terça-feira, outubro 21, 2008

Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação IV

4. O «Praticismo» na Questão Nacional

Os oportunistas agarraram-se com zelo especial ao argumento de Rosa Luxemburg de que o § 9 do nosso programa não contém nada de «prático». Rosa Luxemburg está tão encantada com este argumento que no seu artigo encontramos oito vezes numa mesma página a repetição desta «palavra de ordem».
O § 9 «não dá — escreve ela — nenhuma indicação prática para a política quotidiana do proletariado, nenhuma solução prática dos problemas nacionais».
Analisemos este argumento, que é também formulado de tal modo que o § 9 ou não exprime absolutamente nada, ou então obriga a apoiar todas as aspirações nacionais.
O que significa a reivindicação do «carácter prático» na questão nacional?
Ou o apoio a todas as aspirações nacionais; ou responder «sim ou não» à questão da separação de cada nação; ou em geral a «exequibilidade» imediata das reivindicações nacionais.
Analisemos todos estes três possíveis sentidos da reivindicação do «carácter prático».
A burguesia, que naturalmente aparece no início de cada movimento nacional como força hegemónica (dirigente) do mesmo, chama obra prática ao apoio a todas as aspirações nacionais. Mas a política do proletariado na questão nacional (tal como nas demais questões) somente apoia a burguesia numa direcção determinada, mas nunca coincide com a sua política. A classe operária apoia a burguesia somente no interesse da paz nacional (que a burguesia não pode dar inteiramente e que só é realizável na medida de uma completa democratização), no interesse da igualdade de direitos, no interesse da melhor situação para a luta de classes. Por isso, exactamente contra o praticismo da burguesia, os proletários apresentam uma política de princípios na questão nacional, apoiando sempre a burguesia apenas condicionalmente. Qualquer burguesia quer na questão nacional ou privilégios para a sua nação, ou vantagens exclusivas para si; é a isto que se chama «prático». O proletariado é contra quaisquer privilégios, contra qualquer exclusividade. Exigir dele o «praticismo» significa navegar nas águas da burguesia, cair no oportunismo.
Dar a resposta «sim ou não» à questão da separação de cada nação? Isto parece uma reivindicação extremamente «prática». Mas na realidade ela é absurda, metafísica no plano teórico, e na prática conduz à subordinação do proletariado à política da burguesia. A burguesia coloca sempre em primeiro plano as suas reivindicações nacionais. Coloca-as incondicionalmente. Para o proletariado elas estão subordinadas aos interesses da luta de classes. Teoricamente não se pode garantir antecipadamente que a separação de uma nação determinada ou a sua situação de igualdade de direitos com outra nação finalizará a revolução democrático-burguesa; para o proletariado é importante em ambos os casos garantir o desenvolvimento da sua classe; para a burguesia é importante dificultar este desenvolvimento, afastar para segundo plano as tarefas dele face às tarefas da «sua» nação. Por isso o proletariado se limita à reivindicação por assim dizer negativa de reconhecimento do direito à autodeterminação, nada garantindo a nenhuma nação, não se comprometendo a dar nada à custa de outra nação.
Talvez isto não seja «prático», mas de facto isto é o que melhor garante a mais democrática das soluções possíveis; o proletariado necessita apenas destas garantias, enquanto a burguesia de cada nação necessita de garantias das suas vantagens sem ter em conta a situação (as possíveis desvantagens) de outras nações.
O que mais interessa à burguesia é a «exequibílidade» de uma reivindicação dada — daí decorre a eterna política de pactuação com a burguesia de outras nações em prejuízo do proletariado. Enquanto para o proletariado é importante fortalecer a sua classe contra a burguesia, educar as massas no espírito da democracia consequente e do socialismo.
Talvez isto não seja «prático» para os oportunistas; mas isto é a única garantia de facto, uma garantia da máxima igualdade de direitos e da paz nacionais a despeito tanto dos feudais como da burguesia nacionalista.
Toda a tarefa dos proletários na questão nacional é,do ponto de vista da burguesia nacionalista de cada nação, «não prática», pois os proletários reivindicam uma igualdade de direitos «abstracta», a ausência por princípio do mínimo privilégio, sendo inimigos de qualquer nacionalismo. Não compreendendo isto, Rosa Luxemburg, com o seu insensato enaltecimento do praticismo, abriu de par em par as portas precisamente aos oportunistas, principalmente às concessões oportunistas ao nacionalismo grão-russo.
Porquê grão-russo? Porque os grão-russos na Rússia são a nação opressora, e no aspecto nacional, naturalmente, o oportunismo manifesta-se diferentemente nas nações oprimidas e nas opressoras.
A burguesia das nações oprimidas chamará o proletariado a apoiar incondicionalmente as suas aspirações em nome do «carácter prático» das suas reivindicações. O mais prático é dizer abertamente «sim» à separação de tal ou tal nação, mas não ao direito à separação de todas e quaisquer nações!
O proletariado opõe-se a tal praticismo: reconhecendo a igualdade de direitos e o direito igual ao Estado nacional, ele valoriza e coloca acima de tudo a aliança dos proletários de todas as nações, valorizando do ângulo da luta de classe dos operários toda a reivindicação nacional, toda a separação nacional. A palavra de ordem de praticismo é de facto apenas a palavra de ordem de aceitação não crítica das aspirações burguesas.
Dizem-nos: ao apoiar o direito à separação, apoiais o nacionalismo burguês das nações oprimidas. Assim fala Rosa Luxemburg, assim repete atrás dela o oportunista Semkóvski, o único representante, diga-se de passagem, das idéias liquidacionistas nesta questão no jornal dos liquidacionistas!
Nós respondemos: não, é precisamente para a burguesia que é importante aqui a solução «prática», ao passo que para os operários é importante a separação de princípio das duas tendências. Na medida em que a burguesia da nação oprimida luta contra a opressora, nessa medida nós somos sempre e em todos os casos e mais decididamente que ninguém a favor, pois nós somos os inimigos mais audazes e consequentes da opressão. Na medida em que a burguesia da nação oprimida defende o seu nacionalismo burguês, nós somos contra. Luta contra os privilégios e as violências da nação opressora e nenhuma tolerância para com a aspiração aos privilégios por parte da nação oprimida.
Se não apresentarmos e não defendermos na agitação a palavra de ordem do direito à separação, faremos o jogo não só da burguesia, mas também dos feudais e do absolutismo da nação opressora. Este argumento foi há muito apresentado por Kautsky contra Rosa Luxemburg, e este argumento é irrefutável. Temendo «ajudar» a burguesia nacionalista da Polónia, Rosa Luxemburg, com a sua negação do direito à separação no programa dos marxistas da Rússia, ajuda de facto os cem-negros grão-russos. Ela ajuda de facto o conformismo oportunista com os privilégios (e com coisas piores que os privilégios) dos grão-russos.
Arrebatada pela luta contra o nacionalismo na Polónia, Rosa Luxemburg esqueceu o nacionalismo dos grão-russos, apesar de ser precisamente este o nacionalismo mais perigoso agora, de ser precisamente um nacionalismo menos burguês mas mais feudal, de ele ser precisamente o principal travão para a democracia e a luta proletária. Em todo o nacionalismo burguês de uma nação oprimida há um conteúdo democrático geral contra a opressão, e é exactamente este conteúdo que nós apoiamos incondicionalmente, excluindo rigorosamente a aspiração à sua exclusividade nacional, lutando contra a aspiração do burguês polaco de oprimir o judeu, etc, etc.
Isto é «não prático» do ponto de vista do burguês e do filisteu. Isto é a única política prática e de princípios e que ajuda efectivamente a democracia, a liberdade e a união proletária na questão nacional.
O reconhecimento a todos do direito à separação; a apreciação de cada questão concreta sobre a separação dum ponto de vista que elimine toda a desigualdade de direitos, todo o privilégio, toda a exclusividade.
Tomemos a posição da nação opressora. Pode ser livre um povo que oprime outros povos? Não. Os interesses da liberdade da população(4*) grã-russa exigem a luta contra tal opressão. A longa história, a secular história da repressão dos movimentos das nações oprimidas, a sistemática propaganda de tal repressão por parte das classes «superiores» criaram enormes obstáculos à causa da liberdade do próprio povo grão-russo nos seus preconceitos, etc.
Os cem-negros grão-russos mantêm estes preconceitos conscientemente e atiçam-nos. A burguesia grã-russa conforma-se com eles ou adapta-se a eles. O proletariado grão-russo não pode alcançar os seus objectivos, não pode abrir-se caminho para a liberdade, se não combater sistematicamente estes preconceitos.
A formação de um Estado nacional autónomo e independente continua a ser por enquanto na Rússia um privilégio somente da nação grã-russa. Nós, proletários grão-russos, não defendemos privilégio algum, não defendemos também esse privilégio. Lutamos no terreno do Estado existente, unificamos os operários de todas as nações do Estado existente, não podemos garantir esta ou aquela via de desenvolvimento nacional, caminhamos por todas as vias possíveis para o nosso objectívo de classe.
Mas não se pode caminhar para este objectivo sem lutar contra todo o nacionalismo e sem defender a igualdade das diferentes nações. Se à Ucrânia, por exemplo, está destinada a formação de um Estado independente, isso depende de 1000 factores desconhecidos de antemão. E, não tentando «adivinhar» em vão, defendemos firmemente o que é indubitável: o direito da Ucrânia a tal Estado. Nós respeitamos este direito, não apoiamos os privilégios dos grão-russos sobre os ucranianos, nós educamos as massas no espírito do reconhecimento deste direito, no espírito da negação dos privilégios estatais seja de que nação for.
Nos saltos que viveram todos os países na época das revoluções burguesas, são possíveis e prováveis choques e lutas pelo direito ao Estado nacional. Nós, proletários, declaramo-nos antecipadamente adversários dos privilégios grão-russos e neste sentido conduzimos toda a nossa propaganda e agitação.
Correndo atrás do «praticismo», Rosa Luxemburg deixou escapar a tarefa prática principal tanto do proletariado grão-russo como de qualquer outra nacionalidade: a tarefa da agitação e propaganda quotidiana contra quaisquer privilégios estatais nacionais, pelo direito, direito igual de todas as nações, ao seu Estado nacional; esta tarefa é a nossa tarefa principal (agora) na questão nacional, pois só desta maneira defendemos os interesses da democracia e da união em igualdade de direitos de todos os proletários de toda e qualquer nação.
Não importa que esta propaganda seja «não prática», tanto do ponto de vista dos opressores grão-russos, como do ponto de vista da burguesia das nações oprimidas (tanto uns como outros exigem um sim ou não determinado, acusando os sociais-democratas de «indeterminação»). De facto é precisamente esta propaganda, e só ela, que assegura uma educação verdadeiramente democrática e verdadeiramente socialista das massas. Só tal propaganda garante também as maiores probabilidades de paz nacional na Rússia, se ela continuar a ser um Estado nacionalmente heterogéneo, e a divisão mais pacífica (e menos prejudicial para a luta de classe proletária) em diversos Estados nacionais, se surgir a questão de tal divisão.
Para uma explicação mais concreta desta política, a única proletária na questão nacional, analisaremos a atitude do liberalismo grão-russo em relação à «autodeterminação das nações» e o exemplo da separação da Noruega da Suécia.

4 comentários:

Ana Camarra disse...

CRN

Digamos que nunca quem acha que tem a perder irá fazer um esforço para ser justo e entender as reinvindações de outros.
O pequeno burguês, aquele que tem uma só galinha entende a fome de outros como um roubo da sua propriedade privada.
Não vê tão pouco que afinal é ele que pertence á galinha e não o contrário.

Um pequeno reparo, não leves a mal, isto é numeração romana ou etrusca, IIIV ?

beijos

Anónimo disse...

Ana,
exactamente.

A revolução é hoje.

Ana Camarra disse...

CRN

Corrigido, mas também não era importante a numeração o importante é o resto.

Beijos

Anónimo disse...

Hoje, assim como ontem declaramo-nos adversários dos privilégios econduzimos toda a nossa luta contra os mesmos...
Abraço