2- Uma ideologia de discurso liberal
O estilo dominante do discurso bloquista é muito típico, alternando enunciados categóricos e incisivos, com frase vagas, mas sedutoras, até pela sua nebulosa imprecisão. Numa entrevista ao DN (2.03. 08) F. Louçã responde desassombradamente assim: «Com certeza que estamos à esquerda do Partido Comunista», nem mais. E, adiante, sobre o socialismo do Bloco: «Gosto muito de fazer campanha junto das pessoas, de procurar encontrar raízes de radicalidade e de transformação política. Acho que o socialismo é isso mesmo, e é isso que o BE é, como esquerda socialista.» Eis um exemplo paradigmático da forma sofisticada e sofista de nada dizer, usando palavras bonitas. Depois da frase vazia, mas sonora, eis que vem outra vez a afirmação política da originalidade do BE, pela voz de Louçã na mesma entrevista do DN, que assume forma de promoção da marca, do «produto»: «Nós rejeitamos a ideia de um movimento popular tutelado por um partido.» (…) «Nós entendemos que é preciso constituir uma esquerda transformadora e emancipatória.» Parafraseando, parece óbvio que como o Bloco é um «movimento», não é um «partido», o seu movimento popular não é tutelado, porque é o próprio BE em movimento. Fica muito mal ser «dono» de um movimento, a fotografia para a história sai muito melhor com a atitude liberal de deixar andar o movimento à solta, na espontaneidade criativa de indivíduos cuja consciência é guiada pelo GPS do Bloco… A ideologia baseia-se num discurso fluente e redundante onde vocábulos como «novo», «moderno», «modernizador», «aberto», «plural», «social», «socialista», «popular», «alternativo», «radical», «democrático», «mudança», vão alternando sem grande preocupação com o referente e a realidade. No livro de F. Louçã, Herança Tricolor (1989), obra prenunciadora do Bloco, radica a mesma preocupação de sempre contra o PCP, ardilosamente montada: «Pelo contrário, o único processo positivo teria que ser a erosão do PCP, criando espaços à esquerda, e esse é ainda e continuará a ser (…) uma questão central para a construção de um Partido Revolucionário(…)» E adverte: «Seria uma utopia reaccionária pensar que é positivo ou que será rápido o inevitável efeito de desgaste que a marginalidade intelectual e comunicacional do PCP e a sua crise política real, junto com as ofensivas ideológicas burguesas introduzirão no movimento operário (p. 184).» Discurso premonitório! Criado o Bloco de Esquerda, quão verdadeira é a sua promoção nos órgãos de informação, e como é verdadeira a tentativa de marginalização «comunicacional do PCP», em contraste com a diferença de importância e implantação nas classes trabalhadoras. O discurso vago e com laivos intelectuais encanta os menos atentos, que se deixam levar pelo palavreado promovido nos mass media.Detenhamos a nossa atenção voluntária neste discurso de Ana Drago e Jorge Costa, extraído do capítulo «Partir da Revolução a caminho do futuro», incluído no livro Passado e futuro do 25 de Abril: «Falar de “nova esquerda” é perceber que algo mudou, algo está a mudar, na ideia, no campo e nos actores da emancipação»(…). «No lugar onde se fabrica o antagonismo e o político, fazemos uma viagem de renovação de vontades, de reinvenção dos nomes e experimentação de novos caminhos.» (…) «Esses partidos modernos da era global, tanto mais necessários quando ainda não existem enquanto tal, concebem-se distintos mas próximos dos movimentos sociais e sabem que a soberania de transformação reside nestes, nas estruturas de contrapoder democrático de que se dotem»(…).O discurso versa sobre a identidade, sobre a autodescrição recitativa e exaustiva do que será, do que é o próprio movimento. Dir-se-ia que se está a inventar verbalmente uma nova formação, mas que não se sabe bem dizer o que é. Então a reiterada referência à «coisa», que foge na malha do texto, numa fraseologia em que abundam os verbos mas faltam os complementos directos, muito movimento para um resultado incerto e indefinido. Um discurso em eco, em espelho.Os mesmos autores dizem isto: «Sem um movimento popular de largo espectro, que imponha a partir de estruturas democráticas próprias mudanças profundas na natureza do poder político, a chegada da esquerda ao governo só atrasa o atraso.» (…) «Este partido traz consciência» (…) «Sabemos que a “revolução” tem que ser mais que um momento, é um processo de sentido democrático e de capacitação para a autonomia que se vive e se espraia no social, que se enraíza de quem fabrica o conflito e constrói a alternativa.» A «revolução» com aspas já está também contagiada pela mesma confusão indeterminada, que se vive e se espraia na vagueza do substantivo «social». Afinal o que é que se define e pretende? Que leitura da estrutura da sociedade, que base de classes sociais, que perspectivas em relação à propriedade privada dos grandes meios de produção e do capital financeiro? A sopa eclética, a mistura de palavras não tem um fio condutor, a ideologia é o próprio discurso, num solilóquio dialogado, que torna a linguagem um fim quase desprovido de racionalidade, à boa maneira pós-modernista, a liberdade individual da oração, o discurso liberal, afirmação da individualidade criativa do falante, cada um por si.E qual o mote da agenda política? Dizem Ana Drago e Jorge Costa, em uníssono: «Todos juntos pela luta toda.»Faça-se justiça, cabe a Louçã o primado da eloquência bloquista, com grande destaque para a oratória parlamentar e o tempo de antena televisivo. Mas o discurso escrito, particularmente em entrevista, perde o efeito da retórica. Numa entrevista do DN (13.01.07), à pergunta, «O BE não está demasiado dependente de Louçã?», responde assim: «Um partido do futuro como quer ser o BE nunca será um partido “coesionado” ideologicamente, será um partido que encontra diversidade, porque tem de exprimir a sociedade.» Foi assim em 2007. No DN também, em 16.06.06, o mesmo Louçã, à pergunta, «O Bloco não tem grande consistência ideológica?», responde: «Acho que é uma ficção. O Bloco é um partido que tem ideias mais estruturadas na esquerda portuguesa.» E remata logo de seguida que o «partido comunista não tem ideologia». A especialidade do BE é dizer sempre o melhor possível do BE, mesmo que tenha de se contradizer.O antagonismo contra o PCP, marca histórica dos antecedentes genéticos do BE, tem continuidade na acção bloquista, é um dos seus eixos tácticos e estratégicos. No Público (28.02.02), Louçã, «porta-voz» (designação que prefere à de líder) do BE, sublinha as diferenças entre o seu «movimento» e o PCP: «Há uma diferença essencial entre o Bloco e o PCP; o Bloco entende que a visão moderna da política é a que dá força e a capacidade de ouvir opiniões diferentes.» Estaríamos literalmente no mundo dos discursos: o porta-voz, transporta a «voz», vox populi, até à Rua do Ouvidor, e ouve o eco.Antes de passarmos à parte seguinte detenhamo-nos no conceito de «democracia» louçanista, vertido em Pensar a Democracia à esquerda (Editorial Inquérito, 1994), num texto que, por sinal, para dar o tom, se intitula Oito tons democráticos: «O princípio constitutivo da democracia deve ser a horizontalidade e não a verticalidade, a apresentação e não a representação, a política sendo a continuidade do exercício permanente da soberania». Por conseguinte, antes uma apresentação na horizontal de que uma representação na vertical… (cont.)
8 comentários:
CRN
Este vai ser de metro.
“Estamos à esquerda do PCP”, nunca justificaram tal afirmação limitam-se a repeti-la até à exaustão, tal como “Não somos um Partido, somos um Movimento” e pergunto o que é isso de um Movimento?
Concorrem a eleições, fazem tudo igualito aos outros partidos.
A cobertura da comunicação social ao BE é fascinante, mesmo que a iniciativa tenha 20 pessoas a coisa tem honras no telejornal.
«Sem um movimento popular de largo espectro, que imponha a partir de estruturas democráticas próprias mudanças profundas na natureza do poder político, a chegada da esquerda ao governo só atrasa o atraso.»
Mas o BE não tem um movimento popular de largo espectro, o movimento de largo de espectro existe há 87 anos….
Quanto aos protagonismos, esse é um problema real no BE.
Portanto o que me ocorre, Sérgio Godinho na mesma,
“Cuidado com as imitações
Estimado ouvinte, já que agora estou consigo
Peço apenas dois minutos de atenção
É pra contar a história de um amigo
Casimiro Baltazar da Conceição
O Casimiro, talvez você não conheça
a aldeia donde ele vinha nem vem no mapa
mas lá no burgo, por incrível que pareça
era, mais famoso que no Vaticano o Papa
O Casimiro era assim como um vidente
tinha um olho mesmo no meio da testa
isto pra lá dos outros dois é evidente
por isso façamos que ia dormir a sesta
Ficava de olho aberto
via as coisas de perto
que é uma maneira de melhor pensar
via o que estava mal
e como é natural
tentava sempre não se deixar enganar
(e dizia ele com os seus botões:)
Cuidado, Casimiro
cuidado com as imitações
Cuidado, minha gente
Cuidado justamente com as imitações
Lá na aldeia havia um homem que mandava
toda a gente, um por um, pôr-se na bicha
e votar nele e se votassem lá lhes dava
um bacalhau, um pão-de-ló, uma salsicha
E prometeu que construía um hospital
Uma escola e prédios de habitação
e uma capela maior que uma catedral
pelo menos a julgar pela descrição
Mas... O Casimiro que era fino do ouvido
tinha as orelhas equipadas com radar
ouvia o tipo muito sério e comedido
mas lá por dentro com o rabinho a dar, a dar
E... punha o ouvido atento
via as coisas por dentro
que é uma maneira de melhor pensar
via o que estava mal
e como é natural
tentava sempre não se deixar enganar
(e dizia ele com os seus botões:)
Cuidado, Casimiro
cuidado com as imitações
Cuidado, minha gente
Cuidado justamente com as imitações
Ora o tal tipo que morava lá na aldeia
estava doido, já se vê, com o Casimiro
de cada vez que sorria à plateia
lá se lhe viam os dentes de vampiro
De forma que pra comprar o Casimiro
em vez do insulto, do boicote, da ameaça
disse-lhe: Sabe que no fundo o admiro
Vou erguer-lhe uma estátua aqui na praça
Mas... O Casimiro que era tudo menos burro
tinha um nariz que parecia um elefante
sentiu logo que aquilo cheirava a esturro
ser honesto não é só ser bem falante
A moral deste conto
vou resumi-la e pronto
cada qual faz o que melhor pensar
Não é preciso ser
Casimiro pra ter
sempre cuidado pra não se deixar levar”
O melhor é não se deixarem levar…
Beijo
Apoiado Ana,....também queria saber que é isso de ser um Movimento ????? que movimento ??
A não ser que sejam mais uns Revolucionários Independentes ahahahahahahahah isto é só líricos, no caso do Bloco,....oportunistas !!!!
Só hoje tive oportunidade de ler esta tua série de textos.
Excelente trabalho.
Parabéns.
Um abraço.
Caro CRN,
Muito interessante este desafio. Um desafio intelectual, mas também muito prático. Muito se podia escrever e dizer sobre as diferenças entre o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português. No entanto, pessoalmente esbarro com um problema: o da História.
Quando o BE nasceu, já o PCP tinha largos anos de existência e de luta política, inscritos na nossa História. O BE, comparativamente, é uma criança. É um recém-nascido politicamente, que procura, ainda, a sua individualidade política.
As palavras, a retórica, não constroem, por si só, uma ideologia política.
Esclareço que não sou filiado em nenhum partido político, mas que sou "de esquerda"... Não me identifico com o PS neoliberal dos nossos tempos (se é que há lá alguma coisa "de esquerda"), nem com o PCP, nem com o BE.
Reconheço no PCP uma individualidade ideológica e política que não vejo no BE.
Um BE que, na minha modesta opinião, nem bloco é...
Um abraço
Ana,
"Cuidado, Casimiro
cuidado com as imitações
Cuidado, minha gente
Cuidado justamente com as imitações"
A revolução é hoje!
Mugabe,
Mas devagar, devagarinho, coma demagogía necessária, lá vão intrujando algum que outro trabalhador!
A revolução é hoje!
Samuel,
O esclarecimento solidário é uma das virtudes do comunismo!
A revolução é hoje!
Jorge,
É essa ideologia que defendo e defenderei até à exaustão!
A revolução é hoje!
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