Processo de Bolonha: um passo mais no caminho do federalismo
Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho do PCP para as Questões do Ensino Superior
Área da Educação, Ciência e Tecnologia
A sobrevivência do sistema capitalista depende de um processo dinâmico e constante de acumulação de riqueza. Sem essa acumulação o sistema entra em crise e colapsa. Portanto, a lógica do sistema capitalista é a de acumulação permanente pela sua sobrevivência. Esta condição de sobrevivência do sistema capitalista esteve sempre subjacente ao desenvolvimento da União Europeia. Foi a lógica do Tratado de Paris em 1951 com o estabelecimento da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, foi também a lógica do Tratado de Roma em 1957 instituindo a Comunidade Económica Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, foi a lógica do Tratado de Maastricht em 1992 estabelecendo a União Europeia e é a lógica dos progressivos alargamentos consubstanciados nos 25 países que hoje integram a União.
Assim, a fim de dinamizar o seu processo de acumulação, procede o capital a uma busca constante de novas oportunidades de negócio, como tem sido recentemente evidenciado em diversas áreas de investimento em sectores que tradicionalmente eram administrados pelos seus Estados. São evidentes os casos da saúde e da segurança social, dos fármacos, dos transportes, das telecomunicações, das biotecnologias, da indústria militar e agora do ensino. Refira-se que o ensino representa anualmente um importante movimento de capitais que ronda os duzentos mil milhões de dólares, ou seja, o dobro do mercado automóvel mundial.
Nesta lógica a Declaração de Bolonha em 1999 verteu em compromisso Europeu a intenção expressa pelas potências Europeias um ano antes em Paris. Os ministros da educação de França, Alemanha, Reino Unido e Itália, tinham então subscrito a Declaração da Sorbonne, comprometendo os respectivos países a “harmonizar a arquitectura do sistema Europeu de Ensino Superior”, cumprindo assim mais um desígnio da construção do projecto neoliberal de uma futura Federação Europeia, ou seja, pugnando por, de facto, adequar também o Ensino Superior europeu aos interesses do grande capital financeiro.
Numa primeira aproximação essa adequação passa por dividir o Ensino Superior em “pacotes” (denominados “ciclos”) mais facilmente privatizáveis pelos novos industriais do ensino. Acresce que este processo de empacotamento acarreta outras vantagens evidentes para o desenvolvimento capitalista. Tende a criar um exército de mão-de-obra barata, dificilmente reconhecida pelas estruturas corporativas que em geral avalizam a competência dos licenciados, mas capaz de entrar no sistema produtivo sem a cultura formativa crítica que as escolas superiores tradicionais tendiam a conferir. Na nova lógica da Declaração de Bolonha passam as Escolas Superiores a enformar produtores – consumidores moldados às necessidades de acumulação do sistema.
Por outro lado, não havendo o compromisso de os Estados financiarem igualmente os sucessivos ciclos do Ensino Superior, é intencionalmente introduzida a mais ignóbil discriminação económica. O acesso aos “graus superiores” do ensino, potencialmente a possibilidade de vir a ser um quadro dirigente no sistema, passa a ser apanágio de ricos para ricos, excluindo liminarmente aqueles que pudessem ameaçar subvertê-lo. Cumpre-se assim mais um desígnio do capital, a utilização da escola como aparelho de reprodução do status quo.
Neste contexto é preciso afirmar que o sub-financiamento do ensino é um crime contra a Democracia. De facto, é condição necessária ao funcionamento de um verdadeiro sistema democrático, como dizia Bento Caraça, a existência de uma cultura integral dos cidadãos. A cultura integral dos seus cidadãos é portanto o preço que um Estado democrático deve pagar para ser digno desse qualificativo. É por isso que, numa constituição democrática como a nossa, se salvaguarda o financiamento do ensino por parte do Estado e a universalidade do seu acesso pelos cidadãos.
As Qualificações Superiores no Mundo mais Desenvolvido e o Processo de Bolonha
A proporção de qualificação superior na população activa da UE (21% em 2002) é muito variável de país para país e compara-se desfavoravelmente com vários outros países com elevado desempenho económico (43% no Canadá, 38% nos EUA, 36% no Japão). O declínio demográfico, mesmo que a taxa de ingresso e sucesso no ensino superior progrida, faz prever uma estagnação dos licenciados activos, ao nível de 3 milhões diplomados por ano (cerca de 2 milhões nos EUA, Índia ou China). Assim, o Conselho Europeu fixou como meta que em 2010, pelo menos 85% dos jovens com 22 anos de idade tivessem completado o ensino secundário (12 anos de escolaridade em Portugal).
O processo de Bolonha é visto pelos eurocratas como um percurso de qualificações de curta e média duração, que permitirá atingir mais elevadas taxas de qualificação superior. Portugal tem quase 10% da sua população (25-64 anos de idade) com formação superior (20,7% na UE15) e duração média de escolarização de 8 anos apenas (11,6 anos na UE25, 12,7 nos EUA, 12,6 no Japão, 13,8 na Noruega).
O modelo de formação “acelerada” em três ciclos relativamente curtos, que o processo de Bolonha vai impondo na Europa visa, entre outras questões, resolver essa difícil equação: aumentar o número de graduados e de pós-graduados sem reforçar o financiamento público. Solução que só é possível à custa do financiamento privado, seguramente suportado num mais pesado esforço financeiro das famílias e da drástica redução da qualidade das qualificações “acreditadas”.
A captação de estudantes estrangeiros por universidades prestigiadas é um instrumento assumido da captação de “cérebros” que possam contribuir para o enriquecimento da força de trabalho dos países de acolhimento. No século XX vários factores contribuíram para que os EUA para seu grande proveito tenham captado estudantes e cientistas de todo o mundo. Alguns países Europeus assim têm procurado fazer, designadamente o Reino Unido, a França e a Alemanha, assim como a própria União Europeia, que através do Conselho de Ministros da Educação (Fevereiro de 2002) definiu esse como um seu objectivo. Os países da periferia do sistema económico mundial são explorados por todas as vias, quer acolhendo indústrias intensivas em trabalho quer exportando os trabalhadores mais talentosos ou qualificados.
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Há 6 horas
10 comentários:
Muito bom o post. Mostra que através das políticas educativas se moldam gerações futuras conforme o interesse dominante ou ruminante.
Abraço,
Zorze
Caro CRN...magnífico post,....os Bildergerg em todo o seu esplendor.
Abraço!
CNR
Para começar dizer que estou cheia de sono e de certeza que isto não vai sair muito bem…mas pronto larguei o trabalho à meia-noite e picos e fico neste estado de cansaço vegetativo.
Pronto começo logo a tropeçar no segundo parágrafo, pois essa é a lógica do capitalismo, mas em simultâneo ocorrem-me outras coisas:
Com este deslocalizar constante de unidades de produção, com este acumular de desempregados, com a falta de emprego para os jovens, com esta gaita toda, quem vão ser os futuros consumidores da Europa, por futuro entenda-se curto prazo, eu sei que o consumismo é grande, apelo ao consumo é brutal, as facilidades de crédito delirantes, mas chega a uma altura que o circuito fica fechado, não produz riqueza, o dinheiro não mexe, bloqueia…
Pois agora descobriram duas grandes mamas, o ensino e a saúde…
No ensino para além das palavras que já referiste do nosso grande camarada deixa-me acrescentar mais umas desta mulher: o Ensino é fundamental, quanto mais qualidade tiver mais produz pessoas esclarecidas, que questionem, que pensem…
Agora cá em Portugal assiste-se a um verdadeiro exército de doutores de encher chouriço, pessoas com uma licenciatura mas sem o mínimo e cultura geral, sem questionarem nada, sem saberem descodificar as coisas mais simples, sem interpretar uma noticia, um jornal, um livro ou filme…é uma tristeza.
A verdadeira aplicação de muitos, não todos, é na farda académica (uma piroseira que só fazia sentido em Coimbra mas agora espalhou-se como um fungo), na viajem de finalista (viagens de luxo que não interessava mesmo o destino porque visto à lupa traduz-se em engates e copos, podia ser mesmo cá), a bênção e queima das fitas (outro fungo) e supremo ensejo o anel de curso, piroseira máxima….
Para isto vivem famílias e estudantes, alguns não todos.
Para isto existem uma catrefa de Universidades Privadas, que como vendedoras de um bem tem de ter clientes satisfeitos, não é?
Como tal tem de ter uma exigência ajustável (ai o Inglês Técnico do Sr. Sousa).
Temos o país cheio disto…só falta licenciatura em entregadores de pizza, com pós graduação em caixa de hipermercado….
Pronto, desculpa lá que isto vai longo é um tema que me deixa descontrolada, a esta hora já não estou muito boa, amanhã leio tudo com mais calma, sim?
Beijocas
Olá Zorze,
Mas vamos assistir a isto indiferentes ao futuro dos putos?
A revolução é hoje!
Cumprimentos.
Olá Mugabe,
Que solução se poderia encontrar?
A revolução é hoje!
Cumprimentos.
Olá Ana,
Se um "entregador de pizzas", depois de estudar uma licenciarura, por opção, inventasse uma forma diferente e melhor de o fazer.. bem-vindo.
Se para entregar pizzas se lhe exige um diploma, já não estaria de acordo, sobretudo porque o programa obedeceria ao know-how de uma empresa, que serve as suas e só as suas necessidades.
A liberdade deve ser defendida.
A revolução é hoje!
Cumprimentos.
CNR
Essa fulana que comentou com um texto longo estava mesmo de todo...
Mas agoraá sério, o pior é que o futuro de muitos licenciados passa pela entrega de pizzas e pelos hiper, por falta de saida profissional, por falta de aplicabilidade dos cursos, porque em Portugal valoriza-se de uma forma brutal o ser "dotôr".
Mas de facto o que interessa é ter um ensino homegerneo, pobrezinho, que impeça as pessoas de pensar muito...
A questão da saude dá uns quantos posts..
beijocas
Olá Ana,
Por isso é necessária a mudança.
Cumprimentos.
Temos dois tipos de ensino, o oficial para os pobres, e o privado para os abastados, claro que há sempre franjas de um lado e do outro, que furam o esquema, mas o esquema mantem-se, porque é assim que intessa ao grande capital. É preciso apostar na juventude alertando-a para todas estas artimanhas, que até paracem, ser uma ajuda, mas não são mais que, um presente envenenado,como o crédito e tantos outros, que mais tarde são a consequência do estado a que tudo isto chegou.
É urgente elucidar, os jovens sem os criticar mas citando-lhes exemplos, que comprovem a falência destas políticas, para que sejam eles a repudiá-las com toda a convicção.
Felicito-te por este post
Abraço
Olá Poesianopopular,
A intenção é essa mesma, todos necessitamos falar deste assunto.
Cumprimentos.
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