terça-feira, outubro 21, 2008
Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação II
Uma exigência incondicional da teoria marxista na análise de qualquer questão social é a sua colocação dentro de um quadro histórico determinado, e depois, se se tratar de um só país (por exemplo, do programa nacional para um dado país), a consideração das peculiaridades concretas que distinguem esse país dos outros nos limites de uma e mesma época histórica.
O que significa esta exigência incondicional do marxismo aplicada à nossa questão?
Em primeiro lugar significa a necessidade de distinguir rigorosamente duas épocas do capitalismo, radicalmente diferentes, do ponto de vista dos movimentos nacionais. Por um lado, é a época da queda do feudalismo e do absolutismo, a época da constituição da sociedade e do Estado democrático-burgueses, em que os movimentos nacionais adquirem pela primeira vez um carácter de massas, fazem participar na política de uma forma ou de outra todas as classes da população, através da imprensa, da Participação nas instituições representativas, etc. Por outro lado, temos diante de nós a época dos Estados capitalistas plenamente formados, com um regime constitucional há muito estabelecido, com um antagonismo fortemente desenvolvido entre o proletariado e a burguesia, época a que se pode chamar a véspera da queda do capitalismo.
É típico da primeira época o despertar dos movimentos nacionais, a incorporação neles do campesinato como camada da população mais numerosa e mais «difícil de mover» em relação com a luta pela liberdade política em geral e pelos direitos da nacionalidade em particular. É típica da segunda época a ausência de movimentos democrático-burgueses de massas, quando o capitalismo desenvolvido, aproximando e misturando cada vez mais as nações já plenamente incorporadas na circulação comercial, coloca em primeiro plano o antagonismo entre o capital internacionalmente fundido e o movimento operário internacional.
Naturalmente, estas épocas não estão separadas uma da outra por uma muralha, antes estão ligadas por numerosos elos de transição, e os diversos países distinguem-se além disso pela rapidez do desenvolvimento nacional, pela composição nacional da população, pela sua distribuição, etc. Nem sequer se pode pensar que os marxistas de um país concreto abordem o programa nacional sem ter em conta todas estas condições históricas gerais e as condições estatais concretas.
E é exactamente aqui que chocamos com a passagem mais débil nos raciocínios de Rosa Luxemburg. Ela embeleza com zelo singular o seu artigo com um conjunto de palavrinhas «fortes» contra o § 9 do nosso programa, declarando-o «infundado», «chavão», «frase metafísica» e assim por diante, sem fim. Seria natural esperar que uma escritora que condena tão magnificamente a metafísica (no sentido marxista, isto é, a antidialéctica) e as abstracções ocas nos desse um modelo de análise histórica concreta da questão. Trata-se do programa nacional dos marxistas de um país determinado, a Rússia, de uma época determinada, o início do século xx. Seria de supor que Rosa Luxemburg coloca precisamente a questão sobre que época histórica atravessa a Rússia, quais são as particularidades concretas da questão nacional e dos movimentos nacionais do país dado e na época dada.
Rosa Luxemburg não diz absolutamente nada sobre isso! Não se encontrará nela nem sombra de análise da questão de como se coloca a questão nacional na Rússia na época histórica concreta, de quais são as particularidades da Rússia neste sentido!
Dizem-nos que a questão nacional nos Balcãs se coloca de modo diferente do que na Irlanda, que Marx apreciava desta ou daquela forma o movimento nacional polaco e checo nas condições concretas de 1848 (uma página de citações de Marx), que Engels apreciava desta ou daquela forma a luta dos cantões florestais da Suíça contra a Áustria e a batalha de Morgarten que teve lugar em 1315 (uma página de citações de Engels com o correspondente comentário de Kautsky), que Lassalle considerava reaccionária a guerra camponesa na Alemanha no século XVI, etc.
Não se pode dizer que estas observações e citações brilhem pela novidade, mas, em todo o caso, é interessante para o leitor recordar uma e outra vez como exactamente Marx, Engels e Lassalle abordavam a análise das questões históricas concretas de diferentes países. E, relendo as instrutivas citações de Marx e Engels, vê-se com particular evidência em que situação ridícula Rosa Luxemburg se colocou a si própria. Ela prega com eloquência e severidade a necessidade da análise histórica concreta da questão nacional em diferentes países em tempos diferentes, e não faz a mínima tentativa de determinar qual o estádio histórico de desenvolvimento do capitalismo que a Rússia atravessa no início do século XX, quais são as particularidades da questão nacional neste país. Rosa Luxemburg dá exemplos de como outros analisaram a questão de maneira marxista, como que sublinhando assim delíberadamente quão frequentemente de boas intenções está o inferno cheio e com bons conselhos se encobre a falta de vontade ou a incapacidade para os utilizar na prática.
Eis uma das instrutivas confrontações. Erguendo-se contra a palavra de ordem da independência da Polónia, Rosa Luxemburg refere-se a um trabalho seu de 1898, que demonstrava o rápido «desenvolvimento industrial da Polónia» com a venda dos produtos manufacturados na Rússia. Nem é preciso dizer que daqui não decorre absolutamente nada a respeito da questão do direito à autodeterminação, que isto só demonstra o desaparecimento da velha Polónia senhorial, etc. Mas Rosa Luxemburg passa constantemente de modo imperceptível à conclusão de que entre os factores que unem a Rússia e a Polónia predominam já agora os factores puramente económicos das relações capitalistas modernas.
Mas eis que a nossa Rosa passa à questão da autonomia e — apesar do seu artigo se intitular «A Questão Nacional e a Autonomia» em geral — começa por demonstrar o direito exclusivo do reino da Polónia à autonomia (ver sobre isto Prosvechtchénie de 1913, n.° 12(3*)). Para corroborar o direito da Polónia à autonomia, Rosa Luxemburg caracteriza o regime estatal da Rússia, com base, evidentemente, em indícios económicos, políticos, da vida quotidiana e sociológicos — com um conjunto de traços que somados dão o conceito de «despotismo asiático» (n.° 12, Przeglad, p. 137).
Todos sabem que semelhante tipo de regime estatal possui uma solidez muito grande quando na economia de dado país predominam os traços plenamente patriarcais, pré-capitalistas e um insignificante desenvolvimento da economia mercantil e da diferenciação de classes. Mas se num país no qual o regime estatal se distingue por um carácter nitidamente pré-capitalista existe uma região nacionalmente delimitada com um rápido desenvolvimento do capitalismo, então, quanto mais rápido for esse desenvolvimento capitalista, tanto mais forte é a contradição entre ele e o regime estatal pré-capitalista, tanto mais provável é a separação da região avançada do todo — região essa ligada ao todo não pelos laços do «capitalismo moderno», mas do «despotismo asiático».
Assim Rosa Luxemburg não conseguiu em absoluto ligar ponta com ponta nem mesmo na questão da estrutura social do poder na Rússia em relação à Polónia burguesa, e nem sequer colocou a questão das particularidades históricas concretas dos movimentos nacionais na Rússia.
Esta é a questão em que devemos deter-nos.
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3 comentários:
CRN
Nunca se pode analisar nada fora do seu contexto.
Aliás é pelo contexto próprio de um povo, que surge a sua necessidade de autodeterminação, é a diferença da sua cultura, da sua história que produz a sua identidade única.
“Naturalmente, estas épocas não estão separadas uma da outra por uma muralha, antes estão ligadas por numerosos elos de transição…”
Pois não podem a história do homem, das sociedades, da luta de classes está interligada.
A tal história da dialéctica aplica-se como uma luva.
Pois, por muitas voltas que se dê a questão é sempre a mesma, não se pode usar pesos e medidas diferentes conforme as nossas simpatias, sempre que assim se faz cria-se erros graves
Faz-me lembrar um jargão
“Quando um povo toma o seu destino nas mãos, irá nascer um homem novo!”
Beijos
Ana,
É essa necessidade que, como povo, devêmos assumir.
A revolução é hoje!
Para o Marxismo é fundamental o enquadramento histórico para explicação de qualquer questão histórico-social, como Lenin aqui, muito bem nos demonstra e explica.
Abraço
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