terça-feira, outubro 21, 2008

Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação VII

7. A Decisão do Congresso Internacional de Londres de 1896

Esta decisão diz:
«O Congresso declara que é pelo pleno direito à autodeterminação (Selbstbestimmungs-recht) de todas as nações e exprime as suas simpatias aos operários de todos os países que sofrem actualmente sob o jugo do absolutismo militar, nacional ou outro; o congresso chama os operários de todos estes países a ingressarem nas fileiras dos operários conscientes (Klassenbewusste — conscientes dos interesses da sua classe) do mundo inteiro, para lutar juntamente com eles pela superação do capitalismo internacional e pela realização dos objectivos da social-democracia internacional.»
Como já assinalámos, os nossos oportunistas, senhores Semkóvski, Líbman, Iurkévitch, simplesmente não conhecem esta decisão. Mas Rosa Luxemburg conhece e cita o seu texto completo, no qual figura a mesma expressão que no nosso programa: «autodeterminação».
Pergunta-se como é que Rosa Luxemburg afasta este obstáculo do caminho da sua «original» teoria?
Oh, muito simplesmente: ... o centro de gravidade está aqui na segunda parte da resolução ... o seu carácter declarativo ... só por confusão pode ela invocar-se!!
A insegurança e a confusão da nossa autora são simplesmente impressionantes. Geralmente só os oportunistas indicam o carácter declarativo dos pontos programáticos consequentemente democráticos e socialistas, esquivando-se cobardemente à polémica directa contra eles. Visivelmente, não foi por acaso que desta vez Rosa Luxemburg se encontrou na triste companhia dos senhores Semkóvski, Líbman e Iurkévitch. Rosa Luxemburg não se decide a declarar abertamente se considera a citada resolução justa ou errada. Ela esquiva-se e esconde-se, como que contando com um leitor tão pouco atento e ignorante que esqueça a primeira parte da resolução ao chegar à segunda, ou que nunca tenha ouvido falar dos debates na imprensa socialista antes do Congresso de Londres.
Mas Rosa Luxemburg está muito enganada se imagina que conseguirá, perante os operários conscientes da Rússia, espezinhar tão facilmente uma resolução da Internacional sobre uma importante questão de princípios, sem mesmo se dignar a analisá-la criticamente.
Nos debates antes do Congresso de Londres — principalmente nas páginas da revista dos marxistas alemães Die Neue Zeit — foi expresso o ponto de vista de Rosa Luxemburg, e este ponto de vista sofreu, no fundo, uma derrota perante a Internacional! Eis o fundo da questão, que o leitor russo deve ter especialmente em vista.
Os debates decorreram em torno da questão da independência da Polónia. Foram expressos três pontos de vista:
O ponto de vista dos «fracy», em nome dos quais interveio Hacker. Queriam que a Internacional reconhecesse no seu programa a reivindicação da independência da Polónia. Esta proposta não foi aceite. Este ponto de vista sofreu uma derrota perante a Internacional.
O ponto de vista de Rosa Luxemburg: os socialistas polacos não devem reivindicar a independência da Polónia. Deste ponto de vista nem sequer se podia falar da proclamação do direito das nações à autodeterminação. Este ponto de vista também sofreu uma derrota perante a Internacional.
O ponto de vista, então desenvolvido do modo mais circunstanciado por K. Kautsky, ao intervir contra Rosa Luxemburg e ao demonstrar a extrema «unilateralidade» do seu materialismo. Deste ponto de vista, a Internacional não pode no momento actual incluir no seu programa a independência da Polónia, mas os socialistas polacos — dizia Kautsky - podem plenamente apresentar semelhante reivindicação. Do ponto de vista dos socialistas, é absolutamente errado ignorar as tarefas da libertação nacional numa atmosfera de opressão nacional.
Na resolução da Internacional foram reproduzidas as teses mais essenciais, fundamentaistdeste ponto de vista: por um lado, o reconhecimento absolutamente aberto, e que não deixa lugar a nenhuma distorção, do pleno direito de todas as nações à autodeterminação; por outro lado, uma exortação igualmente inequívoca aos operários para a unidade internacional da sua luta de classe.
Pensamos que esta resolução é plenamente justa e que para os países da Europa Oriental e da Ásia, no início do século XX, é precisamente esta resolução e precisamente a ligação indissolúvel de ambas as partes que dá a única directriz acertada à política proletária de classe na questão nacional.
Detenhamo-nos um pouco mais pormenorizadamente nos três pontos de vista atrás citados.
É sabido que K. Marx e F. Engels consideravam um dever incondicional de toda a democracia europeia ocidental, e mais ainda da social-democracia, apoiar activamente a reivindicação da independência da Polónia. Para a época dos anos 40 e 60 do século passado, a época da revolução burguesa na Áustria e na Alemanha, a época da «reforma camponesa» na Rússia, este ponto de vista era plenamente justo e o único ponto de vista democrático consequente e proletário. Enquanto as massas populares da Rússia e da maioria dos países eslavos estavam ainda mergulhadas num sono profundo, enquanto nestes países não havia movimentos independentes, de massas e democráticos, o movimento libertador senhorial na Polónia adquiria um significado gigantesco, primordial, do ponto de vista da democracia não só de toda a Rússia, não só de todos os países eslavos, mas também de toda a Europa".
Mas se este ponto de vista de Marx era plenamente acertado para o segundo terço ou o terceiro quartel do século XIX, deixou de ser acertado para o século XX. Os movimentos democráticos independentes e mesmo um movimento proletário independente surgiram na maioria dos países eslavos e mesmo num dos países eslavos mais atrasados, a Rússia. A Polónia senhorial desapareceu e cedeu o seu lugar à Polónia capitalista. Em tais condições a Polónia não podia deixar de perder a sua importância revolucionária excepcional.
Se o PPS («Partido Socialista Polaco», os actuais «fracy») tentou em 1896 «perpetuar» o ponto de vista de Marx de outra época, isso significava já utilizar a letra do marxismo contra o espírito do marxismo. Por isso tiveram plena razão os sociais-democratas polacos quando se pronunciaram contra as paixões nacionalistas da pequena burguesia polaca, mostraram o significado secundário da questão nacional para os operários polacos, criaram pela primeira vez um partido puramente proletário na Polónia, proclamaram o princípio da maior importância da mais estreita aliança do operário polaco e do russo na sua luta de classe.
Significava isto, todavia, que a Internacional podia reconhecer no início do século XX como desnecessário para a Europa Oriental e para a Ásia o princípio da autodeterminação política das nações? Do seu direito à separação? Isto seria o maior absurdo, que equivaleria (no plano teórico) a reconhecer como já terminada a transformação democrático-burguesa dos Estados russo, turco, chinês; que equivaleria (no plano prático) ao oportunismo em relação ao absolutismo.
Não. Para a Europa Oriental e para a Ásia, na época das revoluções democrático-burguesas já iniciadas, na época do despertar e da agudização dos movimentos nacionais, na época do surgimento de partidos proletários independentes, a tarefa destes partidos na política nacional deve ser bilateral: o reconhecimento do direito de todas as nações à autodeterminação, pois a transformação democrático-burguesa ainda não terminou, pois a democracia operária defende consequente, séria e sinceramente, não à maneira liberal, não à maneira kokochkinista, a igualdade de direitos das nações — e a aliança mais estreita e indissolúvel da luta de classe dos proletários de todas as nações de um dado Estado em todas e quaisquer peripécias da sua história, com todas e quaisquer modificações das fronteiras dos diferentes Estados pela burguesia.
É precisamente esta dupla tarefa do proletariado que é formulada pela resolução da Internacional de 1896. É precisamente assim, nos seus fundamentos de princípios, a resolução da conferência de Verão de 1913 dos marxistas da Rússia. Há pessoas às quais parece «contraditório» que esta resolução, no seu ponto 4, reconhecendo o direito à autodeterminação, a separação, parece «dar» o máximo ao nacionalismo (de facto, no reconhecimento do direito à autodeterminação de todas as nações há um máximo de democracia e um mínimo de nacionalismo), ao passo que no ponto 5 previne os operários contra as palavras de ordem nacionalistas de qualquer burguesia e exige a unidade e a fusão dos operários de todas as nações em organizações proletárias internacionais únicas. Mas ver nisso uma «contradição» só o podem fazer mentalidades totalmente obtusas, incapazes de compreender, por exemplo, porque é que a unidade e a solidariedade de classe do proletariado sueco e norueguês ganharam quando os operários suecos defenderam a liberdade de separação da Noruega para constituir um Estado independente.

2 comentários:

Ana Camarra disse...

CRN

Pois as meias tintas são coisas sempre muito engraçadas, muito mesmo...
Apesar de não gostar muito de Orwel lá me vem á cabeça a tal frase "Somos todos iguais, mas uns são mais iguais que outros"

Beijos

Mário Pinto disse...

Ana,
A politica, tal e como se vem practicando, é isso mesmo, um cúmulo de meis verdades.

A revolução é hoje!