terça-feira, outubro 21, 2008
Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação V
Vimos que Rosa Luxemburg considera um dos seus principais «trunfos» na luta contra o programa dos marxistas da Rússia o seguinte argumento: o reconhecimento do direito à autodeterminação equivale a apoiar o nacionalismo burguês das nações oprimidas. Por outro lado, diz Rosa Luxemburg, se compreendermos por este direito somente a luta contra qualquer violência em relação às nações, então é desnecessário um ponto especial do programa pois os sociais-democratas em geral são contra toda a violência nacional e desigualdade de direitos.
O primeiro argumento, como indicou irrefutavelmente Kautsky há quase 20 anos, acusa de nacionalismo o inocente em vez do culpado, pois, temendo o nacionalismo da burguesia das nações oprimidas, Rosa Luxemburg faz de facto o jogo do nacionalismo cem-negrista dos grão-russos! 0 segundo argumento é, em essência, uma tímida fuga à questão: o reconhecimento da igualdade de direitos das nações inclui ou não inclui o reconhecimento do direito à separação? Se sim, então significa que Rosa Luxemburg reconhece a justeza de princípio do § 9 do nosso programa. Se não, significa que ela não reconhece a igualdade de direitos das nações. As fugas e subterfúgios de nada servem neste caso!
Entretanto, a melhor verificação dos argumentos acima citados e de todos os argumentos semelhantes é o estudo da atitude para com a questão das diferentes classes da sociedade. Para um marxista tal verificação é obrigatória. É preciso partir do que é objectivo, é preciso considerar as relações mútuas das classes quanto a este ponto. Não fazendo isso, Rosa Luxemburg incorre exactamente no pecado da metafísica e da abstracção, do lugar-comum, da afirmação gratuita, etc, de que ela tenta em vão acusar os seus adversários.
Trata-se do programa dos marxistas da Rússia, isto é, dos marxistas de todas as nacionalidades da Rússia. Não seria conveniente lançar um olhar para a posição das classes dominantes da Rússia?
A posição da «burocracia» (pedimos desculpas pela palavra inexacta) e dos latifundiários feudais do tipo da nobreza unificada[N317] é por todos conhecida. Negação incondicional tanto da igualdade de direitos das nacionalidades como do direito à autodeterminação. A velha palavra de ordem tomada dos tempos do regime de servidão: autocracia, ortodoxia, espírito nacional, entendendo por nação apenas a grã-russa. Até os ucranianos foram declarados «alógenos», até a sua língua materna é perseguida.
Lancemos um olhar para a burguesia da Rússia, «chamada» a participar — bastante modestamente, é verdade, mas mesmo assim participar — no poder, no sistema legislativo e de administração do «3 de Junho»[N318]. Que os outubristas seguem de facto as direitas nesta questão, sobre isso não é preciso gastar muitas palavras. Infelizmente, alguns marxistas dedicam muito menos atenção à posição da burguesia liberal grã-russa, dos progressistas[N319] e dos democratas-constitucionalistas. Entretanto, quem não estudar esta posição e não meditar sobre ela, incorrerá inevitavelmente no pecado de abstracção e de gratuidade na discussão do direito das nações à autodeterminação.
No ano passado, a polémica do Pravda com o Retch[N320] obrigou este órgão principal do partido democrata-constitucionalista, que é tão hábil na fuga diplomática à resposta directa às questões «desagradáveis», a fazer mesmo assim algumas valiosas confissões. Armou-se a discussão em volta do congresso estudantil de toda a Ucrânia em Lvov no Verão de 1913. O «ucranólogo» encartado ou colaborador ucraniano do Retch, senhor Moguiliánski, publicou um artigo em que cobria com as mais selectas injúrias («delírio», «aventureirismo», etc.) a ideia da separação da Ucrânia, idéia pela qual pugnou o nacional-social Dontsov e que foi aprovada pelo citado congresso.
O jornal Rabótchaia Pravda, sem se solidarizar de modo nenhum com o senhor Dontsov, dizendo abertamente que ele era nacional-social e que muitos marxistas ucranianos não estavam de acordo com ele, declarou, entretanto, que o tom do Retch, ou melhor a colocação de princípio da questão pelo Retch, é absolutamente indecente, inadmissível para um democrata grão-russo ou para uma pessoa que quer passar por democrata(5*). Pode o Retch refutar directamente os senhores Dontsov, mas é inadmissível por princípio que um órgão grão-russo pretensamente da democracia esqueça a liberdade de separação, o direito à separação.
Alguns meses depois o senhor Moguiliánski publicou «explicações» no n.° 331 do Retch, ao saber através do jornal ucraniano de Lvov, Chliákhi [N321] das objecções do senhor Dontsov, o qual, entre outras coisas, assinalou que o «ataque chauvinista do Retch só foi devidamente manchado (estigmatizado?) pela imprensa social-democrata russa». As «explicações» do senhor Moguiliánski consistiram em que ele repetiu por três vezes: «A crítica das receitas do senhor Dontsov» «não tem nada de comum com a negação do direito das nações à autodeterminação».
«Deve dizer-se — escrevia o senhor Moguiliánski —, que também o direito à autodeterminação não é uma espécie de feitiço (ouçam!!) que não admite crítica: as condições malsãs de vida da nação podem gerar tendências malsãs na autodeterminação nacional, e revelar estas últimas não significa ainda negar o direito das nações à autodeterminação.»
Como vedes, as frases dum liberal em relação ao «feitiço» estavam plenamente dentro do espírito das frases de Rosa Luxemburg. Era evidente que o senhor Moguiliánski queria esquivar-se a uma resposta directa à pergunta: reconhece ele ou não o direito à autodeterminação política, isto é, à separação?
E o Proletárskaia Pravda (n.° 4 de 11 de Dezembro de 1913) fez esta pergunta à queima-roupa tanto ao senhor Moguiliánski como ao partido democrata-constitucionalista(6*).
O jornal Retch publicou então (n.° 340) uma declaração sem assinatura, isto é, oficial, da redacção, que dava uma resposta a esta pergunta. Esta resposta reduz-se a três pontos:
No §11 do programa do partido democrata-constitucionalista fala-se directa, precisa e claramente sobre o «direito à livre autodeterminação cultural» das nações.
O Proletárskaia Pravda, segundo assegura o Retch, «confunde irremediavelmente» a autodeterminação com o separatismo, com a separação desta ou daquela nação.
«Efectivamente, os democratas-constitucionalistas nunca tomaram a defesa do direito à 'separação das nações' do Estado russo». (Ver o artigo O Nacional-Liberalismo e o Direito das Nações à Autodeterminação no Proletárskaia Pravda n.° 12, de 20 de Dezembro de 1913(7*).
Voltemos em primeiro lugar a nossa atenção para o segundo ponto da declaração do Retch. Como ele mostra com evidência aos senhores Semkóvski, Líbman, Iurkévitch e outros oportunistas, que os seus gritos e rumores a propósito da «falta de clareza» ou «imprecisão» do sentido da «autodeterminação» representam de facto, isto é, segundo a correlação objectiva das classes e da luta de classes na Rússia, uma simples repetição dos discursos da burguesia liberal-monárquica!
Quando o Proletárskaia Pravda fez aos esclarecidos senhores «democratas-constitucionalistas» do Retch três perguntas: 1) negam eles que em toda a história da democracia internacional, especialmente desde meados do século XIX, se entende por autodeterminação das nações precisamente a autodeterminação política, o direito à formação de um Estado nacional independente? 2) negam eles que a conhecida decisão do congresso socialista internacional de Londres de 1896 tem o mesmo sentido? e 3) que Plekhánov, que já em 1902 escrevia sobre a autodeterminação, entendia por isso precisamente a autodeterminação política? — quando o Proletárskaia Pravda fez estas três perguntas, os senhores democratas-constitucionalistas guardaram silêncio!!
Não responderam nem uma palavra porque nada tinham a responder. Tiveram de reconhecer em silêncio que o Proletárskaia Pravda tinha incondicionalmente razão.
Os gritos dos liberais a propósito do tema da falta de clareza do conceito de «autodeterminação», da sua «irremediável confusão» com o separatismo entre os sociais-democratas não é senão o desejo de embrulhar a questão, fugir ao reconhecimento do princípio geralmente estabelecido pela democracia. Se os senhores Semkóvskí, Líbman e Iurkévitch não fossem tão ignorantes, teriam tido vergonha de se apresentarem diante dos operários num espírito liberal.
Mas prossigamos. O Proletárskaia Pravda obrigou o Retch a reconhecer que as palavras sobre a autodeterminação «cultural» têm no programa dos democratas-constitucionalistas precisamente o sentido de negação da autodeterminação política.
«Os democratas-constitucionalistas, com efeito, nunca tomaram a defesa do direito à 'separação das nações' do Estado russo» — não foi em vão que o Proletárskaia Pravda recomendou aqui estas palavras doRetch ao Nóvoie Vrémia[N322] e ao Zémchtchina[N323], como modelo da «lealdade» dos nossos democratas-constitucionalistas. O jornal Nóvoie Vrêmia no nº 13.563, não perdendo, naturalmente, a oportunidade de mencionar os «judeus» e de dizer toda a espécie de palavras mordazes aos democratas-constitucionalistas, declarou contudo:
«O que para os sociais-democratas constitui um axioma de sabedoria política» (isto é, o reconhecimento do direito das nações à autodeterminação, à separação), «hoje em dia começa a provocar divergências mesmo entre os democratas-constitucionalistas.»
Os democratas-constitucionalistas adoptaram por princípio uma posição totalmente idêntica à do Nóvoie Vrémia, declarando que «nunca tomaram a defesa do direito de separação das nações do Estado russo». Nisto consiste uma das bases do nacional-liberalismo dos democratas-constitucionalistas, da sua afinidade com os Purichkévitch, da sua dependência político-ideológica e político-prátíca em relação a estes últimos. «Os senhores democratas-constitucionalistas estudaram história, escrevia o Proletárskaia Pravda, e sabem perfeitamente a que acções «pogromóides», para dizê-lo suavemente, conduziu muitas vezes na prática a aplicação do tradicional direito dos Purichkévitch de «agarrar e não largar»[N324]. Embora conhecendo perfeitamente a fonte e o carácter feudal da omnipotência dos Purichkévitch, os democratas-constitucionalistas colocam-se contudo inteiramente no terreno das relações e fronteiras criadas precisamente por esta classe. Embora sabendo perfeitamente quanto há de não europeu, de anti-europeu (de asiático, diríamos nós, se isso não soasse como um desprezo imerecido pelos japoneses e chineses) nas relações e nas fronteiras, criadas ou determinadas por esta classe, os senhores democratas-constitucionalistas reconhecem-nas como um limite que não pode ser ultrapassado.
Isto é justamente adaptação aos Purichkévitch, servilismo diante destes, medo de abalar a sua posição, defesa deles contra o movimento popular, contra a democracia. «Isto significa de facto, escrevia o Proletárskaia Pravda, adaptação aos interesses dos feudais e aos piores preconceitos nacionalistas da nação dominante, em vez de líutar sistematicamente contra estes preconceitos».
Como pessoas que conhecem a história e com pretensões de democracia, os democratas-constitucionalistas nem sequer tentam afirmar que o movimento democrático, que caracteriza nos nossos dias tanto a Europa Oriental como a Ásia, procurando transformar tanto uma como outra segundo o modelo dos países civilizados, capitalistas — que este movimento deve deixar obrigatoriamente intactas as fronteiras determinadas pela época feudal, época da omnipotência dos Purichkévitch e da falta de direitos das largas camadas da burguesia e da pequena burguesia.
Que a questão levantada pela polémica do Proletárskaia Pravda com o Retch não foi de forma alguma uma questão meramente literária, mas uma questão de efectiva actualidade política, foi o que demonstrou, entre outras coisas, a última conferência do partido democrata-constitucionalista de 23-25 de Março de 1914. No relatório oficial do Retch (n.° 83, de 26 de Março de 1914) sobre esta conferência lemos:
«As questões nacionais foram debatidas também com especial vivacidade. Os deputados de Kíev, aos quais aderiram N. V. Nekrássov e A. M. Koliubákine, indicaram que a questão nacional é um grande factor em amadurecimento, que nós devemos encarar mais decididamente do que até agora. F. F. Kokóchkine indicou contudo» (é este mesmo 'contudo' que corresponde ao 'mas' de Chtchédrine: 'as orelhas não crescem mais alto do que a testa, não crescem'), "que tanto o programa como a experiência política anterior exigem um tratamento muito cuidadoso das 'fórmulas elásticas' da 'autodeterminação política das nacionalidades'.»
Este raciocínio extremamente notável na conferência dos democratas-constitucionalistas merece a maior atenção de todos os marxistas e de todos os democratas. (Assinalemos entre parêntesis que o Kíevskaia Misl[N325], pelos vistos, muito bem informado e, indubitavelmente, transmitindo correctamente os pensamentos do senhor Kokóchkine, acrescentou que ele apresentou de modo especial, naturalmente como advertência aos seus opositores, a ameaça de «desagregação» do Estado.)
O relatório oficial do Retch foi elaborado com virtuosismo diplomático para levantar o menos possível a cortina, para ocultar o mais possível. Mas mesmo assim, nos traços fundamentais é claro o que aconteceu na conferência dos democratas-constitucionalístas. Os delegados, burgueses liberais, que conhecem o estado de coisas na Ucrânia, e os democratas-constitucionaiistas de «esquerda», colocaram a questão precisamente da autodeterminação política das nações. Caso contrário o senhor Kokóchkine não teria necessidade de aconselhar um «tratamento cuidadoso» com esta «fórmula».
No programa dos democratas-constitucionalistas, que, evidentemente, era conhecido pelos delegados à conferência, figura precisamente não a autodeterminação política, mas a «cultural». Isto significa que o senhor Kokóchkine defendia o programa contra os delegados da Ucrânia, contra os democratas-constitucionalistas de esquerda, defendia a autodeterminação «cultural» contra a «política». É perfeitamente evidente que, rebelando-se contra a autodeterminação «política», apresentando a ameaça da «desagregação do Estado», chamando «elástica» (completamente no espírito de Rosa Luxemburg!) à fórmula da «autodeterminação política», o senhor Kokóchkine defendia o nacional-liberalismo grão-russo contra os elementos mais «de esquerda» ou mais democráticos do partido dos democratas-constitucionalistas e contra a burguesia ucraniana.
O senhor Kokóchkine venceu na conferência dos democratas-constitucionalistas, como se pode ver pela traiçoeira palavrinha «contudo» no relatório do Retch. O nadonal-liberalismo grão-russo triunfou entre os democratas-constitucionalistas. Não ajudará esta vitória a esclarecer as mentes dos elementos desrazoáveis entre os marxistas da Rússia, que também começaram a temer, após os democratas-constitucionaíistas, as «fórmulas elásticas da autodeterminação política das nacionalidades»?
Vejamos, «contudo», indo ao fundo das coisas, o curso dos pensamentos do senhor Kokóchkine. Referindo-se à «experiência política anterior» (isto é, evidentemente à experiência do ano de 1905, quando a burguesia grã-russa temeu pelos seus privilégios nacionais e atemorizou com o seu temor o partido democrata-constitucionalísta), apresentando a ameaça da «desagregação do Estado», o senhor Kokóchkine mostrou que compreendia perfeitamente o facto de que a autodeterminação política não pode significar outra coisa que o direito à separação e à formação de um Estado nacional independente. Pergunta-se como se deve considerar estes receios do senhor Kokóchkine do ponto de vista da democracia, em geral, e do ponto de vista da luta de classe proletária, em particular?
O senhor Kokóchkine quer convencer-nos de que o reconhecimento do direito à separação aumenta o perigo de «desagregação do Estado». Isso é o ponto de vista do polícia Mimretsov com o seu lema «agarrar e não largar». Do ponto de vista da democracia em geral é exactamente ao contrário: o reconhecimento do direito à separação reduz o perigo de «desagregação do Estado».
O senhor Kokóchkine raciocina plenamente no espírito dos nacionalistas. No seu último congresso eles fulminaram os ucranianos «mazepistas»[N326]. O movimento ucraniano — exclamaram o senhor Savenko e C.a — ameaça enfraquecer os laços da Ucrânia com a Rússia, pois a Áustria reforça com o seu ucraniofilismo os laços dos ucranianos com a Áustria!! Permanecia inexplicado porque é que a Rússia não pode tentar «reforçar» os laços dos ucranianos com a Rússia pelo mesmo método de que os senhores Savenko acusam a Áustria, isto é, com a concessão aos ucranianos da liberdade de usar a língua materna, da autonomia administrativa da Dieta autónoma, etc?
Os raciocínios dos senhores Savenko e Kokóchkine são absolutamente idênticos e igualmente ridículos e absurdos no aspecto puramente lógico. Não é claro que quanto mais liberdade tiver a nacionalidade ucraniana neste ou naquele país tanto mais fortes serão os laços desta nacionalidade com esse país? Parece que não se pode discutir esta verdade elementar a menos que se rompa decididamente com todas as premissas da democracia. E poderá haver uma maior liberdade para uma nacionalidade como tal do que a liberdade de separação, a liberdade de formação dum Estado nacional independente?
Para aclarar ainda mais esta questão embrulhada pelos liberais (e por aqueles que lhes fazem eco por insensatez) citaremos o exemplo mais simples. Vejamos a questão do divórcio. Rosa Luxemburg escreve no seu artigo que o Estado democrático centralizado, ao mesmo tempo que admite plenamente a autonomia de partes separadas, deve deixar na competência do parlamento central todos os ramos mais importantes da legislação, e, entre outras coisas, a legislação sobre o divórcio. Esta preocupação por que o poder central do Estado democrático garanta a liberdade de divórcio é plenamente compreensível. Os reaccionários são contra a liberdade de divórcio, aconselhando um «tratamento cuidadoso» dela e gritando que ela significa a «desagregação da família». E a democracia considera que os reaccionários são hipócritas, defendendo de facto a omnipotência da polícia e da burocracia, os privilégios de um dos sexos e a pior opressão da mulher; que de facto a liberdade de divórcio significa não a «desagregação» dos laços familiares, mas, ao contrário, o seu fortalecimento em bases democráticas, as únicas possíveis e estáveis na sociedade civilizada.
Acusar os partidários da liberdade de autodeterminação, isto é, da liberdade de separação, de estimular o separatismo é tão absurdo e hipócrita como acusar os partidários da liberdade de divórcio de estimular a destruição dos laços familiares. Do mesmo modo que na sociedade burguesa se pronunciam contra a liberdade de divórcio os defensores dos privilégios e da venalidade em que assenta o matrimónio burguês, também no Estado capitalista a negação da liberdade de autodeterminação, isto é, de separação das nações, significa apenas a defesa dos privilégios da nação dominante e dos métodos policiais de administração em detrimento dos democráticos.
Não há dúvida de que a politiquice gerada por todas as relações da sociedade capitalista gera às vezes uma tagarelice extremamente frívola e até simplesmente absurda de parlamentares ou de publicistas sobre a separação desta ou daquela nação. Mas só os reaccionários podem deixar-se amedrontar (ou fingir que estão amedrontados) com semelhante tagarelice. Quem se mantém no ponto de vista da democracia, isto é, da solução das questões de Estado pela massa da população, sabe perfeitamente que entre a tagarelice dos politiqueiros e a solução de massas «vai uma enorme distância»[N327]. As massas da população sabem perfeitamente, pela experiência quotidiana, qual o significado dos laços geográficos e económicos, as vantagens de um grande mercado e de um grande Estado, e só irão para a separação quando o jugo nacional e os atritos nacionais fizerem a vida em comum absolutamente insuportável, entravarem todas e quaisquer relações económicas. E em semelhante caso os interesses do desenvolvimento capitalista e da liberdade da luta de classes estarão precisamente ao lado dos que se separam.
Assim, seja qual for o lado de que se abordem os raciocínios do senhor Kokóchkine, eles revelam-se o cúmulo do absurdo e uma troça dos princípios da democracia. Mas nestes raciocínios existe uma determinada lógica; é a lógica dos interesses de classe da burguesia grã-russa. O senhor Kokóchkine, tal como a maioria no partido dos democratas-constitucionalistas, é um lacaio do saco de dinheiro desta burguesia. Ele defende os privilégios dela em geral, os seus privilégios estatais em particular, defende-os juntamente com Purichkévitch, a seu lado; só que Purichkévitch acredita mais no cacete da servidão, enquanto Kokóchkine e C.a vêem que este cacete foi fortemente danificado pelo ano de 1905, e confiam mais nos meios burgueses de enganar as massas, por exemplo, em amedrontar os pequeno-burgueses e os camponeses com o espectro da «desagregação do Estado», em enganá-los com frases sobre a ligação da «liberdade popular» com os pilares históricos, etc.
O real significado de classe da hostilidade liberal em relação ao princípio da autodeterminação política das nações é um e só um: o nacional-liberalismo, a salvaguarda dos privilégios estatais da burguesia grã-russa. E os oportunistas da Rússia entre os marxistas, que precisamente agora, na época do sistema de três de Junho, se lançaram contra o direito das nações a autodeterminação, todos estes — o líquidacionista Semkóvski, o bundista Líbman, o pequeno-burguês ucraniano Iurkévitch — de facto se arrastam simplesmente na cauda do nacional-liberalismo, corrompem a classe operaria com as idéias nacionais-liberais.
Os interesses da classe operária e da sua luta contra o capitalismo exigem a plena solidariedade e a mais estreita unidade dos operários de todas as nações, exigem a resistência à política nacionalista da burguesia de qualquer nacionalidade. Por isso seria fugir às tarefas da política proletária e subordinar os operários à política burguesa tanto se os sociais-democratas passassem a negar o direito à autodeterminação, isto é, o direito à separação das nações oprimidas, como se os sociais-democratas começassem a apoiar todas as reivindicações nacionais da burguesia das nações oprimidas. Ao trabalhador assalariado tanto faz que o seu principal explorador seja a burguesia grã-russa de preferência à alógena ou a polaca de preferência à judaica, etc. O trabalhador assalariado, consciente dos interesses da sua classe, é indiferente tanto aos privilégios estatais dos capitalistas grão-russos como às promessas dos capitalistas polacos ou ucranianos de que será instaurado o paraíso na Terra quando eles dispuserem dos privilégios estatais. O desenvolvimento do capitalismo vai e irá avante, de uma forma ou de outra, tanto no Estado uno heterogéneo como nos Estados nacionais separados.
Em todo o caso o operário assalariado continuará a ser objecto de exploração, e a luta com êxito contra ela exige a independência do proletariado em relação ao nacionalismo, a completa neutralidade, por assim dizer, dos proletários na luta da burguesia de diferentes nações pela supremacia. O mínimo apoio por parte do proletariado de uma qualquer nação aos privilégios da «sua» burguesia nacional provocará inevitavelmente a desconfiança do proletariado de outra nação, enfraquecerá a solidariedade internacional de classe dos operários e dividi-los-á para regozijo da burguesia. E a negação do direito à autodeterminação, ou à separação, significará inevitavelmente na prática o apoio aos privilégios da nação dominante.
Podemos convencer-nos disso de modo ainda mais evidente se tomarmos o exemplo concreto da separação da Noruega da Suécia.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
Caro CRN,...ás vezes sinto-me abatido momentâneamente, eu sei que a nossa pequena comunidade e muitos mais felizmente votarão na CDU mas quando viajo por sites de opinião nacionais como o Expresso e o Público e vejo pessoas que me parecem cultas estarem declaramente ao lado do modelo neo-liberal e afrontarem e atacarem tudo o que é progressista e declarações óbvias e lúcidas de progressistas, sinto-me triste e fico a pensar como estes sacanas neofascistas se apoderaram das pessoas e conseguem retirar-lhes não só os seus bens como a sua consciência e a sua liberdade.
Desculpa o desabafo e um abraço revolucionário Hoje e Sempre.!!
CRN
“…se compreendermos por este direito somente a luta contra qualquer violência em relação às nações, então é desnecessário um ponto especial do programa pois os sociais-democratas em geral são contra toda a violência nacional e desigualdade de direitos.”
Infelizmente a prática mostra que nem sempre é assim.
As guerras, as agressões, as intervenções militares cirúrgicas desde que feitas longe do país, não incomodam.
A desigualdade de direitos tem primazia nos estados ditos sociais-democratas.
Nem vou explanar mais, está tudo dito, por ti e bem, aqui.
Fica aqui Sérgio Godinho, para mim encaixa.
“Quatro rodas tem o carro (não tem? lá isso tem)
três pèzinhos tem o banco (não tem? lá isso tem)
dois olhinhos tem o cego
quando anda a fazer que é manco
O fascismo é uma minhoca (não é? lá isso é)
que se infiltra na maçã (não é? lá isso é)
ou vem com botas cardadas
ou com pèzinhos de lã
O mandão é que põe e dispõe
mas o povo é que manda no povo
ai isso é claro, claro
mais claro que a clara dum ovo
Há quem mande obedecer (não há? lá isso há)
há quem disso se encarregue (não há? lá isso há)
e também há quem não tenha
ponta pr´onde se lhe pegue
Há partidos de direita (não há? lá isso há)
que põem sempre a bola ao centro (não é? lá isso é)
mas quem melhor os fintar
é que vai marcar o tento
O mandão é que põe e dispõe
mas o povo é que manda no povo
ai isso é claro, claro
mais claro que a clara dum ovo
É da gente da nossa terra (não é? lá isso é)
é da terra a nossa gente (não é? lá isso é)
de Trás-os-Montes ao Algarve
das ilhas ao Continente
e é estranho que haja p´ra quem
isto não seja evidente
O mandão é que põe e dispõe
mas o povo é que manda no povo
ai isso é claro, claro
mais claro que a clara dum ovo”
Beijos
Mugabe,
A luta continua!
A revolução é hoje!
Ana,
"Há quem mande obedecer (não há? lá isso há)
há quem disso se encarregue (não há? lá isso há)
e também há quem não tenha
ponta pr´onde se lhe pegue"
A revolução é hoje!
Enviar um comentário