Paul Krugman*
02.Jul.10
02.Jul.10
São cada vez mais, mais fortes e mais apreensivas as vozes dos epígonos do capitalismo que alertam para os perigos económicos e as graves consequências sociais das políticas impostas pelo grande capital na sua tentativa da recuperação capitalista da crise. Sabedores dos perigos sociais e políticos de uma recuperação à custa da classe trabalhadoras procuram a quadratura do círculo: uma inexistente posição intermédia entre a recuperação á custa da classe trabalhadora ou do grande capital monopolista.
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Receio que estejamos nos estágios iniciais de uma terceira depressão. E o custo para a economia mundial será imenso
Recessões são comuns; depressões são raras. Pelo que sei, houve apenas duas eras qualificadas como «depressões» na ocasião: os anos de deflação e instabilidade que acompanharam o Pânico de 1873, e os anos de desemprego em massa, após a crise financeira de 1929-31.
Nem a Longa Depressão do século XIX nem a Grande Depressão, no século XX, registaram declínio contínuo. Pelo contrário, ambas tiveram períodos de crescimento. Mas esses períodos de melhoria jamais foram suficientes para desfazer os danos provocados pela depressão inicial e foram seguidos de recaídas.
Receio que estejamos nos estágios iniciais de uma terceira depressão. Que provavelmente vai se assemelhar mais à Longa Depressão do que a uma Grande Depressão mais severa. Mas o custo – para a economia mundial e, sobretudo, para as milhões de pessoas arruinadas pela falta de emprego – será imenso.
E essa terceira depressão tem a ver, principalmente, com o fracasso político. Em todo o mundo – e, mais recentemente, no desanimador encontro do G-20 – os governos mostram-se obcecados com a inflação quando a ameaça é a deflação, e insistem na necessidade de apertar o cinto, quando o problema de fato são os gastos inadequados.
Em 2008 e 2009, parecia que tínhamos aprendido com a história. Ao contrário dos seus predecessores, que elevavam as taxas de juro para enfrentar uma crise financeira, os atuais líderes do Federal Reserve e do Banco Central Europeu (BCE) cortaram os juros e partiram em apoio aos mercados de crédito.
Ao contrário dos governos do passado, que tentaram equilibrar os orçamentos para combater uma economia em declínio, os governos hoje deixam os déficits crescerem. E melhores políticas ajudaram o mundo a evitar o colapso total: podemos dizer que a recessão causada pela crise acabou no Verão (no Hemisfério Norte) passado.
Mas os futuros historiadores vão nos dizer que esse não foi o fim da terceira depressão, da mesma maneira que a retoma econômica em 1933 não foi o fim da Grande Depressão. Afinal, o desemprego – especialmente a longo prazo – continua em níveis que seriam considerados catastróficos há alguns anos. E tanto os Estados Unidos como a Europa estão perto de cair na mesma armadilha deflacionária que atingiu o Japão.
Diante desse quadro, você poderia esperar que os legisladores entendessem que não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não. Nos últimos meses observamos o ressurgimento da ortodoxia do equilíbrio orçamentário e da moeda forte.
O ressurgimento dessas teses antiquadas é mais evidente na Europa. Mas, em termos práticos, os EUA não estão agindo muito melhor. O FED parece consciente dos riscos de deflação – mas o que propõe fazer é: nada. O governo Obama entende os perigos de uma austeridade fiscal prematura – mas, como republicanos e democratas conservadores não aprovam uma ajuda adicional aos governos estaduais, essa austeridade se impõe de qualquer maneira, com os cortes nos orçamentos estaduais e municipais.
Por que essa virada da política? Os radicais com frequência referem-se às dificuldades da Grécia e outros países na periferia da Europa para justificar seus atos. E é verdade que os investidores atacaram os governos com déficits incontroláveis. Mas não há evidência de que uma austeridade a curto prazo, ante uma economia deprimida, vai tranquilizar os investidores.
Pelo contrário: a Grécia concordou com um plano de austeridade, mas viu seus riscos se ampliarem; a Irlanda estabeleceu cortes brutais dos gastos públicos e foi tratada pelos mercados como um país com risco maior que a Espanha, que até agora resiste em adotar medidas drásticas propugnadas pelos radicais.
É como se os mercados entendessem o que os legisladores não compreendem: que, embora a responsabilidade fiscal a longo prazo seja importante, cortar gastos no meio de uma depressão vai aprofundar essa depressão e abrir caminho para a deflação, o que é contraproducente.
Portanto, não acho que as coisas tenham a ver de fato com a Grécia, ou com qualquer visão realista sobre o que priorizar: déficits ou empregos. Em vez disso, trata-se da vitória de teses conservadoras que não se baseiam numa análise racional e cujo principal dogma é que, nos tempos difíceis, é preciso impor sofrimento a outras pessoas para mostrar liderança.
E quem pagará o preço pelo triunfo dessas teses? A resposta: dezenas de milhões de desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar.
Recessões são comuns; depressões são raras. Pelo que sei, houve apenas duas eras qualificadas como «depressões» na ocasião: os anos de deflação e instabilidade que acompanharam o Pânico de 1873, e os anos de desemprego em massa, após a crise financeira de 1929-31.
Nem a Longa Depressão do século XIX nem a Grande Depressão, no século XX, registaram declínio contínuo. Pelo contrário, ambas tiveram períodos de crescimento. Mas esses períodos de melhoria jamais foram suficientes para desfazer os danos provocados pela depressão inicial e foram seguidos de recaídas.
Receio que estejamos nos estágios iniciais de uma terceira depressão. Que provavelmente vai se assemelhar mais à Longa Depressão do que a uma Grande Depressão mais severa. Mas o custo – para a economia mundial e, sobretudo, para as milhões de pessoas arruinadas pela falta de emprego – será imenso.
E essa terceira depressão tem a ver, principalmente, com o fracasso político. Em todo o mundo – e, mais recentemente, no desanimador encontro do G-20 – os governos mostram-se obcecados com a inflação quando a ameaça é a deflação, e insistem na necessidade de apertar o cinto, quando o problema de fato são os gastos inadequados.
Em 2008 e 2009, parecia que tínhamos aprendido com a história. Ao contrário dos seus predecessores, que elevavam as taxas de juro para enfrentar uma crise financeira, os atuais líderes do Federal Reserve e do Banco Central Europeu (BCE) cortaram os juros e partiram em apoio aos mercados de crédito.
Ao contrário dos governos do passado, que tentaram equilibrar os orçamentos para combater uma economia em declínio, os governos hoje deixam os déficits crescerem. E melhores políticas ajudaram o mundo a evitar o colapso total: podemos dizer que a recessão causada pela crise acabou no Verão (no Hemisfério Norte) passado.
Mas os futuros historiadores vão nos dizer que esse não foi o fim da terceira depressão, da mesma maneira que a retoma econômica em 1933 não foi o fim da Grande Depressão. Afinal, o desemprego – especialmente a longo prazo – continua em níveis que seriam considerados catastróficos há alguns anos. E tanto os Estados Unidos como a Europa estão perto de cair na mesma armadilha deflacionária que atingiu o Japão.
Diante desse quadro, você poderia esperar que os legisladores entendessem que não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não. Nos últimos meses observamos o ressurgimento da ortodoxia do equilíbrio orçamentário e da moeda forte.
O ressurgimento dessas teses antiquadas é mais evidente na Europa. Mas, em termos práticos, os EUA não estão agindo muito melhor. O FED parece consciente dos riscos de deflação – mas o que propõe fazer é: nada. O governo Obama entende os perigos de uma austeridade fiscal prematura – mas, como republicanos e democratas conservadores não aprovam uma ajuda adicional aos governos estaduais, essa austeridade se impõe de qualquer maneira, com os cortes nos orçamentos estaduais e municipais.
Por que essa virada da política? Os radicais com frequência referem-se às dificuldades da Grécia e outros países na periferia da Europa para justificar seus atos. E é verdade que os investidores atacaram os governos com déficits incontroláveis. Mas não há evidência de que uma austeridade a curto prazo, ante uma economia deprimida, vai tranquilizar os investidores.
Pelo contrário: a Grécia concordou com um plano de austeridade, mas viu seus riscos se ampliarem; a Irlanda estabeleceu cortes brutais dos gastos públicos e foi tratada pelos mercados como um país com risco maior que a Espanha, que até agora resiste em adotar medidas drásticas propugnadas pelos radicais.
É como se os mercados entendessem o que os legisladores não compreendem: que, embora a responsabilidade fiscal a longo prazo seja importante, cortar gastos no meio de uma depressão vai aprofundar essa depressão e abrir caminho para a deflação, o que é contraproducente.
Portanto, não acho que as coisas tenham a ver de fato com a Grécia, ou com qualquer visão realista sobre o que priorizar: déficits ou empregos. Em vez disso, trata-se da vitória de teses conservadoras que não se baseiam numa análise racional e cujo principal dogma é que, nos tempos difíceis, é preciso impor sofrimento a outras pessoas para mostrar liderança.
E quem pagará o preço pelo triunfo dessas teses? A resposta: dezenas de milhões de desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar.
* Paul Krugman, economista galadoardo com o Prémio Nobel em 2008 é colaborador habitual do New York Times
Este texto em português, traduzido do New York Times, foi publicado no diário brasileiro Estado de S. Paulo com tradução de Terezinha Martinho.
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