou tais nações oprimidas, que às vezes gozam de muito maior liberdade nos Estados vizinhos.
Tal estado de coisas coloca ao proletariado da Rússia uma tarefa dupla ou, melhor, bilateral: lutar contra toda a espécie de nacionalismo e em primeiro lugar contra o nacionalismo grão-russo; reconhecer não só a plena igualdade de direitos de todas as nações em geral, mas também a igualdade de direitos em relação à constituição de um Estado. Isto é, o direito das nações à autodeterminação, à separação; e juntamente com isto, e precisamente no interesse da luta com êxito contra todo o tipo de nacionalismo de todas as nações, a defesa da unidade de luta proletária e das organizações proletárias, a sua mais estreita fusão numa comunidade internacional, apesar das aspirações burguesas ao isolamento nacional.
A plena igualdade de direitos das nações; o direito à autodeterminação das nações; a fusão dos operários de todas as nações — é este o programa nacional que o marxismo ensina aos operários, que ensina a experiência de todo o mundo e a experiência da Rússia.
* * *
O artigo já estava composto quando recebi o n.° 3 do Nacha Rabótchaia Gazeta, no qual o senhor Vl. Kossóvski escreve sobre o reconhecimento do direito à autodeterminação para todas as nações:
«Sendo mecanicamente transferido da resolução do I congresso do partido (1898), o qual, por sua vez, o tomou das decisões dos congressos socialistas internacionais, ele era, como se pode ver dos debates, compreendido pelo congresso de 1903 no mesmo sentido que lhe dava a Internacional socialista: no sentido da autodeterminação política, isto é, da autodeterminação da nação no sentido da independência política. Desta maneira, a fórmula da autodeterminação nacional, significando o direito à separação territorial, não diz absolutamente nada respeito à questão de como regular as relações nacionais dentro de um organismo estatal dado, para as nacionalidades que não podem ou não querem sair do Estado existente.»
Por aí se vê que o senhor Vl. Kossóvski teve nas mãos as actas do II congresso de 1903 e conhece perfeitamente o sentido verdadeiro (e único) do conceito de autodeterminação. Comparai com isto o facto de que a redacção do jornal bundista Tsait solta o senhor Líbman para escarnecer do programa e declará-lo pouco claro!! Estranhos costumes «de partido» têm os senhores bundistas... Porque é que Kossóvski declara que a adopção da autodeterminação pelo congresso foi uma transferência mecânica, «só Alá o sabe». (((Há pessoas que «querem objectar», mas a quê, como, porquê, para quê, isso não lhes é dado saber.)))
Assinado V. Iline.

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Concluindo esta temática e em ordem a possibilitar a constatação do efeito da atribuição de voz à elite oligarquica que apareceu na URSS durante a década de 80 do século passado, os efeitos nefastos que a mesma provocou, amparando-se no capitalismo sionista e em vampiros tipo Rotschild, usurpando o poder parlamentário do povo, através - também - do recurso às armas corrompidas, esta noite, no "Cheira-me a revolução" (http://revolucionaria.wordpress.com), publicarei um filme em duas partes que, aproveitando ser Domingo, poderá constituir uma "sessão da tarde" bastante esclarecedora.

A revolução é hoje!

Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação IX

9. O Programa de 1903 e os Seus Liquidadores

As actas do Congresso de 1903, que adoptou o programa dos marxistas da Rússia, tornaram-se extremamente raras e a imensa maioria dos militantes actuais do movimento operário desconhece os considerandos dos diferentes pontos do programa (tanto mais que nem toda a literatura, longe disso, relacionada com este assunto goza dos benefícios da legalidade...). Por isso é necessário determo-nos na análise feita no congresso de 1903 da questão que nos interessa.
Notemos antes de mais que, por mais escassa que seja a literatura social-democrata russa referente ao «direito das nações à autodeterminação», por ela se vê, no entanto, de forma perfeitamente clara, que sempre se compreendeu este direito no sentido do direito à separação. Os senhores Semkóvski, Líbman e Iurkévitch, que põem isto em dúvida, que declaram o § 9 «pouco claro», etc, discorrem sobre a «falta de clareza» somente por extrema ignorância ou por descuido. Já em 1902, defendendo o «direito à autodeterminação» no projecto de programa, Plekhánov escrevia na Zariá que esta reivindicação, não sendo obrigatória para os democratas burgueses, «é obrigatória para os sociais-democratas». «Se nós nos esquecêssemos dela, ou não nos decidíssemos a apresentá-la — escrevia Plekhánov — temendo ferir os preconceitos nacionais dos nossos compatriotas de nacionalidade grã-russa, então na nossa boca tornar-se-ia uma vergonhosa mentira... o apelo ... :'ProIetários de todos os países, uni-vos!'».
Esta é uma caracterização muito acertada do argumento fundamental a favor do ponto em análise, tão acertada que não é sem razão que a contornavam e contornam com temor os críticos do nosso programa «esquecidos da sua origem». A renúncia a este ponto, sejam quais forem os motivos com que ela se rodeou, significa de facto uma «vergonhosa» concessão ao nacionalismo grão-russo. Porquê grão-russo, quando se fala do direito de todas as nações à autodeterminação? Porque se trata de separar-se dos grão-russos. O interesse da unificação dos proletários, o interesse da sua solidariedade de classe, exigem o reconhecimento do direito das nações à separação — eis o que Plekhánov reconheceu há 12 anos atrás nas palavras citadas; se tivessem pensado nisso, os nossos oportunistas não teriam dito, provavelmente, tantos disparates sobre a autodeterminação.
No Congresso de 1903, onde foi aprovado este projecto de programa, defendido por Plekhánov, o trabalho principal foi concentrado na comissão do programa. Infelizmente não foram feitas as suas actas. E precisamente sobre este ponto elas teriam especial interesse, pois foi só na comissão que os representantes dos sociais-democratas polacos, Warszawski e Hanecki, tentaram defender as suas opiniões e contestar o «reconhecimento do direito à autodeterminação». O leitor que quisesse comparar os seus argumentos (expostos no discurso de Warszawski e na declaração dele e de Hanecki, pp. 134-136 e 388-390 das actas) com os argumentos de Rosa Luxemburg no seu artigo polaco por nós analisado, veria a completa identidade destes argumentos.
Qual foi, pois, a atitude para com estes argumentos da comissão do programa do II congresso, onde Plekhánov se ergueu mais do que ninguém contra os marxistas polacos? Estes argumentos foram cruelmente ridicularizados! O absurdo de propor aos marxistas da Rússia a exclusão do reconhecimento do direito das nações à autodeterminação foi tão claro e evidentemente demonstrado que os marxistas polacos nem sequer se atreveram a repetir os seus argumentos na sessão plenária do congresso!! Abandonaram o congresso, convencidos de que era desesperada a sua posição perante a assembleia suprema dos marxistas, tanto grão-russos como judeus, georgianos, arménios.
Este episódio histórico tem, como é evidente, um significado muito importante para todo aquele que se interesse seriamente pelo seu programa. A derrota total do argumento dos marxistas polacos na comissão do programa do congresso e a sua renúncia às tentativas de defender as suas opiniões na assembleia do congresso é um facto extraordinariamente significativo. Não foi sem motivo que Rosa Luxemburg passou isto «modestamente» em silêncio no seu artigo de 1908 — pelos vistos, era-lhe demasiado desagradável a recordação do congresso! Ela passou em silêncio também a proposta, infeliz até ao ridículo, de «emendar» o § 9 do programa, feita em 1903 por Warszawski e Hanecki em nome de todos os marxistas polacos e a qual não se atreveram (e não se atreverão) a repetir nem Rosa Luxemburg, nem outros sociais-democratas polacos.
Mas, se Rosa Luxemburg, ocultando a sua derrota em 1903, passou em silêncio estes factos, as pessoas que se interessam pela história do seu partido cuidarão de conhecer estes factos e meditar sobre o seu significado.
"... Nós propomos — escreviam os amigos de Rosa Luxemburg ao congresso de 1903, ao retirar-se dele — dar a seguinte formulação ao ponto sete (actual ponto 9) do projecto do programa: § 7. Instituições que garantam a plena liberdade de desenvolvimento cultura! a todas as nações que entram na composição do Estado» (p. 390 das actas).
Assim, os marxistas polacos defendiam então opiniões tão indeterminadas sobre a questão nacional que em vez da autodeterminação propunham, no fundo, nada mais do que o pseudónimo da famosa «autonomia nacional-cultural»!
Isto parece quase incrível, mas, infelizmente, é um facto. No próprio congresso, apesar de nele haver 5 bundistas com 5 votos e 3 caucasianos com 6 votos, sem contar o voto consultivo de Kostrov, não houve um único voto pela supressão do ponto sobre a autodeterminação. Pela adição a este ponto da «autonomia nacional-culturaí» manifestaram-se três votos (pela fórmula de Goldblat: «criação de instituições que garantam às nações a plena liberdade de desenvolvimento cultural») e quatro votos pela fórmula de Líber («direito à liberdade do seu — das nações — desenvolvimento cultural»).
Agora, quando surgiu o partido liberal russo, o partido dos democratas-constitucionalistas, nós sabemos que no seu programa foi substituída a autodeterminação política das nações pela «autodeterminação cultural». Por conseguinte os amigos polacos de Rosa Luxemburg, «lutando» contra o nacionalismo do PPS, faziam-no com tanto êxito que propunham substituir o programa marxista por um programa liberal! E, entretanto, eram eles que acusavam o nosso programa de oportunismo — não é de admirar que, na comissão do programa do II congresso, esta acusação tenha sido acolhida apenas com risos!
Em que sentido compreendiam a «autodeterminação» os delegados ao II congresso, dos quais, como vimos, não houve nem um contra a «autodeterminação das nações»?
Disto são testemunho as seguintes três passagens das actas:
«Martínov acha que à palavra 'autodeterminação' não se deve dar uma interpretação ampla; ela significa apenas o direito da nação ao isolamento numa entidade política à parte, mas de modo nenhum a auto-administração regional» (p. 171). Martínov era membro da comissão do programa, na qual foram refutados e ridicularizados os argumentos dos amigos de Rosa Luxemburg. Pelas suas opiniões Martínov era então um «economista», um furioso adversário do Iskra, e se ele tivesse expressado uma opinião que não fosse compartilhada pela maioria da comissão do programa, ele seria, naturalmente, refutado.
Goldblat, um bundista, foi o primeiro a tomar a palavra quando no congresso se debateu, após o trabalho da comissão, o § 8 (actual 9) do programa.
«Contra o 'direito à autodeterminação' — disse Goldblat — nada se pode objectar. No caso de alguma nação lutar pela independência, não podemos opor-nos a isso. Se a Polónia não quiser contrair matrimónio legal com a Rússia, deve-se deixá-ia em paz, como se expressou o camarada Plekhánov. Eu concordo com tal opinião dentro destes limites» (pp. 175-176).
Plekhánov não tomou em absoluto a palavra sobre este ponto na sessão plenária do congresso. Goldblat refere-se às palavras de Plekhánov na comissão do programa, onde o «direito à autodeterminação» foi explicado de forma pormenorizada e popular no sentido do direito à separação. Líber, que falou depois de Goldblat, observou:
«Naturalmente que se alguma nacionalidade não está em condições de viver nos limites da Rússia, o partido não lhe criará obstáculos» (p. 176).
O leitor vê que no II congresso do partido, que aprovou o programa, não havia duas opiniões sobre a questão de que a autodeterminação significa «apenas» o direito à separação. Mesmo os bundistas assimilaram então esta verdade, e somente no nosso triste tempo de uma contra-revolução persistente e de todo o tipo de «renegações» houve pessoas tão ousadas na sua ignorância que declararam o programa «pouco claro». Mas antes de dedicarmos tempo a estes tristes pretensos «sociais-democratas», terminaremos com a atitude dos polacos era relação ao programa.
Eles vieram ao II congresso (1903) com a declaração sobre a necessidade e a urgência da unificação. Mas retiraram-se do congresso após o seu «revés» na comissão do programa, e a sua última palavra foi uma declaração escrita, publicada nas actas do congresso e que contém a proposta atrás citada de substituir a autodeterminação pela autonomia nacional-cultural.
Em 1906 os marxistas polacos ingressaram no partido, e nem ao ingressarem nele nem uma só vez depois (nem no congresso de 1907, nem nas conferências de 1907[N334] e de 1908, nem na reunião plenária de 1910[N335]), apresentaram qualquer proposta sobre a modificação do § 9 do programa russo!!
Isto é um facto.
E este facto demonstra com evidência, apesar de todas as frases e afirmações, que os amigos de Rosa Luxemburg consideraram que os debates na comissão do programa do II congresso e a decisão deste congresso esgotaram a questão, que eles reconheceram tacitamente o seu erro e o corrigiram quando em 1906 ingressaram no partido, após o abandono do congresso em 1903, sem terem tentado uma só vez colocar pela via do partido a questão da revisão do § 9 do programa.
O artigo de Rosa Luxemburg apareceu com a sua assinatura em 1908 — como é evidente, a ninguém passou nunca pela cabeça negar o direito dos publicistas do partido de criticar o programa — e após este artigo igualmente nenhum organismo oficial dos marxistas polacos levantou a questão da revisão do § 9.
Por isso Trótski presta verdadeiramente um fraco serviço a certos admiradores de Rosa Luxemburg quando, em nome da redacção da Borbá, escreve no n.° 2 (Março de 1914):
"... Os marxistas polacos consideram que o 'direito à autodeterminação nacional' é absolutamente privado de conteúdo político e deve ser eliminado do programa» (p. 25).
O solícito Trótski é mais perigoso que um inimigo! E ele não pôde encontrar em parte alguma, a não ser em «conversas particulares» (isto é, simplesmente bisbilhotices, das quais Trótski sempre vive), provas para incluir os «marxistas polacos» em geral entre os partidários de cada artigo de Rosa Luxemburg. Trótski apresentou os «marxistas polacos» como pessoas sem honra e sem consciência, que não sabem sequer respeitar as suas convicções e o programa do seu partido. O solícito Trótski!
Quando em 1903 os representantes dos marxistas polacos abandonaram o II congresso por causa do direito à autodeterminação, então Trótski podia dizer que eles consideravam que este direito era privado de conteúdo e que devia ser eliminado do programa.
Mas depois disso os marxistas polacos ingressaram no partido que tinha esse programa e não apresentaram uma vez sequer uma proposta da sua revisão(14*).
Porque é que Trótski passou em silêncio estes factos perante os leitores da sua revista? Só porque lhe era vantajoso especular com o atiçar das divergências entre os adversários polacos e russos do liquidacionismo e enganar os operários russos na questão do programa.
Nunca ainda, em nenhuma questão séria do marxismo, Trótski teve uma opinião firme, sempre «se insinuando nas fendas» destas ou daquelas divergências e passando de um lado para outro. Neste momento ele encontra-se na companhia dos bundistas e dos liquidacionistas. Ora estes senhores não têm cerimónias para com o partido.
Eis o bundista Líbman:
«Quando a social-democracia da Rússia — escreve este gentleman — incluiu no seu programa, há 15 anos, o ponto relativo ao direito de cada nacionalidade à 'autodeterminação', toda a gente (!!) se perguntou: que significa propriamente esta expressão em moda (!!)? A isto não houve resposta (!!). Esta palavra continuou (!!) envolvida em bruma. Na realidade, naquele tempo era difícil dissipar esta bruma. Não chegou ainda o tempo para que se possa concretizar este ponto — dizia-se naquele tempo —, que ele continue por agora na bruma {!!), e a própria vida irá mostrar que conteúdo se deverá dar a este ponto.»
Não é verdade que é magnífico esse «menino sem calças, que escarnece do programa do partido?
E porque é que escarnece?
Apenas porque é um completo ignorante, que não estudou nada, que nem sequer leu nada sobre a história do partido, mas caiu simplesmente no meio dos liquidacionistas onde «é hábito» andar nu na questão do partido e do espírito de partido.
Num livro de Pomialóvski um seminarista gaba-se de «ter cuspido na panela das couves». Os senhores bundistas foram mais além. Eles soltam os Líbman para que estes gentlemen cuspam publicamente na sua própria panela. Que houve uma decisão de um congresso internacional, que no congresso do próprio partido dois representantes do próprio Bund demonstraram (e como eram críticos «severos» e inimigos decididos do Iskra!) a plena capacidade de compreender o sentido da «autodeterminação» e até concordaram com ela, que importa tudo isto aos senhores Líbman? E não será mais fácil liquidar o partido se os «publicistas do partido» (não brinqueis!) se portarem de maneira seminarista com a história e o programa do partido?
Eis o segundo «menino sem calças», o senhor Iurkévitch da Dzvin[N338]. Provavalmente o senhor Iurkévitch teve nas mãos as actas do II congresso, pois cita as palavras de Plekhánov, reproduzidas por Goldblat, e mostra saber que a autodeterminação só pode significar o direito à separação. Mas isto não o impede de difundir entre a pequena burguesia ucraniana a calúnia contra os marxistas russos de que eles são «pela integridade estatal» da Rússia (1913, n.° 7-8, p. 83 e-outras). É claro que os senhores Iurkévitch não podiam inventar um meio melhor do que esta calúnia para isolar a democracia ucraniana da grã-russa. E tal isolamento está na linha de toda a política do grupo de publicistas da Dzvin, que preconiza a separação dos operários ucranianos numa organização nacional particular!
A um grupo de pequenos burgueses nacionalistas que cindem o proletariado — tal é precisamente o papel objectivo da Dzvin — fica-lhe muito bem, naturalmente, difundir a mais descarada confusão sobre a questão nacional. É evidente que os senhores Iurkévitch e Líbman — que se ofendem «terrivelmente» quando lhes chamam «elementos na periferia do partido», não disseram uma palavra, uma palavrinha sequer, sobre a forma como eles gostariam de resolver no programa a questão do direito à separação.
Eis o terceiro e principal «menino sem calças», o senhor Semkóvski, que, nas páginas do jornal liquidacionalista, «arrasa» perante o público grão-russo o § 9 do programa e ao mesmo tempo declara que «não compartilha, por determinadas razões, a proposta» de eliminação deste parágrafo!!
É incrível, mas é um facto.
Em Agosto de 1912 a conferencia dos liquidacionistas coloca oficialmente a questão nacional. Em ano e meio não houve nem um artigo, salvo o artigo do senhor Semkóvski, sobre a questão do § 9. E neste artigo o autor refuta o programa, «não compartilhando por determinadas (uma doença secreta talvez?) razões» a proposta de o corrigir!! Pode-se ter a certeza de que em todo o mundo não é fácil encontrar exemplos de semelhante oportunismo e, pior do que oportunismo, de renegação do partido, da sua liquidação.
Basta um exemplo para mostrar quais são os argumentos de Semkóvski:
«Que fazer — escreve ele — se o proletariado polaco quiser, no quadro de um só Estado, conduzir a luta em conjunto com todo o proletariado da Rússia, e as classes reaccionárias da sociedade polaca, ao contrário, quiserem separar a Polónia da Rússia e obtiverem num referendo (consulta geral a população) a maioria de votos a favor disso: deveríamos nós, sociais-democratas russos, votar no parlamento central juntamente com os nossos camaradas polacos contra a separação ou, para não violar o "direito à autodeterminação», pela separação?» (Nóvaia Rabótchaia Gazeta, n.° 71).
Por aqui se vê que o senhor Semkóvski nem sequer compreende do que se trata! Ele não pensou que o direito à separação pressupõe a solução da questão exactamente não pelo parlamento central, mas somente pelo parlamento (dieta, referendo, etc.) da região que se separa.
Com a perplexidade infantil de «que fazer» se numa democracia a maioria é pela reacção, encobre-se a questão da política real, verdadeira, viva, quando tanto os Purichkévitch como os Kokóchkine consideram criminosa até mesmo a idéia da separação! Provavelmente, os proletários de toda a Rússia devem conduzir hoje a luta não contra os Purichkévitch e os Kokóchkine, mas, deixando-os de lado, contra as classes reaccionárias da Polónia!!
E semelhantes incríveis absurdos escrevem-se no órgão dos liquidacionistas, do qual um dos dirigentes ideológicos é o senhor L. Mártov. O mesmo L. Mártov que redigiu o projecto de programa e o defendeu em 1903, e que mesmo depois escreveu em defesa da liberdade e da separação. L. Mártov raciocina agora, pelos vistos, segundo a regra:
Um inteligente não faz falta,Mandem para lá o ReadQue eu cá fico a ver.
Ele manda o Read-Semkóvski e permite que num jornal diário, perante novas camadas de leitores que desconhecem o nosso programa, este seja deturpado e confundido sem fim!
Sim, sim, o liquidacionismo foi longe — do espírito de partido não ficou nem vestígio mesmo em muitos ex-sociais-democratas destacados.
Rosa Luxemburg, naturalmente, não pode ser equiparada aos Líbman, Iurkévitch, Semkóvski, mas o facto de que precisamente semelhantes pessoas se agarraram aos seus erros mostra com particular clareza o oportunismo em que ela caiu.

Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação VIII

8. O Utópico Karl Marx e a Prática Rosa Luxemburg

Declarando «utopia» a independência da Polónia e repetindo isto frequentemente até à náusea, Rosa Luxemburg exclama ironicamente: porque não apresentar então a reivindicação da independência da Irlanda?
Pelos vistos a «prática» Rosa Luxemburg desconhece qual foi a atitude de K. Marx para com a questão da independência da Irlanda. Vale a pena determo-nos nisto para mostrar a análise, de um ponto de vista efectivamente marxista e não oportunista, de uma reivindicação concreta de independência nacional.
Marx tinha o hábito de «tocar no dente», como ele se expressava, dos socialistas seus conhecidos, verificando a sua consciência e convicção. Depois de travar conhecimento com Lopátine, Marx escreve a Engels em 5 de Julho de 1870 uma referência extremamente lisonjeira sobre o jovem socialista russo, mas acrescenta:
«...Ponto fraco: Polónia. Neste ponto Lopátine fala exactamente da mesma forma que um inglês — digamos um cartista inglês da velha escola — sobre a Irlanda.»
Marx interroga um socialista que pertence a uma nação opressora sobre a sua atitude para com uma nação oprimida e logo revela o defeito comum aos socialistas das nações dominantes (inglesa e russa): a incompreensão dos seus deveres socialistas para com as nações subjugadas, o ruminar de preconceitos, tomados da burguesia de «grande potência».
Deve fazer-se a ressalva, antes de passarmos às declarações positivas de Marx sobre a Irlanda, de que em relação à questão nacional em geral Marx e Engels conservaram uma atitude rigorosamente crítica, avaliando o seu significado histórico relativo. Assim, Engels escreveu a Marx em 23 de Maio de 1851 que o estudo da história o leva a conclusões pessimistas em relação à Polónia, que o significado da Polónia é temporário, só até à revolução agrária na Rússia. O papel dos polacos na história consiste em cometer «audaciosas tolices». «Não se pode supor nem por um minuto que a Polónia, mesmo só em comparação com a Rússia, represente com êxito o progresso ou tenha qualquer significado histórico.» Na Rússia há mais elementos de civilização, de instrução, de indústria, de burguesia, do que na «sonolenta Polónia senhorial». «Que significam Varsóvia e Cracóvia em comparação , com Petersburgo, Moscovo, Odessa!» Engels não crê no êxito das insurreições dos nobres polacos.
Mas todos estes pensamentos, nos quais há muito de previsão genial, não impediram de modo nenhum Engels e Marx, 12 anos depois, quando a Rússia ainda dormia mas a Polónia fervia, de tomar uma atitude da mais profunda e calorosa simpatia para com o movimento polaco.
Em 1864, ao redigir a mensagem da Internacional, Marx escreve a Engels (em 4 de Novembro de 1864) que é preciso lutar contra o nacionalismo de Mazzini. «Quando na mensagem se fala da política internacional, falo de países mas não de nacionalidades, e denuncio a Rússia e não Estados menos importantes», escreve Marx. Não restam dúvidas a Marx de que, em comparação com a «questão operária», a questão nacional tem um significado subordinado. Mas a sua teoria está tão longe de ignorar os movimentos nacionais como o céu da terra.
Chega o ano de 1866. Marx escreve a Engels sobre a «clique proudhoniana» em Paris, a qual «declara que as nacionalidades são um absurdo e ataca Bismarck e Garibaldi. Como polémica com o chauvinismo, esta táctica é útil e explicável. Mas quando os que acreditam em Proudhon (entre eles figuram também os meus bons amigos daqui, Lafargue e Longuet) pensam que toda a Europa pode e deve permanecer quieta e tranquilamente sentada sobre o seu traseiro até que os senhores em França acabem com a miséria e a ignorância... eles são grotescos» (carta de 7 de Junho de 1866).
«Ontem — escreve Marx em 20 de Junho de 1866 — houve um debate no Conselho da Internacional sobre a guerra actual... O debate concentrou-se, como era de esperar, em volta da questão das 'nacionalidades' e da nossa atitude para com ela ... Os representantes da 'jovem França' (não operários) defenderam o ponto de vista de que qualquer nacionalidade e a própria nação são preconceitos caducos. Stirnerianismo proudhonista... Todo o mundo deve esperar até que os franceses amadureçam para a realização da revolução social... Os ingleses riram muito quando eu comecei o meu discurso dizendo que o nosso amigo Lafargue e outros que aboliram as nacionalidades, se nos dirigem em francês, isto é, numa língua que é incompreensível para 9/10 da assembleia. Depois eu insinuei que Lafargue, sem que ele próprio se dê conta disso, compreende por negação das nacionalidades, parece, a sua absorção pela exemplar nação francesa.»
A conclusão de todas estas observações críticas de Marx é clara: a classe operária é menos susceptível que ninguém de fazer um feitiço da questão nacional, pois o desenvolvimento do capitalismo não desperta obrigatoriamente todas as nações para a vida independente. Mas, uma vez surgidos os movimentos nacionais de massas, ignorá-los, recusar-se a apoiar o que neles existe de progressivo significa de facto ceder aos preconceitos nacionalistas, nomeadamente: reconhecer a «sua» nação como «nação exemplar» (ou, acrescentemos por nosso lado, nação que possui o privilégio exclusivo de edificar um Estado)(11*).
Mas voltemos à questão da Irlanda.
A posição de Marx nesta questão está expressa do modo mais claro nos seguintes trechos das suas cartas:
«Procurei provocar por todos os meios uma manifestação dos operários ingleses a favor do fenianismo ... [N331] Antes, considerava impossível a separação da Irlanda da Inglaterra. Agora considero-a inevitável, mesmo que depois da separação se chegue à federação». Assim escrevia Marx numa carta a Engels, em 2 de Novembro de 1867.
Na carta de 30 de Novembro do mesmo ano, ele acrescentou:
«Que devemos nós aconselhar aos operários ingleses ? Na minha opinião eles devem tornar um ponto do seu programa o Repeal (ruptura) da união» (da Irlanda com a Inglaterra, isto é, a separação da Irlanda da Inglaterra) -«em poucas palavras, a reivindicação de 1783, só que democratizada e adaptada às condições actuais. Esta é a única forma legal de libertação irlandesa e por isso a única possível para adopção no programa de um partido inglês. Posteriormente a experiência deverá mostrar se poderá existir por muito tempo uma simples união pessoal entre ambos os países...
«... Os irlandeses necessitam do seguinte:
«1. Autogoverno e independência em relação à Inglaterra.
«2. Revolução agrária...»
Atribuindo uma enorme importância à questão da Irlanda, Marx dava conferências de hora e meia sobre este tema na união operária alemã (carta de 17 de Dezembro de 1867).
Engels assinala numa carta de 20 de Novembro de 1868 o «ódio aos irlandeses entre os operários ingleses», e quase um ano depois (24 de Outubro de 1869), voltando a este tema, escreve:
«Da Irlanda à Rússia il n'y a qu'un pas (só vai um passo)... No exemplo da história irlandesa pode-se ver que infelicidade é para um povo ter subjugado outro povo. Todas as infâmias inglesas têm a sua origem na esfera irlandesa. Ainda tenho que estudar a época de Cromwell, mas em todo o caso para mim é indubitável que também na Inglaterra as coisas teriam tomado outro rumo se não tivesse sido necessário dominar militarmente a Irlanda e criar uma nova aristocracia.»
Assinalemos de passagem a carta de Marx a Engels de 18 de Agosto de 1869:
«Em Poznan os operários polacos fizeram uma greve vitoriosa graças à ajuda dos seus camaradas de Berlim. Esta luta contra o 'senhor Capital' — mesmo na sua forma inferior, a forma de greve — acabará com os preconceitos nacionais de modo mais sério do que as declamações sobre a paz na boca dos senhores burgueses.»
A política sobre a questão irlandesa conduzida por Marx na Internacional pode ser vista no seguinte:
Em 18 de Novembro de 1869 Marx escreve a Engels que pronunciou um discurso de uma hora e um quarto no Conselho da Internacional sobre a questão da atitude do ministério britânico em relação à amnistia irlandesa e propôs a seguinte resolução:
«Delibera-se,
«que na sua resposta à reivindicação irlandesa de libertar os patriotas irlandeses o senhor Gladstone ofende propositadamente a nação irlandesa;
«que ele liga a amnistia política a condições igualmente humilhantes tanto para as vítimas do mau governo como para o povo por ele representado;
«que Gladstone, embora atado pela sua posição oficial, saudou pública e solenemente a revolta dos escravistas americanos, e agora põe-se a pregar ao povo irlandês a doutrina da obediência passiva;
«que toda a sua política em relação à amnistia irlandesa é a mais autêntica manifestação da "política de conquistas', com o desmascaramento da qual o senhor Gladstone derrubou o ministério dos seus adversários — os tories;
«que o Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores expressa a sua admiração pela audácia, a firmeza e a elevação com que o povo irlandês conduz a sua campanha pela amnistia;
«que esta resolução deve ser comunicada a todas secções da Associação Internacional dos Trabalhadores e a todas as organizações operárias da Europa e da América a ela ligadas.»
Em 10 de Dezembro de 1869, Marx escreve que o seu relatório sobre a questão irlandesa no Conselho da Internacional será elaborado da seguinte forma:
«... De modo plenamente independente de qualquer fraseologia 'internacional' e 'humanitária' sobre a 'justiça para a Irlanda' — porque isto se subentende no Conselho da Internacional — o interesse directo absoluto da classe operária inglesa exige o rompimento dos actuais laços com a Irlanda. Essa é a minha profunda convicção, e baseada em causas que em parte não posso desvendar aos próprios operários ingleses. Pensei durante muito tempo que era possível derrubar o regime irlandês com o ascenso da classe operária inglesa. Sempre defendi esta opinião em A Tribuna de Nova Iorque (jornal americano no qual Marx colaborou muito tempo)[N332]. Um estudo mais profundo da questão convenceu-me do contrário. A classe operária inglesa não poderá fazer nada enquanto não se livrar da Irlanda ... A reacção inglesa na Inglaterra tem as suas raízes na escravização da Irlanda» (sublinhado por Marx).
Agora deve estar bem clara para os leitores a política de Marx na questão irlandesa.
O «utópico»Marx é tão «não prático» que é pela separação da Irlanda, que, mesmo meio século depois, não foi ainda realizada.
O que é que levou a esta política de Marx, e não era ela errada?
Inicialmente Marx pensava que não seria o movimento nacional da nação oprimida, mas o movimento operário no seio da nação opressora, que libertaria a Irlanda. Marx não faz de modo nenhum um absoluto dos movimentos nacionais, sabendo que a total libertação de todas as nacionalidades só a poderá dar a vitória da classe operária. Calcular antecipadamente todas as correlações possíveis entre os movimentos libertadores burgueses das nações oprimidas e o movimento libertador proletário na nação opressora (é exactamente este problema que torna tão difícil a questão nacional na Rússia contemporânea) é uma coisa impossível.
Mas eis que as circunstâncias fizeram com que a classe operária inglesa caísse por tempo bastante longo sob a influência dos liberais, indo na sua cauda e decapitando-se ela própria com uma política operária liberal. O movimento libertador burguês na Irlanda agudizou-se e adquiriu formas revolucionárias, Marx revê a sua opinião e corrige-a. «É uma infelicidade para um povo ter subjugado outro povo.» A classe operária na Inglaterra não se libertará enquanto a Irlanda não se libertar do jugo inglês. A reacção na Inglaterra é reforçada e alimentada pela escravização da Irlanda (tal como a escravização de uma série de nações alimenta a reacção na Rússia!).
E Marx, fazendo aprovar na Internacional uma resolução de simpatia para com a «nação irlandesa», para com o «povo irlandês» (o inteligente L. Vl., possivelmente, demoliria o pobre Marx por se ter esquecido da luta de classes!), defende a separação da Irlanda da Inglaterra, «mesmo que depois da separação se chegue à federação».
Quais são as premissas teóricas desta conclusão de Marx? Na Inglaterra em geral há muito que terminou a revolução burguesa. Mas na Irlanda ela não terminou, só agora, meio século depois, a estão a terminar as reformas dos liberais ingleses. Se o capitalismo tivesse sido derrubado na Inglaterra tão rapidamente como esperava Marx de início, então na Irlanda não haveria lugar para o movimento democrático-burguês de toda a nação. Mas uma vez que ele surgiu, Marx aconselha os operários ingleses a apoiá-lo, a dar-lhe um impulso revolucionário, a levá-lo até ao fim no interesse da sua própria liberdade.
Os laços económicos da Irlanda com a Inglaterra nos anos 60 do século passado eram, naturalmente, ainda mais estreitos do que os laços da Rússia com a Polónia, a Ucrânia, etc. O carácter «não prático» e «irrealizável» da separação da Irlanda (quanto mais não fosse por força das condições geográficas e por força do imenso poderio colonial da Inglaterra) saltava à vista. Sendo em princípio inimigo do federalismo, Marx admite neste caso também a federação"(12*), com a condição de que a libertação da Irlanda ocorra não por via reformista mas revolucionária, por força do movimento das massas do povo na Irlanda, apoiado pela classe operária da Inglaterra. Não pode haver dúvida alguma de que só tal solução da tarefa histórica teria sido a mais favorável aos interesses do proletariado e a um rápido desenvolvimento social.
Mas sucedeu de outro modo. Tanto o povo irlandês como o proletariado inglês se mostraram fracos. Só agora, através de miseráveis arranjos dos liberais ingleses com a burguesia irlandesa, a questão irlandesa se soluciona (o exemplo do Ulster mostra com quanta dificuldade) com uma reforma agrária fcom resgate) e a autonomia (por enquanto ainda não introduzida). Que quer isto dizer? Decorrerá disto que Marx e Engels eram «utópicos», que apresentavam reivindicações nacionais «irrealizáveis», que cediam à influência dos nacionalistas irlandeses, pequenos burgueses (o carácter pequeno-burguês do movimento dos «fenianos» é indubitável), etc?
Não. Marx e Engels defendiam também na questão irlandesa uma política consequentemente proletária, que efectivamente educasse as massas no espírito da democracia e do socialismo. Só esta política podia evitar tanto à Irlanda como à Inglaterra a demora de meio século das necessárias transformações e a sua deformação pelos liberais para agradar à reacção.
A política de Marx e Engels na questão irlandesa deu um grande exemplo, que conservou até agora um enorme significado prático, de qual deve ser a atitude do proletariado das nações opressoras para com os movimentos nacionais; fez uma advertência contra a «precipitação servil» com que os filisteus de todos os países, cores e línguas se apressam a reconhecer como «utópica» a modificação das fronteiras dos Estados, criadas pelas violências e pelos privilégios dos latifundiários e da burguesia de uma nação.
Se o proletariado irlandês e o inglês não tivessem adoptado a política de Marx, não tivessem apresentado como sua a palavra de ordem de separação da Irlanda, isto teria sido o pior dos oportunismos da sua parte, um esquecimento das tarefas de um democrata e de um socialista, uma concessão à reacção e à burguesia inglesas

Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação VII

7. A Decisão do Congresso Internacional de Londres de 1896

Esta decisão diz:
«O Congresso declara que é pelo pleno direito à autodeterminação (Selbstbestimmungs-recht) de todas as nações e exprime as suas simpatias aos operários de todos os países que sofrem actualmente sob o jugo do absolutismo militar, nacional ou outro; o congresso chama os operários de todos estes países a ingressarem nas fileiras dos operários conscientes (Klassenbewusste — conscientes dos interesses da sua classe) do mundo inteiro, para lutar juntamente com eles pela superação do capitalismo internacional e pela realização dos objectivos da social-democracia internacional.»
Como já assinalámos, os nossos oportunistas, senhores Semkóvski, Líbman, Iurkévitch, simplesmente não conhecem esta decisão. Mas Rosa Luxemburg conhece e cita o seu texto completo, no qual figura a mesma expressão que no nosso programa: «autodeterminação».
Pergunta-se como é que Rosa Luxemburg afasta este obstáculo do caminho da sua «original» teoria?
Oh, muito simplesmente: ... o centro de gravidade está aqui na segunda parte da resolução ... o seu carácter declarativo ... só por confusão pode ela invocar-se!!
A insegurança e a confusão da nossa autora são simplesmente impressionantes. Geralmente só os oportunistas indicam o carácter declarativo dos pontos programáticos consequentemente democráticos e socialistas, esquivando-se cobardemente à polémica directa contra eles. Visivelmente, não foi por acaso que desta vez Rosa Luxemburg se encontrou na triste companhia dos senhores Semkóvski, Líbman e Iurkévitch. Rosa Luxemburg não se decide a declarar abertamente se considera a citada resolução justa ou errada. Ela esquiva-se e esconde-se, como que contando com um leitor tão pouco atento e ignorante que esqueça a primeira parte da resolução ao chegar à segunda, ou que nunca tenha ouvido falar dos debates na imprensa socialista antes do Congresso de Londres.
Mas Rosa Luxemburg está muito enganada se imagina que conseguirá, perante os operários conscientes da Rússia, espezinhar tão facilmente uma resolução da Internacional sobre uma importante questão de princípios, sem mesmo se dignar a analisá-la criticamente.
Nos debates antes do Congresso de Londres — principalmente nas páginas da revista dos marxistas alemães Die Neue Zeit — foi expresso o ponto de vista de Rosa Luxemburg, e este ponto de vista sofreu, no fundo, uma derrota perante a Internacional! Eis o fundo da questão, que o leitor russo deve ter especialmente em vista.
Os debates decorreram em torno da questão da independência da Polónia. Foram expressos três pontos de vista:
O ponto de vista dos «fracy», em nome dos quais interveio Hacker. Queriam que a Internacional reconhecesse no seu programa a reivindicação da independência da Polónia. Esta proposta não foi aceite. Este ponto de vista sofreu uma derrota perante a Internacional.
O ponto de vista de Rosa Luxemburg: os socialistas polacos não devem reivindicar a independência da Polónia. Deste ponto de vista nem sequer se podia falar da proclamação do direito das nações à autodeterminação. Este ponto de vista também sofreu uma derrota perante a Internacional.
O ponto de vista, então desenvolvido do modo mais circunstanciado por K. Kautsky, ao intervir contra Rosa Luxemburg e ao demonstrar a extrema «unilateralidade» do seu materialismo. Deste ponto de vista, a Internacional não pode no momento actual incluir no seu programa a independência da Polónia, mas os socialistas polacos — dizia Kautsky - podem plenamente apresentar semelhante reivindicação. Do ponto de vista dos socialistas, é absolutamente errado ignorar as tarefas da libertação nacional numa atmosfera de opressão nacional.
Na resolução da Internacional foram reproduzidas as teses mais essenciais, fundamentaistdeste ponto de vista: por um lado, o reconhecimento absolutamente aberto, e que não deixa lugar a nenhuma distorção, do pleno direito de todas as nações à autodeterminação; por outro lado, uma exortação igualmente inequívoca aos operários para a unidade internacional da sua luta de classe.
Pensamos que esta resolução é plenamente justa e que para os países da Europa Oriental e da Ásia, no início do século XX, é precisamente esta resolução e precisamente a ligação indissolúvel de ambas as partes que dá a única directriz acertada à política proletária de classe na questão nacional.
Detenhamo-nos um pouco mais pormenorizadamente nos três pontos de vista atrás citados.
É sabido que K. Marx e F. Engels consideravam um dever incondicional de toda a democracia europeia ocidental, e mais ainda da social-democracia, apoiar activamente a reivindicação da independência da Polónia. Para a época dos anos 40 e 60 do século passado, a época da revolução burguesa na Áustria e na Alemanha, a época da «reforma camponesa» na Rússia, este ponto de vista era plenamente justo e o único ponto de vista democrático consequente e proletário. Enquanto as massas populares da Rússia e da maioria dos países eslavos estavam ainda mergulhadas num sono profundo, enquanto nestes países não havia movimentos independentes, de massas e democráticos, o movimento libertador senhorial na Polónia adquiria um significado gigantesco, primordial, do ponto de vista da democracia não só de toda a Rússia, não só de todos os países eslavos, mas também de toda a Europa".
Mas se este ponto de vista de Marx era plenamente acertado para o segundo terço ou o terceiro quartel do século XIX, deixou de ser acertado para o século XX. Os movimentos democráticos independentes e mesmo um movimento proletário independente surgiram na maioria dos países eslavos e mesmo num dos países eslavos mais atrasados, a Rússia. A Polónia senhorial desapareceu e cedeu o seu lugar à Polónia capitalista. Em tais condições a Polónia não podia deixar de perder a sua importância revolucionária excepcional.
Se o PPS («Partido Socialista Polaco», os actuais «fracy») tentou em 1896 «perpetuar» o ponto de vista de Marx de outra época, isso significava já utilizar a letra do marxismo contra o espírito do marxismo. Por isso tiveram plena razão os sociais-democratas polacos quando se pronunciaram contra as paixões nacionalistas da pequena burguesia polaca, mostraram o significado secundário da questão nacional para os operários polacos, criaram pela primeira vez um partido puramente proletário na Polónia, proclamaram o princípio da maior importância da mais estreita aliança do operário polaco e do russo na sua luta de classe.
Significava isto, todavia, que a Internacional podia reconhecer no início do século XX como desnecessário para a Europa Oriental e para a Ásia o princípio da autodeterminação política das nações? Do seu direito à separação? Isto seria o maior absurdo, que equivaleria (no plano teórico) a reconhecer como já terminada a transformação democrático-burguesa dos Estados russo, turco, chinês; que equivaleria (no plano prático) ao oportunismo em relação ao absolutismo.
Não. Para a Europa Oriental e para a Ásia, na época das revoluções democrático-burguesas já iniciadas, na época do despertar e da agudização dos movimentos nacionais, na época do surgimento de partidos proletários independentes, a tarefa destes partidos na política nacional deve ser bilateral: o reconhecimento do direito de todas as nações à autodeterminação, pois a transformação democrático-burguesa ainda não terminou, pois a democracia operária defende consequente, séria e sinceramente, não à maneira liberal, não à maneira kokochkinista, a igualdade de direitos das nações — e a aliança mais estreita e indissolúvel da luta de classe dos proletários de todas as nações de um dado Estado em todas e quaisquer peripécias da sua história, com todas e quaisquer modificações das fronteiras dos diferentes Estados pela burguesia.
É precisamente esta dupla tarefa do proletariado que é formulada pela resolução da Internacional de 1896. É precisamente assim, nos seus fundamentos de princípios, a resolução da conferência de Verão de 1913 dos marxistas da Rússia. Há pessoas às quais parece «contraditório» que esta resolução, no seu ponto 4, reconhecendo o direito à autodeterminação, a separação, parece «dar» o máximo ao nacionalismo (de facto, no reconhecimento do direito à autodeterminação de todas as nações há um máximo de democracia e um mínimo de nacionalismo), ao passo que no ponto 5 previne os operários contra as palavras de ordem nacionalistas de qualquer burguesia e exige a unidade e a fusão dos operários de todas as nações em organizações proletárias internacionais únicas. Mas ver nisso uma «contradição» só o podem fazer mentalidades totalmente obtusas, incapazes de compreender, por exemplo, porque é que a unidade e a solidariedade de classe do proletariado sueco e norueguês ganharam quando os operários suecos defenderam a liberdade de separação da Noruega para constituir um Estado independente.

Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação VI

6. A Separação da Noruega da Suécia

Rosa Luxemburg cita precisamente este exemplo e discorre a propósito dele da seguinte maneira:
«O último acontecimento da história das relações federativas, a separação da Noruega da Suécia — a seu tempo precipitadamente aproveitada pela imprensa social-patriótica polaca (ver o Naprzód[N328], de Cracóvia) como reconfortante manifestação da força e do carácter progressista das aspirações à separação estatal —, transformou-se imediatamente em impressionante demonstração de que o federalismo e a separação estatal que dele decorre não são de modo algum uma expressão de espírito progressista ou democrático. Após a chamada 'revolução' norueguesa, que consistiu em destituir e afastar da Noruega o rei sueco, os noruegueses escolheram para si tranquilamente outro rei, rejeitando formalmente através da votação popular o projecto de instauração da república. Aquilo que os admiradores superficiais de quaisquer movimentos nacionais e de tudo o que se assemelha a independência proclamaram como 'revolução', foi uma simples manifestação do particularismo camponês e pequeno-burguês, do desejo de possuir pelo seu dinheiro um rei 'próprio' em lugar do imposto pela aristocracia sueca, e, consequentemente, foi um movimento que não tinha decididamente nada de comum com o espírito revolucionário. Ao mesmo tempo, esta história da ruptura da união sueco-norueguesa demonstrou de novo até que ponto, também neste caso, a federação existente até então foi somente uma expressão de interesses puramente dinásticos, e, consequentemente, uma forma de monarquísmo e de reacção» (Przeglad).
Isto é literalmente tudo o que Rosa Luxemburg diz sobre este ponto!! E, há que reconhecer, seria difícil mostrar como era impotente a sua posição com maior relevo do que o fez Rosa Luxemburg neste exemplo.
A questão consistia e consiste em se é necessário para os sociais-democratas, num Estado nacional heterogéneo, um programa que reconheça o direito à autodeterminação ou à separação.
O que nos diz sobre esta questão o exemplo da Noruega citado pela própria Rosa Luxemburg?
A nossa autora dá voltas e mais voltas, faz espírito e berra contra o Naprzód, mas não responde à questão!! Rosa Luxemburg fala de tudo o que se queira para não dizer uma palavra sobre o fundo da questão!!
Não restam dúvidas de que os pequeno-burgueses noruegueses, desejando pelo seu dinheiro possuir o seu rei e fazendo fracassar com a votação popular o projecto de instauração da república, manifestaram muito más qualidades filistinas. É indubitável que o Naprzód, se não o notou, manifestou qualidades igualmente más e igualmente filistinas.
Mas a que vem tudo isto?
Pois tratava-se do direito das nações à autodeterminação e da atitude do proletariado socialista para com este direito! Porque é que então Rosa Luxemburg não responde à questão, mas dá voltas e mais voltas em torno dela?
Diz-se que para o rato não há animal mais forte do que o gato. Para Rosa Luxemburg, pelos vistos, não há animal mais forte do que os «fracy». Em linguagem popular chama-se «fracy» ao «partido socialista polaco», a chamada fracção revolucionária, e o jornalzinho Naprzód de Cracóvia compartilha as ideias desta «fracção». A luta de Rosa Luxemburg contra o nacionalismo desta «fracção» cegou a tal ponto a nossa autora que do seu horizonte desaparece tudo, excepto o Naprzód .
Se o Naprzód diz «sim», Rosa Luxemburg considera ser seu dever sagrado proclamar imediatamente «não», sem pensar em absoluto que com tal procedimento ela manifesta não a sua independência em relação ao Naprzód, mas, exactamente ao contrário, a sua divertida dependência dos «fracy», a sua incapacidade de ver as coisas de um ponto de vista um pouco mais profundo e mais amplo do que o ponto de vista do formigueiro de Cracóvia. O Naprzód, naturalmente, é um órgão muito mau e de forma nenhuma marxista, mas isso não deve impedir-nos de analisar a fundo o exemplo da Noruega, uma vez que o citamos.
Para analisar este exemplo de modo marxista, devemos deter-nos não nas más qualidades dos terrivelmente horríveis «fracy», mas, em primeiro lugar, nas particularidades históricas concretas da separação da Noruega da Suécia e, em segundo lugar, em quais eram as tarefas do proletariado de ambos os países nesta separação.
A Noruega está ligada à Suécia por laços geográficos, económicos e linguísticos não menos estreitos do que os laços de muitas nações eslavas não grã-russas com os grão-russos. Mas a união da Noruega com a Suécia não foi voluntária, de modo que Rosa Luxemburg fala de «federação» absolutamente à toa, simplesmente porque não sabe o que dizer. A Noruega foi entregue à Suécia pelos monarcas no tempo das guerras napoleónicas, contra a vontade dos noruegueses, e os suecos tiveram de mandar tropas para a Noruega para a subjugar.
Depois disso, durante muitos decénios, apesar da autonomia extraordinariamente ampla de que gozava a Noruega (a sua Dieta própria, etc), os atritos entre a Noruega e a Suécia existiram constantemente, e os noruegueses procuravam com todas as forças sacudir o jugo da aristocracia sueca. Em Agosto de 1905, finalmente, sacudiram-no: a Dieta norueguesa decidiu que o rei sueco deixava de ser o rei da Noruega e o referendo, a consulta ao povo norueguês, realizado mais tarde, deu uma esmagadora maioria de votos (cerca de 200 mil contra algumas centenas) a favor da total separação em relação à Suécia. Depois de algumas vacilações, os suecos conformaram-se com o facto da separação.
Este exemplo mostra-nos em que terreno são possíveis e ocorrem os casos de separação das nações nas condições das relações económicas e políticas actuais e que forma adquire às vezes a separação numa atmosfera de liberdade política e de democracia.
Nem um só social-democrata, a menos que se decida a declarar que lhe são indiferentes as questões da liberdade política e da democracia (e, em tal caso, naturalmente, deixaria de ser social-democrata), poderá negar que este exemplo demonstra de facto a obrigatoriedade para os operários conscientes da sistemática propaganda e preparação para que os possíveis conflitos por causa da separação das nações se resolvam apenas assim, como foram resolvidos em 1.905 entre a Noruega e a Suécia, e não «à russa». É isso precisamente que exprime a reivindicação programática de reconhecimento do direito das nações à autodeterminação. E Rosa Luxemburg teve de justificar o facto, desagradável para a sua teoria, através de terríveis ataques contra o filistinismo dos pequeno-burgueses noruegueses e contra o Naprzód de Cracóvia. Porque ela compreendia perfeitamente até que ponto este facto histórico desmente irrevogavelmente as suas frases, segundo as quais o direito à autodeterminação das nações é uma «utopia», segundo as quais ele equivale ao direito de «comer em pratos de ouro», etc. Tais frases expressam apenas uma pobre fé auto-suficiente e oportunista na imutabilidade da correlação de forças existente entre as nacionalidades da Europa Oriental.
Continuemos. Na questão da autodeterminação das nações, como em qualquer outra questão, interessa-nos em primeiro lugar e acima de tudo a autodeterminação do proletariado dentro das nações. Rosa Luxemburg modestamente eludia também esta questão, sentindo como é desagradável para a sua «teoria» a análise da mesma no exemplo da Noruega por ela citado.
Qual foi e devia ser a posição do proletariado norueguês e sueco no conflito provocado pela separação? Os operários conscientes da Noruega teriam votado, naturalmente, após a separação, pela república(8*), e se houve socialistas que votaram de outro modo, isso apenas demonstra quanto oportunismo estúpido e filisteu há por vezes no socialismo europeu. Acerca disso não pode haver duas opiniões, e nós referimos este ponto somente porque Rosa Luxemburg tenta dissimular o fundo da questão com conversas fora do tema. Quanto à questão da separação, nós não sabemos se o programa socialista norueguês obrigava os sociais-democratas noruegueses a ater-se a uma opinião determinada. Suponhamos que não, que os socialistas noruegueses deixaram em suspenso a questão de saber até que ponto era suficiente para a livre luta de classes a autonomia da Noruega e até que ponto entravavam a liberdade da vida económica os eternos atritos e conflitos com a aristocracia sueca. Mas que o proletariado norueguês devia pronunciar-se contra esta aristocracia em prol da democracia camponesa norueguesa (com todas as limitações filistinas desta última), isso é indiscutível.
E o proletariado sueco? É sabido que os latifundiários suecos, apoiados pelo clero sueco, pregavam a guerra contra a Noruega, e como a Noruega é muito mais fraca do que a Suécia, como ela já experimentara uma invasão sueca, como a aristocracia sueca tem um peso muito forte no seu país, esta predicação era uma ameaça muito séria. Pode-se garantir que os Kokóchkine suecos corrompiam longa e empenhadamente as massas suecas com apelos a um «tratamento cuidadoso» das «fórmulas elásticas da autodeterminação política das nações», pintando os perigos da «desagregação do Estado» e assegurando que a «liberdade popular» é compatível com os pilares da aristocracia sueca. Não resta a menor dúvida de que a social-democrada sueca teria traído a causa do socialismo e a causa da democracia se não tivesse lutado com todas as forças contra a ideologia e a política tanto latifundiária como «kokochkinista», se não tivesse defendido, além da igualdade de direitos das nações em geral (reconhecida também pelos Kokóchkine), o direito das nações à autodeterminação, a liberdade de separação da Noruega.
A estreita aliança dos operários noruegueses e suecos, a sua plena solidariedade fraternal de classe ganhou com este reconhecimento, pelos operários suecos, do direito dos noruegueses à separação. Porque os operários noruegueses se convenceram de que os operários suecos não estavam contaminados pelo nacionalismo sueco, de que a fraternidade com os proletários noruegueses estava para eles acima dos privilégios da burguesia e da aristocracia suecas. A destruição dos laços impostos à Noruega pelos monarcas europeus e os aristocratas suecos reforçou os laços entre os operários noruegueses e suecos. Os operários suecos demonstraram que através de todas as peripécias da política burguesa — no terreno das relações burguesas é plenamente possível o ressurgimento da submissão pela força dos noruegueses aos suecos! — eles saberão conservar e defender a plena igualdade de direitos e a solidariedade de classe dos operários de ambas as nações na luta tanto contra a burguesia sueca como contra a norueguesa.
Daí se depreende, entre outras coisas, como são infundadas e mesmo simplesmente isentas de seriedade as tentativas, feitas às vezes pelos «fracy», de «utilizar» as nossas divergências com Rosa Luxemburg contra a social-democracia polaca. Os «fracy» não são um partido proletário, socialista, mas um partido nacionalista pequeno-burguês, algo como socialistas-revolucionários polacos. Nunca se tratou nem se poderá tratar de qualquer unidade dos sociais-democratas da Rússia com este partido. Ao contrário, nunca nenhum social-democrata da Rússia «se arrependeu» da aproximação e da união com os sociais-democratas polacos. A social-democracia da Polónia pertence o enorme mérito histórico de ser a primeira a fundar um partido efectivamente marxista, efectivamente proletário, na Polónia, inteiramente impregnada de aspirações e paixões nacionalistas. Mas este mérito dos sociais-democratas polacos é um grande mérito não graças à circunstância de Rosa Luxemburg ter dito disparates contra o § 9 do programa dos marxistas da Rússia, mas apesar desta lamentável circunstância.
Para os sociais-democratas polacos o «direito à autodeterminação» não tem naturalmente um significado tão importante como para os russos. É plenamente compreensível que a luta contra a pequena burguesia da Polónia, cega pelo nacionalismo, tenha obrigado os sociais-democratas polacos a «forçar a nota» com zelo particular (às vezes talvez um pouco excessivo). Nunca nenhum marxista da Rússia pensou sequer em censurar os sociais-democratas polacos por serem contra a separação da Polónia. Esses sociais-democratas só cometem um erro quando tentam — à semelhança de Rosa Luxemburg — negar a necessidade do reconhecimento do direito à autodeterminação no programa dos marxistas da Rússia.
Isto significa, em essência, transferir relações compreensíveis do ponto de vista do horizonte de Cracóvia para a escala de todos os povos e nações da Rússia, entre eles os grão-russos. Isto significa ser «nacionalistas polacos às avessas», mas não sociais-democratas da Rússia, internacionalistas.
Porque a social-democracia internacional se mantém precisamente no terreno do reconhecimento do direito das nações à autodeterminação. É a isto que passamos agora.

Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação V

5. A Burguesia Liberal e os Oportunistas Socialistas na Questão Nacional

Vimos que Rosa Luxemburg considera um dos seus principais «trunfos» na luta contra o programa dos marxistas da Rússia o seguinte argumento: o reconhecimento do direito à autodeterminação equivale a apoiar o nacionalismo burguês das nações oprimidas. Por outro lado, diz Rosa Luxemburg, se compreendermos por este direito somente a luta contra qualquer violência em relação às nações, então é desnecessário um ponto especial do programa pois os sociais-democratas em geral são contra toda a violência nacional e desigualdade de direitos.
O primeiro argumento, como indicou irrefutavelmente Kautsky há quase 20 anos, acusa de nacionalismo o inocente em vez do culpado, pois, temendo o nacionalismo da burguesia das nações oprimidas, Rosa Luxemburg faz de facto o jogo do nacionalismo cem-negrista dos grão-russos! 0 segundo argumento é, em essência, uma tímida fuga à questão: o reconhecimento da igualdade de direitos das nações inclui ou não inclui o reconhecimento do direito à separação? Se sim, então significa que Rosa Luxemburg reconhece a justeza de princípio do § 9 do nosso programa. Se não, significa que ela não reconhece a igualdade de direitos das nações. As fugas e subterfúgios de nada servem neste caso!
Entretanto, a melhor verificação dos argumentos acima citados e de todos os argumentos semelhantes é o estudo da atitude para com a questão das diferentes classes da sociedade. Para um marxista tal verificação é obrigatória. É preciso partir do que é objectivo, é preciso considerar as relações mútuas das classes quanto a este ponto. Não fazendo isso, Rosa Luxemburg incorre exactamente no pecado da metafísica e da abstracção, do lugar-comum, da afirmação gratuita, etc, de que ela tenta em vão acusar os seus adversários.
Trata-se do programa dos marxistas da Rússia, isto é, dos marxistas de todas as nacionalidades da Rússia. Não seria conveniente lançar um olhar para a posição das classes dominantes da Rússia?
A posição da «burocracia» (pedimos desculpas pela palavra inexacta) e dos latifundiários feudais do tipo da nobreza unificada[N317] é por todos conhecida. Negação incondicional tanto da igualdade de direitos das nacionalidades como do direito à autodeterminação. A velha palavra de ordem tomada dos tempos do regime de servidão: autocracia, ortodoxia, espírito nacional, entendendo por nação apenas a grã-russa. Até os ucranianos foram declarados «alógenos», até a sua língua materna é perseguida.
Lancemos um olhar para a burguesia da Rússia, «chamada» a participar — bastante modestamente, é verdade, mas mesmo assim participar — no poder, no sistema legislativo e de administração do «3 de Junho»[N318]. Que os outubristas seguem de facto as direitas nesta questão, sobre isso não é preciso gastar muitas palavras. Infelizmente, alguns marxistas dedicam muito menos atenção à posição da burguesia liberal grã-russa, dos progressistas[N319] e dos democratas-constitucionalistas. Entretanto, quem não estudar esta posição e não meditar sobre ela, incorrerá inevitavelmente no pecado de abstracção e de gratuidade na discussão do direito das nações à autodeterminação.
No ano passado, a polémica do Pravda com o Retch[N320] obrigou este órgão principal do partido democrata-constitucionalista, que é tão hábil na fuga diplomática à resposta directa às questões «desagradáveis», a fazer mesmo assim algumas valiosas confissões. Armou-se a discussão em volta do congresso estudantil de toda a Ucrânia em Lvov no Verão de 1913. O «ucranólogo» encartado ou colaborador ucraniano do Retch, senhor Moguiliánski, publicou um artigo em que cobria com as mais selectas injúrias («delírio», «aventureirismo», etc.) a ideia da separação da Ucrânia, idéia pela qual pugnou o nacional-social Dontsov e que foi aprovada pelo citado congresso.
O jornal Rabótchaia Pravda, sem se solidarizar de modo nenhum com o senhor Dontsov, dizendo abertamente que ele era nacional-social e que muitos marxistas ucranianos não estavam de acordo com ele, declarou, entretanto, que o tom do Retch, ou melhor a colocação de princípio da questão pelo Retch, é absolutamente indecente, inadmissível para um democrata grão-russo ou para uma pessoa que quer passar por democrata(5*). Pode o Retch refutar directamente os senhores Dontsov, mas é inadmissível por princípio que um órgão grão-russo pretensamente da democracia esqueça a liberdade de separação, o direito à separação.
Alguns meses depois o senhor Moguiliánski publicou «explicações» no n.° 331 do Retch, ao saber através do jornal ucraniano de Lvov, Chliákhi [N321] das objecções do senhor Dontsov, o qual, entre outras coisas, assinalou que o «ataque chauvinista do Retch só foi devidamente manchado (estigmatizado?) pela imprensa social-democrata russa». As «explicações» do senhor Moguiliánski consistiram em que ele repetiu por três vezes: «A crítica das receitas do senhor Dontsov» «não tem nada de comum com a negação do direito das nações à autodeterminação».
«Deve dizer-se — escrevia o senhor Moguiliánski —, que também o direito à autodeterminação não é uma espécie de feitiço (ouçam!!) que não admite crítica: as condições malsãs de vida da nação podem gerar tendências malsãs na autodeterminação nacional, e revelar estas últimas não significa ainda negar o direito das nações à autodeterminação.»
Como vedes, as frases dum liberal em relação ao «feitiço» estavam plenamente dentro do espírito das frases de Rosa Luxemburg. Era evidente que o senhor Moguiliánski queria esquivar-se a uma resposta directa à pergunta: reconhece ele ou não o direito à autodeterminação política, isto é, à separação?
E o Proletárskaia Pravda (n.° 4 de 11 de Dezembro de 1913) fez esta pergunta à queima-roupa tanto ao senhor Moguiliánski como ao partido democrata-constitucionalista(6*).
O jornal Retch publicou então (n.° 340) uma declaração sem assinatura, isto é, oficial, da redacção, que dava uma resposta a esta pergunta. Esta resposta reduz-se a três pontos:
No §11 do programa do partido democrata-constitucionalista fala-se directa, precisa e claramente sobre o «direito à livre autodeterminação cultural» das nações.
O Proletárskaia Pravda, segundo assegura o Retch, «confunde irremediavelmente» a autodeterminação com o separatismo, com a separação desta ou daquela nação.
«Efectivamente, os democratas-constitucionalistas nunca tomaram a defesa do direito à 'separação das nações' do Estado russo». (Ver o artigo O Nacional-Liberalismo e o Direito das Nações à Autodeterminação no Proletárskaia Pravda n.° 12, de 20 de Dezembro de 1913(7*).
Voltemos em primeiro lugar a nossa atenção para o segundo ponto da declaração do Retch. Como ele mostra com evidência aos senhores Semkóvski, Líbman, Iurkévitch e outros oportunistas, que os seus gritos e rumores a propósito da «falta de clareza» ou «imprecisão» do sentido da «autodeterminação» representam de facto, isto é, segundo a correlação objectiva das classes e da luta de classes na Rússia, uma simples repetição dos discursos da burguesia liberal-monárquica!
Quando o Proletárskaia Pravda fez aos esclarecidos senhores «democratas-constitucionalistas» do Retch três perguntas: 1) negam eles que em toda a história da democracia internacional, especialmente desde meados do século XIX, se entende por autodeterminação das nações precisamente a autodeterminação política, o direito à formação de um Estado nacional independente? 2) negam eles que a conhecida decisão do congresso socialista internacional de Londres de 1896 tem o mesmo sentido? e 3) que Plekhánov, que já em 1902 escrevia sobre a autodeterminação, entendia por isso precisamente a autodeterminação política? — quando o Proletárskaia Pravda fez estas três perguntas, os senhores democratas-constitucionalistas guardaram silêncio!!
Não responderam nem uma palavra porque nada tinham a responder. Tiveram de reconhecer em silêncio que o Proletárskaia Pravda tinha incondicionalmente razão.
Os gritos dos liberais a propósito do tema da falta de clareza do conceito de «autodeterminação», da sua «irremediável confusão» com o separatismo entre os sociais-democratas não é senão o desejo de embrulhar a questão, fugir ao reconhecimento do princípio geralmente estabelecido pela democracia. Se os senhores Semkóvskí, Líbman e Iurkévitch não fossem tão ignorantes, teriam tido vergonha de se apresentarem diante dos operários num espírito liberal.
Mas prossigamos. O Proletárskaia Pravda obrigou o Retch a reconhecer que as palavras sobre a autodeterminação «cultural» têm no programa dos democratas-constitucionalistas precisamente o sentido de negação da autodeterminação política.
«Os democratas-constitucionalistas, com efeito, nunca tomaram a defesa do direito à 'separação das nações' do Estado russo» — não foi em vão que o Proletárskaia Pravda recomendou aqui estas palavras doRetch ao Nóvoie Vrémia[N322] e ao Zémchtchina[N323], como modelo da «lealdade» dos nossos democratas-constitucionalistas. O jornal Nóvoie Vrêmia no nº 13.563, não perdendo, naturalmente, a oportunidade de mencionar os «judeus» e de dizer toda a espécie de palavras mordazes aos democratas-constitucionalistas, declarou contudo:
«O que para os sociais-democratas constitui um axioma de sabedoria política» (isto é, o reconhecimento do direito das nações à autodeterminação, à separação), «hoje em dia começa a provocar divergências mesmo entre os democratas-constitucionalistas.»
Os democratas-constitucionalistas adoptaram por princípio uma posição totalmente idêntica à do Nóvoie Vrémia, declarando que «nunca tomaram a defesa do direito de separação das nações do Estado russo». Nisto consiste uma das bases do nacional-liberalismo dos democratas-constitucionalistas, da sua afinidade com os Purichkévitch, da sua dependência político-ideológica e político-prátíca em relação a estes últimos. «Os senhores democratas-constitucionalistas estudaram história, escrevia o Proletárskaia Pravda, e sabem perfeitamente a que acções «pogromóides», para dizê-lo suavemente, conduziu muitas vezes na prática a aplicação do tradicional direito dos Purichkévitch de «agarrar e não largar»[N324]. Embora conhecendo perfeitamente a fonte e o carácter feudal da omnipotência dos Purichkévitch, os democratas-constitucionalistas colocam-se contudo inteiramente no terreno das relações e fronteiras criadas precisamente por esta classe. Embora sabendo perfeitamente quanto há de não europeu, de anti-europeu (de asiático, diríamos nós, se isso não soasse como um desprezo imerecido pelos japoneses e chineses) nas relações e nas fronteiras, criadas ou determinadas por esta classe, os senhores democratas-constitucionalistas reconhecem-nas como um limite que não pode ser ultrapassado.
Isto é justamente adaptação aos Purichkévitch, servilismo diante destes, medo de abalar a sua posição, defesa deles contra o movimento popular, contra a democracia. «Isto significa de facto, escrevia o Proletárskaia Pravda, adaptação aos interesses dos feudais e aos piores preconceitos nacionalistas da nação dominante, em vez de líutar sistematicamente contra estes preconceitos».
Como pessoas que conhecem a história e com pretensões de democracia, os democratas-constitucionalistas nem sequer tentam afirmar que o movimento democrático, que caracteriza nos nossos dias tanto a Europa Oriental como a Ásia, procurando transformar tanto uma como outra segundo o modelo dos países civilizados, capitalistas — que este movimento deve deixar obrigatoriamente intactas as fronteiras determinadas pela época feudal, época da omnipotência dos Purichkévitch e da falta de direitos das largas camadas da burguesia e da pequena burguesia.
Que a questão levantada pela polémica do Proletárskaia Pravda com o Retch não foi de forma alguma uma questão meramente literária, mas uma questão de efectiva actualidade política, foi o que demonstrou, entre outras coisas, a última conferência do partido democrata-constitucionalista de 23-25 de Março de 1914. No relatório oficial do Retch (n.° 83, de 26 de Março de 1914) sobre esta conferência lemos:
«As questões nacionais foram debatidas também com especial vivacidade. Os deputados de Kíev, aos quais aderiram N. V. Nekrássov e A. M. Koliubákine, indicaram que a questão nacional é um grande factor em amadurecimento, que nós devemos encarar mais decididamente do que até agora. F. F. Kokóchkine indicou contudo» (é este mesmo 'contudo' que corresponde ao 'mas' de Chtchédrine: 'as orelhas não crescem mais alto do que a testa, não crescem'), "que tanto o programa como a experiência política anterior exigem um tratamento muito cuidadoso das 'fórmulas elásticas' da 'autodeterminação política das nacionalidades'.»
Este raciocínio extremamente notável na conferência dos democratas-constitucionalistas merece a maior atenção de todos os marxistas e de todos os democratas. (Assinalemos entre parêntesis que o Kíevskaia Misl[N325], pelos vistos, muito bem informado e, indubitavelmente, transmitindo correctamente os pensamentos do senhor Kokóchkine, acrescentou que ele apresentou de modo especial, naturalmente como advertência aos seus opositores, a ameaça de «desagregação» do Estado.)
O relatório oficial do Retch foi elaborado com virtuosismo diplomático para levantar o menos possível a cortina, para ocultar o mais possível. Mas mesmo assim, nos traços fundamentais é claro o que aconteceu na conferência dos democratas-constitucionalístas. Os delegados, burgueses liberais, que conhecem o estado de coisas na Ucrânia, e os democratas-constitucionaiistas de «esquerda», colocaram a questão precisamente da autodeterminação política das nações. Caso contrário o senhor Kokóchkine não teria necessidade de aconselhar um «tratamento cuidadoso» com esta «fórmula».
No programa dos democratas-constitucionalistas, que, evidentemente, era conhecido pelos delegados à conferência, figura precisamente não a autodeterminação política, mas a «cultural». Isto significa que o senhor Kokóchkine defendia o programa contra os delegados da Ucrânia, contra os democratas-constitucionalistas de esquerda, defendia a autodeterminação «cultural» contra a «política». É perfeitamente evidente que, rebelando-se contra a autodeterminação «política», apresentando a ameaça da «desagregação do Estado», chamando «elástica» (completamente no espírito de Rosa Luxemburg!) à fórmula da «autodeterminação política», o senhor Kokóchkine defendia o nacional-liberalismo grão-russo contra os elementos mais «de esquerda» ou mais democráticos do partido dos democratas-constitucionalistas e contra a burguesia ucraniana.
O senhor Kokóchkine venceu na conferência dos democratas-constitucionalistas, como se pode ver pela traiçoeira palavrinha «contudo» no relatório do Retch. O nadonal-liberalismo grão-russo triunfou entre os democratas-constitucionalistas. Não ajudará esta vitória a esclarecer as mentes dos elementos desrazoáveis entre os marxistas da Rússia, que também começaram a temer, após os democratas-constitucionaíistas, as «fórmulas elásticas da autodeterminação política das nacionalidades»?
Vejamos, «contudo», indo ao fundo das coisas, o curso dos pensamentos do senhor Kokóchkine. Referindo-se à «experiência política anterior» (isto é, evidentemente à experiência do ano de 1905, quando a burguesia grã-russa temeu pelos seus privilégios nacionais e atemorizou com o seu temor o partido democrata-constitucionalísta), apresentando a ameaça da «desagregação do Estado», o senhor Kokóchkine mostrou que compreendia perfeitamente o facto de que a autodeterminação política não pode significar outra coisa que o direito à separação e à formação de um Estado nacional independente. Pergunta-se como se deve considerar estes receios do senhor Kokóchkine do ponto de vista da democracia, em geral, e do ponto de vista da luta de classe proletária, em particular?
O senhor Kokóchkine quer convencer-nos de que o reconhecimento do direito à separação aumenta o perigo de «desagregação do Estado». Isso é o ponto de vista do polícia Mimretsov com o seu lema «agarrar e não largar». Do ponto de vista da democracia em geral é exactamente ao contrário: o reconhecimento do direito à separação reduz o perigo de «desagregação do Estado».
O senhor Kokóchkine raciocina plenamente no espírito dos nacionalistas. No seu último congresso eles fulminaram os ucranianos «mazepistas»[N326]. O movimento ucraniano — exclamaram o senhor Savenko e C.a — ameaça enfraquecer os laços da Ucrânia com a Rússia, pois a Áustria reforça com o seu ucraniofilismo os laços dos ucranianos com a Áustria!! Permanecia inexplicado porque é que a Rússia não pode tentar «reforçar» os laços dos ucranianos com a Rússia pelo mesmo método de que os senhores Savenko acusam a Áustria, isto é, com a concessão aos ucranianos da liberdade de usar a língua materna, da autonomia administrativa da Dieta autónoma, etc?
Os raciocínios dos senhores Savenko e Kokóchkine são absolutamente idênticos e igualmente ridículos e absurdos no aspecto puramente lógico. Não é claro que quanto mais liberdade tiver a nacionalidade ucraniana neste ou naquele país tanto mais fortes serão os laços desta nacionalidade com esse país? Parece que não se pode discutir esta verdade elementar a menos que se rompa decididamente com todas as premissas da democracia. E poderá haver uma maior liberdade para uma nacionalidade como tal do que a liberdade de separação, a liberdade de formação dum Estado nacional independente?
Para aclarar ainda mais esta questão embrulhada pelos liberais (e por aqueles que lhes fazem eco por insensatez) citaremos o exemplo mais simples. Vejamos a questão do divórcio. Rosa Luxemburg escreve no seu artigo que o Estado democrático centralizado, ao mesmo tempo que admite plenamente a autonomia de partes separadas, deve deixar na competência do parlamento central todos os ramos mais importantes da legislação, e, entre outras coisas, a legislação sobre o divórcio. Esta preocupação por que o poder central do Estado democrático garanta a liberdade de divórcio é plenamente compreensível. Os reaccionários são contra a liberdade de divórcio, aconselhando um «tratamento cuidadoso» dela e gritando que ela significa a «desagregação da família». E a democracia considera que os reaccionários são hipócritas, defendendo de facto a omnipotência da polícia e da burocracia, os privilégios de um dos sexos e a pior opressão da mulher; que de facto a liberdade de divórcio significa não a «desagregação» dos laços familiares, mas, ao contrário, o seu fortalecimento em bases democráticas, as únicas possíveis e estáveis na sociedade civilizada.
Acusar os partidários da liberdade de autodeterminação, isto é, da liberdade de separação, de estimular o separatismo é tão absurdo e hipócrita como acusar os partidários da liberdade de divórcio de estimular a destruição dos laços familiares. Do mesmo modo que na sociedade burguesa se pronunciam contra a liberdade de divórcio os defensores dos privilégios e da venalidade em que assenta o matrimónio burguês, também no Estado capitalista a negação da liberdade de autodeterminação, isto é, de separação das nações, significa apenas a defesa dos privilégios da nação dominante e dos métodos policiais de administração em detrimento dos democráticos.
Não há dúvida de que a politiquice gerada por todas as relações da sociedade capitalista gera às vezes uma tagarelice extremamente frívola e até simplesmente absurda de parlamentares ou de publicistas sobre a separação desta ou daquela nação. Mas só os reaccionários podem deixar-se amedrontar (ou fingir que estão amedrontados) com semelhante tagarelice. Quem se mantém no ponto de vista da democracia, isto é, da solução das questões de Estado pela massa da população, sabe perfeitamente que entre a tagarelice dos politiqueiros e a solução de massas «vai uma enorme distância»[N327]. As massas da população sabem perfeitamente, pela experiência quotidiana, qual o significado dos laços geográficos e económicos, as vantagens de um grande mercado e de um grande Estado, e só irão para a separação quando o jugo nacional e os atritos nacionais fizerem a vida em comum absolutamente insuportável, entravarem todas e quaisquer relações económicas. E em semelhante caso os interesses do desenvolvimento capitalista e da liberdade da luta de classes estarão precisamente ao lado dos que se separam.
Assim, seja qual for o lado de que se abordem os raciocínios do senhor Kokóchkine, eles revelam-se o cúmulo do absurdo e uma troça dos princípios da democracia. Mas nestes raciocínios existe uma determinada lógica; é a lógica dos interesses de classe da burguesia grã-russa. O senhor Kokóchkine, tal como a maioria no partido dos democratas-constitucionalistas, é um lacaio do saco de dinheiro desta burguesia. Ele defende os privilégios dela em geral, os seus privilégios estatais em particular, defende-os juntamente com Purichkévitch, a seu lado; só que Purichkévitch acredita mais no cacete da servidão, enquanto Kokóchkine e C.a vêem que este cacete foi fortemente danificado pelo ano de 1905, e confiam mais nos meios burgueses de enganar as massas, por exemplo, em amedrontar os pequeno-burgueses e os camponeses com o espectro da «desagregação do Estado», em enganá-los com frases sobre a ligação da «liberdade popular» com os pilares históricos, etc.
O real significado de classe da hostilidade liberal em relação ao princípio da autodeterminação política das nações é um e só um: o nacional-liberalismo, a salvaguarda dos privilégios estatais da burguesia grã-russa. E os oportunistas da Rússia entre os marxistas, que precisamente agora, na época do sistema de três de Junho, se lançaram contra o direito das nações a autodeterminação, todos estes — o líquidacionista Semkóvski, o bundista Líbman, o pequeno-burguês ucraniano Iurkévitch — de facto se arrastam simplesmente na cauda do nacional-liberalismo, corrompem a classe operaria com as idéias nacionais-liberais.
Os interesses da classe operária e da sua luta contra o capitalismo exigem a plena solidariedade e a mais estreita unidade dos operários de todas as nações, exigem a resistência à política nacionalista da burguesia de qualquer nacionalidade. Por isso seria fugir às tarefas da política proletária e subordinar os operários à política burguesa tanto se os sociais-democratas passassem a negar o direito à autodeterminação, isto é, o direito à separação das nações oprimidas, como se os sociais-democratas começassem a apoiar todas as reivindicações nacionais da burguesia das nações oprimidas. Ao trabalhador assalariado tanto faz que o seu principal explorador seja a burguesia grã-russa de preferência à alógena ou a polaca de preferência à judaica, etc. O trabalhador assalariado, consciente dos interesses da sua classe, é indiferente tanto aos privilégios estatais dos capitalistas grão-russos como às promessas dos capitalistas polacos ou ucranianos de que será instaurado o paraíso na Terra quando eles dispuserem dos privilégios estatais. O desenvolvimento do capitalismo vai e irá avante, de uma forma ou de outra, tanto no Estado uno heterogéneo como nos Estados nacionais separados.
Em todo o caso o operário assalariado continuará a ser objecto de exploração, e a luta com êxito contra ela exige a independência do proletariado em relação ao nacionalismo, a completa neutralidade, por assim dizer, dos proletários na luta da burguesia de diferentes nações pela supremacia. O mínimo apoio por parte do proletariado de uma qualquer nação aos privilégios da «sua» burguesia nacional provocará inevitavelmente a desconfiança do proletariado de outra nação, enfraquecerá a solidariedade internacional de classe dos operários e dividi-los-á para regozijo da burguesia. E a negação do direito à autodeterminação, ou à separação, significará inevitavelmente na prática o apoio aos privilégios da nação dominante.
Podemos convencer-nos disso de modo ainda mais evidente se tomarmos o exemplo concreto da separação da Noruega da Suécia.