(...) Estas duas circunstâncias - de uma parte o fato de que os indianos, como todos os povos orientais, deixaram ao governo central a preocupação com os grandes trabalhos públicos, condição primeira de sua agricultura e de seu comércio, e de outro, de que eles estavam dispersados sobre todo o território do país e reunidos em pequenos centros pelas comunidades semi-agrícolas, semi-artesanais de caráter familiar - estas duas circunstâncias, dizíamos, engendraram, desde os tempos mais remotos, um sistema social muito particular, o dito système de village, que dava a cada uma dessas pequenas comunidades uma organização independente e uma vida distinta. A descrição a seguir, tirada de um velho relatório oficial sobre os assuntos indianos da Câmara dos Comuns inglesa, pode dar uma idéia do caráter particular desse sistema:"Do ponto de vista geográfico uma vila é um espaço de terras aráveis e não cultivadas, compreendendo algumas centenas ou alguns milhares de acres; do ponto de vista político, ela reune uma corporação ou uma paróquia. Encontramos nela habitualmente os seguintes funcionários empregados: o potail, ou síndico, que via de regra, zela pelos negócios da vila, arbitra os litígios entre os habitantes, garante o policiamento e percebe os impostos, funções que sua influência pessoal e o conhecimento minucioso da situação e dos assuntos dos membros lhe tornam o mais qualificado para assumir. O kurnum estabelece o balanço dos trabalhos agrícolas e registra tudo o que se relaciona com a cultura do solo. Vem em seguida o tailler e o totie; o dever do primeiro consiste em reunir as informações concernentes aos crimes e delitos, a acompanhar e proteger as pessoas que viajam de uma vila a outra; a tarefa do segundo parece estar ligada mais diretamente à vila e consiste, entre outras, em zelar por sua colheita e em contribuir para sua evolução. O guarda-fronteiras é preposto da guarda dos limites da vila e faz a deposição em caso de litígio. O preposto das reservas e cursos d'água distribui a água para as necessidades da agricultura. Um brahamane celebra o culto. O mestre escola ensina às crianças da vila a ler e a escrever em pele. Distigue-se ainda o brahamane preposto do calendário ou astrólogo, etc... Estas funções e seus empregados constituem geralmente a administração da vila; mas em certas partes do país eles são menos numerosos, conquanto muitos deveres e funções descritas acima são assumidos por uma só pessoa; em outras, seu número é muito grande. Desde tempos imemoriais os habitantes da vila têm vivido sob esta simples forma de governo municipal. Não alteraram-se senão raramente os limites das vilas; e se bem que estas tenham sido por vezes dominadas e mesmo devastadas pela guerra, pela fome e doenças, os mesmos nomes, os mesmos limites, os mesmos interesses e até as mesmas famílias alí permaneceram durante séculos. Os habitantes não se deixam incomodar pelas quedas e desmembramentos de reinos; contanto que a vila permaneça inteira, pouco lhes importa para qual poder foi transferido ou de qual soberano ele depende; sua economia interior não sofre qualquer mudança. O potail é sempre síndico da vila e continua sua atividade de juiz de paz ou magistrado; o Estado lhe confia diretamente, ou lhe confere a percepção dos impostos."
Estas pequenas formas estereotipadas de organismo social foram dissolvidas na maior parte e estão em vias de desaparecer não tanto por causa da intervenção brutal dos preceptores e soldados britânicos, mas sob a influência da máquina a vapor e do livre comércio ingleses. Estas comunidades familiares baseiam-se na indústria artesanal, aliando de um modo específico a tecelagem, a fiação e a cultura do solo executados a mão, o que lhes assegurava a independência. A intervenção inglesa, estabelecida a partir a fiação em Lancashire e da tecelagem em Bengala, ou mesmo fazendo desaparecer tanto o fianção como a tecelagem indianas, destruiu essas pequenas comunidades semi-bárbaras, semi-civilizadas, destruindo seus fundamentos econômicos e produzindo assim a maior e, na verdade, a única revolução social que jamais teve lugar na Ásia.
Ora, por mais triste que seja do ponto de vista dos sentimentos humanos ver essas miríades de organizações sociais patriarcais, inofensivas e laboriosas se dissolverem, se desagregarem em seus elementos constitutivos e serem reduzidas à miséria, e seus membros perderem ao mesmo tempo sua antiga forma de civilização e seus meios de subsistência tradicionais, não devemos esquecer que essas comunidades villageoisies idílicas, malgrado seu aspecto inofensivo, foram sempre uma fundação sólida do despotismo oriental, que elas retém a razão humana num quadro extremamente estreito, fazendo dela um instrumento dócil da superstição e a escrava de regras admitidas, esvaziando-a de toda grandeza e de toda força histórica. Não devemos esquecer os bárbaros que, apegados egoisticamente ao seu miserável lote de terra, observam com calma a ruina dos impérios, as crueldades sem nome, o massacre da população das grandes cidades, não lhes dedicando mais atenção do que aos fenômenos naturais, sendo eles mesmos vítimas de todo agressor que se dignasse a notá-los. Não devemos esquecer que a vida vegetativa, estagante, indigna, que esse gênero de existência passiva desencadeia, por outra parte e como contragolpe, forças de destruição cegas e selvagens, fazendo da morte um rito religioso no Hindustão. Não devemos esquecer que essas pequenas comunidades carregavam a marca infame das castas e da escravidão, que elas submetiam o homem a circunstâncias exteriores em lugar de fazê-lo rei das circunstâncias, que elas faziam de um estado social em desenvolvimento expontâneo uma fatalidade toda poderosa, origem de um culto grosseiro da natureza cujo caráter degradante se traduzia no fato de que o homem, mestre da natureza, caia de joelhos e adorava Hanumán, o macaco, e Sabbala, a vaca.
É verdade que a Inglaterra, ao provocar uma revolução social no Hidustão, era guiada pelos interesses mais abjectos e agia de uma maneira estúpida para atingir seus objetivos. Mas a questão não é essa. Trata-se de saber se a humanidade pode cumprir seu destino sem uma revolução fundamental na situação social da Ásia. Senão, quaisquer que fossem os crimes da Inglaterra, ela foi um instrumento da História ao provocar esta revolução. Nesse caso, diante de qualquer tristeza que possamos sentir diante do espetáculo do colapso de um mundo antigo, temos o direito de exclamar como Goethe:
Estas pequenas formas estereotipadas de organismo social foram dissolvidas na maior parte e estão em vias de desaparecer não tanto por causa da intervenção brutal dos preceptores e soldados britânicos, mas sob a influência da máquina a vapor e do livre comércio ingleses. Estas comunidades familiares baseiam-se na indústria artesanal, aliando de um modo específico a tecelagem, a fiação e a cultura do solo executados a mão, o que lhes assegurava a independência. A intervenção inglesa, estabelecida a partir a fiação em Lancashire e da tecelagem em Bengala, ou mesmo fazendo desaparecer tanto o fianção como a tecelagem indianas, destruiu essas pequenas comunidades semi-bárbaras, semi-civilizadas, destruindo seus fundamentos econômicos e produzindo assim a maior e, na verdade, a única revolução social que jamais teve lugar na Ásia.
Ora, por mais triste que seja do ponto de vista dos sentimentos humanos ver essas miríades de organizações sociais patriarcais, inofensivas e laboriosas se dissolverem, se desagregarem em seus elementos constitutivos e serem reduzidas à miséria, e seus membros perderem ao mesmo tempo sua antiga forma de civilização e seus meios de subsistência tradicionais, não devemos esquecer que essas comunidades villageoisies idílicas, malgrado seu aspecto inofensivo, foram sempre uma fundação sólida do despotismo oriental, que elas retém a razão humana num quadro extremamente estreito, fazendo dela um instrumento dócil da superstição e a escrava de regras admitidas, esvaziando-a de toda grandeza e de toda força histórica. Não devemos esquecer os bárbaros que, apegados egoisticamente ao seu miserável lote de terra, observam com calma a ruina dos impérios, as crueldades sem nome, o massacre da população das grandes cidades, não lhes dedicando mais atenção do que aos fenômenos naturais, sendo eles mesmos vítimas de todo agressor que se dignasse a notá-los. Não devemos esquecer que a vida vegetativa, estagante, indigna, que esse gênero de existência passiva desencadeia, por outra parte e como contragolpe, forças de destruição cegas e selvagens, fazendo da morte um rito religioso no Hindustão. Não devemos esquecer que essas pequenas comunidades carregavam a marca infame das castas e da escravidão, que elas submetiam o homem a circunstâncias exteriores em lugar de fazê-lo rei das circunstâncias, que elas faziam de um estado social em desenvolvimento expontâneo uma fatalidade toda poderosa, origem de um culto grosseiro da natureza cujo caráter degradante se traduzia no fato de que o homem, mestre da natureza, caia de joelhos e adorava Hanumán, o macaco, e Sabbala, a vaca.
É verdade que a Inglaterra, ao provocar uma revolução social no Hidustão, era guiada pelos interesses mais abjectos e agia de uma maneira estúpida para atingir seus objetivos. Mas a questão não é essa. Trata-se de saber se a humanidade pode cumprir seu destino sem uma revolução fundamental na situação social da Ásia. Senão, quaisquer que fossem os crimes da Inglaterra, ela foi um instrumento da História ao provocar esta revolução. Nesse caso, diante de qualquer tristeza que possamos sentir diante do espetáculo do colapso de um mundo antigo, temos o direito de exclamar como Goethe:
"Deve esta dor nos atormentar já que ela nosso proveito aumenta, o jugo de Timur não consumiu miríades de vidas humanas?"
Karl Marx em 10 de junho de 1853
2 comentários:
CRN
Pronto isto hoje és aos soluços ainda estou no trabalho.
Em 1974 tivemos um mini revolução nos meios de produção, foram nacionalizados os principais sectores produtivos e aplicou-se a velha Lei das Sesmarias, sob a forma de Reforma Ágrária.
Tudo isso foi trucidado.
Hoje onde estamos?
Num país sem produção agricola, Lisnave, Setnave, Siderurgia, CUF, praticamente extintas, o resto entregue a privados, mal gerido na maior parte dos casos.
A banca, a banca ainda é outro filme.
Guarda esta música desse tempo de esperança, era miuda, mas tenho memória.
Outra vez Sérgio Godinho!
Um tractor
quando é usado com amor
com o amor da terra nas rodas
quando é usado para todas
as bocas que dele dependem
quando os que o usam se entendem
para dividir o produto
segundo as necessidades
unindo a máquina ao fruto
unindo o campo às cidades.
Um tractor
dá que fazer ao suor
dos que põem na sementeira
as sementeiras da maneira
como as coisas se farão
e o nome revolução
pode bem ser atribuido
a um tractor assim usado
a um braço assim estendido
entre o futuro e o passado.
Um tractor
trabalha a todo o vapor
quando a gente que o trabalha
não tem nada que lhe valha
a não ser a sua vida
mal amada e mal sofrida
a não ser a sua história
embora de má memória
a não ser a alternativa
que é a vida na cooperativa.
Beijos
Ana,
Num país que mais parece um cercado!
A revolução é hoje!
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