quinta-feira, outubro 09, 2008

Invasão e devastação em Portugal I


Com base num texto (curto e, a publicar em 2 dias) de Karl Marx - de Junho de 1853, suponho que, resultará - observado com certo relativismo - simples, estabelecer o paralelismo necessário para contemplar a corrosão estructural do nosso país e identificar os motivos que estão, e, estiveram, na génese desta decadênte realidade na qual subsistimos. Por outra parte, devido à constatação e, seguramente "sustentada", caida do muro, permitir-nos-á decidir - considerando as oportunidades que a constituição nos oferecerá durante o próximo ano - se, preferiremos renovar os protagonistas ou protagonizar o nosso futuro.

"Os despachos telegráficos de Viena anunciam que a solução pacífica dos problemas turco, sardo e suiço não comporta mais dúvidas.

Ontem à tarde, na Câmara dos Comuns, o debate sobre a Índia prosseguia com a apatia habitual. M. Blackett acusou às intervenções de sir Charles Wood e de sir J. Hogg de serem portadoras de um falso otimismo. Muitos defensores do ministério e do Conselho de diretores fizeram o seu melhor para refutar a acusação, e o inevitável M. Hume fez o resumo conclamando os ministros a retirarem seu projeto de ato. O debate foi adiado.

O Hindustão é uma Itália de dimensões asiáticas, em que o Himalaya ocupa o lugar dos Alpes, as planícies do Bengala o da Lombardia, a cadeia do Deccan o dos Apeninos, e o Ceilão o da Sicília. A mesma riqueza e a mesma variedade de produtos da terra, e o mesmo desmembramento na estrutura política. Exatamente como a Itália, em diversos períodos a clava do conquistador refundia diferentes massas nacionais, quando não era sob o jugo dos maometanos, ou dos mongóis, ou dos britânicos, era dividida em tantos estados inimigos independentes que possuiam apenas cidades ou mesmo vilarejos. Portanto, do ponto de vista social, o Hindustão não é uma Itália, mas mais uma Irlanda do Oriente. E essa combinação estranha de Itália e Irlanda, do mundo da voluptuosidade e o do cadinho, estava já antecipada nas antigas tradições da religião do Hindustão. Essa religião é ao mesmo tempo uma religião da exuberância sensual e uma religião de ascetas mortificando seus corpos; a religião do lingam e a da Jagannatha; a religião dos monges e a das bayadères (1).

Não partilho a opinião daqueles que creem numa idade do ouro do Hindustão, se bem que não me refiro, como o faz sir Carles Wood, ao exemplo de Koulikhan para confirmar meu ponto de vista. Mas tome o tempo de Aurangzeb; ou a época em que os mongóis apareceram no norte e os portugueses no sul; ou o período da invasão dos maometanos e da heptarquia na Índia meridional; ou, como queira, remonte ainda mais longe na antiguidade e tome a cronologia mitológica dos próprios brahmanes que noticiavam o começo da miséria na Índia a uma época ainda mais antiga que a criação do mundo na concepção cristã.

Qualquer dúvida não é possível, portanto: os males que os ingleses causaram ao Hindustão são de um gênero essencialmente diferente e muito mais profundo do que o Hidustão havia sofrido antes. Eu não faço alusão ao despotismo europeu que, somado pela Companhia Britânica das Índias Orientais ao despotismo asiático, forma uma combinação mais monstruosa do que os monstros sagrados que nos apavoram no templo de Salsette. Isso não constitui um traço distintivo da dominação colonial britânica e não é senão uma imitação do sistema holandês, a tal ponto que para caracterizar a atividade da Companhia Britânica das Índias Orientais é suficiente repetir literalmente o que sir Stamford Raffles, o governador inglês de Java, tinha dito a propósito da velha Companhia Neozelandesa das Índias Orientais:

"A Companhia Neozelandesa, movida unicamente pelo amor ao ganho e tendo por seus assujeitados menos interesse e consideração que um plantador das Índias ocidentais tinha pelos escravos que trabalhavam em seu domínio - dado que este pelo menos havia pago com o dinheiro seu instrumento de trabalho humano, enquanto aquela não havia gasto nada -, essa Companhia mobilizou todos os recursos existentes do despotismo para tirar do povo seus últimos suspiros por meio de contribuições e de todo o trabalho de que ele era capaz. Ela agravou assim os males causados por um governo caprichoso e semi-bárbaro e pela a avidez sem limites dos mercadores."

Todas as guerras civis, invasões, revoluções, conquistas, fomes, por mais complexa, rápida e destrutiva que pudesse parecer sua sucessiva ação sobre o Hindustão, não o haviam arranhado senão superficialmente. A Inglaterra destruiu os fundamentos do regime social da Índia, sem manifestar até o presente a menor veleidade de construir o que quer que seja. Esta perda de seu velho mundo, que não foi seguida pela obtenção de um mundo novo, confere à miséria atual dos Hindus um caráter particularmente desesperado e separa o Hidustão, governado pelos ingleses, de todas as tradições antigas, de todo o conjunto de sua história passada.

Decorridos tempos imemoriais, não existia na Ásia senão três departamentos administrativos: o das Finanças, ou pilhagem do interior; o da Guerra, ou pilhagem do exterior; e, enfim, o departamento dos Trabalhos Públicos. O clima e as condições geográficas, sobretudo a presença de vastos espaços desérticos, que se extendem do Saara, através da Arábia, da Pérsia, da Índia e da Tatária, aos platôs mais elevados da Ásia, fizeram da irrigação artificial com auxílio de canais e de outras obras hidráulicas a base da agricultura oriental. No Egito e na Índia, como na Mesopotâmia e na Pérsia, as inundações servem para fertilizar o solo; tira-se proveito do alto nível da água para alimentar os canais de irrigação. Esta necessidade primeira de utilizar a água com economia e em comum, que, no Ocidente levou as empresas privadas a se unirem em associações voluntárias , como em Flandres e na Itália, impôs no Oriente, onde o nível de civilização era muito baixo e os territórios muito vastos para que pudessem aparecer asociações desse gênero, a intervenção centralizadora do governo. Daí uma função econômica incumbe a todos os governos asiáticos: a função de assegurar os trabalhos públicos. Essa fertilização artificial do solo, que depende de um governo central e que cai em decadência desde que a irrigação ou a drenagem são negligenciadas, explica o fato, que sem tal explicação teria parecido estranho: territórios inteiros que, outrora, foram admiravelmente cultivados como a Palmyra, Petra, as ruínas do Yêmem, vastas províncias do Egito, da Pérsia e do Hindustão, estão atualmente estéreis e desertos. Isso explica também porque uma só guerra devastadora pôde depauperar o pais por séculos e privá-lo de toda sua civilização.

Ora, os Ingleses nas Índias Orientais aceitaram de seus precedentes os departamentos das Finanças e da Guerra, mas eles negligenciaram inteiramente o dos Trabalhos Públicos. Daí a deterioração de uma agricultura incapaz de se desenvolver segundo o princípio britânico da livre concorrência, do laissez faire, laissez aller. As colheiras correspondem aos governos bons ou maus, como alternam-se na Europa segundo os bons e os maus climas. Assim, a opressão e o abandono da agricultura, por mais nefastos que fossem, não poderiam ser vistos como o golpe de graça desferido contra a sociedade indiana pelos invasores ingleses, se não tivessem sido acompanhados de uma circunstância muito importante e totalmente nova nos anais do mundo asiático no seu conjunto. Qualquer que tenha sido no passado a transformação que formou o aspecto político da India, suas condições sociais permaneceram invariáveis desde a Antiguidade mais remota até a primeira década do século XIX. O ofício de tecer à mão e à roca, que produziram miríadas de tecelagens e de fiações, era o pivot da estrutura dessa sociedade. Desde tempos imemoriais, a Europa recebia os admiráveis tecidos de fabricação indiana, enviando em troca seus metais preciosos e desse modo fornecendo a matéria prima aos ouríves, membros indispensáveis da sociedade indiana cujo amor pela bijuteria é tão grande que mesmo os representantes das classes inferiores que andam quase nús, têm habitualmente um par de brincos de ouro e algum ornamento de ouro em volta do pescoço. Os anéis usados nos dedos ou nas orelhas eram também muito reluzentes. As mulheres e as crianças tinham nos braços e nas pernas maciços braceletes de ouro ou de prata, havia estatuetas de divindades em ouro e em prata nas casas. Os invasores ingleses quebraram os ofícios de tecelagem dos indianos e destruíram suas rocas. A Inglaterra começou por excluir os tecidos de algodão indianos do mercado europeu, depois ela se pôs a exportar para o Hindustão o fio e enfim inundou de tecidos de algodão a pátria dos tecidos de algodão. De 1818 a 1836 as exportações de fios da Gran-Bretanha para a Índia aumentaram na proporção de 1 para 5.200. Em 1824 as exportações de musselines ingleses para a Índia atingiam apenas 1 milhão de jardas, enquanto em 1837 elas ultrapassavam 64 milhões de jardas. Mas no mesmo período a população de Dacca passou de 150.000 habitantes a 20.000. Esta decadência das cidades indianas, célebres por seus produtos, não foi a pior consequência da dominação britânica. A ciência britânica e a utilização da máquina a vapor pelos ingleses haviam destruído, em todo o território do Hindustão, a ligação entre a agricultura e a indústria artesanal." (cont.)

2 comentários:

Ana Camarra disse...

Lá vais tu, caravela lá vais
e a mão que ainda me acena do cais
dará a esta outra mão a coragem
de em frente, em frente seguir viagem

Será que existe mesmo o levante?
ando às ordens do nosso infante
e cá vou fazendo os possíveis

Ó ei, deita a mão a este remo
além, são só paragens do demo
quem sabe, é só um abismo suspenso
só vendo, mas o nevoiro é denso

Será que existe mesmo o levante
ando às ordens do nosso infante
e cá vou fazendo os possíveis

Mas parai, trago notícias horríveis
parai com tudo
já avisto os nossos conquistadores

Vêm num bote de madeira talhado em caravela
com um soldado de madeira a fingir de sentinela
com uma espada de madeira proferindo sentenças
enterrada que ela foi no coração doutras crenças
enterrada que ela foi, sua sombra era uma cruz
exigindo aos que morriam que gritassem: Jesus!
com um caixilho de madeira imortalizando o saque
colorindo na vitória as armas brancas do ataque
até que povos massacrados foram dizendo: Basta
até que a mesa do Comércio ainda posta e já gasta
acabou como jangada para evacuar fugitivos
da fogueira incendiada pelos outrora cativos
e debandou à nossa costa a transbordar de remorsos
mas a rejeitar a culpa e ainda a pedir reforços

Sérgio Godinho

CRN

Portanto hoje isto é ao contrário (pode ser que o dia termine melhor!), o Companhia da Indias foi o top da exploração colonialista, o Império Britânnico sob sonegar até mais não as colónias.
Para trás muito para trás ficou Portugal, o primeiro a descobrir novos mundos, o último a admitir que aquele mundo nunca tinha sido seu.
Não conhecia este texto, interessantissimo.

beijo

Anónimo disse...

Ana,
Penso que o colonialismo nunca fo tão predominante.

A revolução é hoje.