sábado, dezembro 27, 2008
O Estado e a Revolução IV
Marx continua:
Em uma fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a escravizante subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, os antagonismos entre o trabalho manual e o trabalho intelectual; quando o trabalho se tiver tornado não só um meio de vida, mas também a primeira necessidade da existência; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos, em todos os sentidos, as forças produtoras forem crescendo, e todas as fontes da riqueza pública jorrarem abundantemente, só então, o estreito horizonte do direito burguês será completamente ultrapassado e a sociedade poderá inscrever na sua bandeira: "De cada um conforme a sua capacidade, a cada um segundo as suas necessidades ".
Agora é que podemos apreciar toda a justeza das observações de Engels, quando cobre de impiedosos sarcasmos esse absurdo emparelhamento das palavras "liberdade" e "Estado". Enquanto existir Estado, não haverá liberdade; quando reinar a liberdade, não haverá mais Estado.
A condição econômica da extinção completa do Estado é o comunismo elevado a tal grau de desenvolvimento que toda oposição entre o trabalho intelectual e o trabalho físico desaparecerá, desaparecendo, portanto, uma das principais fontes de desigualdade social contemporânea, fonte que a simples socialização dos meios de produção, a simples expropriação dos capitalistas é absolutamente impotente para fazer secar de um golpe.
Essa expropriação tornará possível uma expansão das forças produtoras. Vendo, desde já, o quanto o capitalismo entrava essa expansão, e quanto progresso se poderia realizar, graças à técnica moderna já alcançada, estamos no direito de afirmar, com uma certeza absoluta, que a expropriação dos capitalistas dará infalivelmente um prodigioso impulso às forças produtoras da sociedade humana. Mas, qual será o ritmo desse movimento, em que momento romperá ele com a divisão do trabalho, abolirá a oposição entre o trabalho intelectual e o trabalho físico e fará do primeiro "a primeira necessidade da existência", não o sabemos nem o podemos saber.
Assim, não temos o direito de falar senão do definhamento inevitável do Estado, acentuando que a duração desse processo depende do ritmo com que se desenrolar a fase superior do comunismo. A questão do momento e das formas concretas desse definhamento continua aberta, pois que não temos dados que nos permitam resolvê-la.
O Estado poderá desaparecer completamente quando a sociedade tiver realizado o princípio: "De cada um conforme a sua capacidade, a cada um segundo as suas necessidades", isto é, quando se estiver tão habituado a observar as regras primordiais da vida social e o trabalho se tiver tornado tão produtivo, que toda a gente trabalhará voluntariamente, conforme a sua capacidade. "O estreito horizonte do direito burguês - com os seus cálculos à Shylock: "Por acaso, não terei trabalhado mais meia hora que o meu vizinho? O meu vizinho não terá recebido salário maior do que o meu?" - esse estreito horizonte será então ultrapassado. A repartição dos produtos não mais exigirá que a sociedade destine a cada um a parte de produtos que lhe cabe. Cada um será livre de ter "segundo as suas necessidades ".
Do ponto de vista burguês, é fácil chamar de "pura utopia" um tal regime social e escarnecer malignamente dos socialistas que prometem a cada um, sem qualquer controle do seu trabalho, tanto quanto quiser de trufas, de automóveis, de pianos, etc. É com zombarias malignas dessa espécie que ainda hoje se sai de apuros a maioria dos "sábios" burgueses que não fazem com isso senão mostrar a sua ignorância e a sua devoção interesseira pelo capitalismo.
A sua ignorância, sim, pois que nem um só socialista se lembrou de "profetizar" o advento da fase superior do comunismo. Quando os grandes teóricos do comunismo a prevêem, é que supõem uma produtividade do trabalho muito diferente da de hoje, assim como um homem muito diferente do de hoje, muito capaz, como os seminaristas de Pornialovski, de desperdiçar, a torto e a direito, as riquezas públicas e de exigir o impossível.
Até essa fase "superior" do comunismo, os socialistas reclamam, da sociedade e do Estado, a fiscalização rigorosa do trabalho fornecido e do consumo; mas, essa fiscalização deve começar pela expropriação dos capitalistas e ser exercida pelo Estado dos operários e não pelo Estado dos funcionários.
A defesa interesseira do capitalismo pelos ideólogos burgueses (e sua camarilha, gênero Tseretelli, Tchernov & Cia.) consiste precisamente em escamotear, com discussões e frases sobre um futuro longínquo, a questão essencial da política de hoje: a expropriação dos capitalistas, a transformação de todos os cidadãos em trabalhadores, empregados de um mesmo grande "sindicato de produção", o Estado, e a inteira subordinação de todo o trabalho desse sindicato a um Estado verdadeiramente democrático, o Estado dos Sovietes dos deputados operários e soldados.
No fundo, quando um sábio professor, e atrás dele o bom público, e com eles Tchernov e Tseretelli, denunciam as insensatas utopias e as promessas demagógicas dos bolcheviques, e declaram impossíveis "instauração" do socialismo, o que eles têm em vista é precisamente essa fase superior do comunismo, que ninguém nunca prometeu, como nunca mesmo sonhou em "instaurar", pela razão de que isso é impossível.
Abordamos aqui a questão da distinção científica entre o socialismo e o comunismo, questão tocada por Engels na passagem precedentemente citada sobre a impropriedade do nome de "social-democrata". Na política, a diferença entre a primeira e a segunda fase do comunismo tornar-se-á, com o tempo, sem dúvida, considerável, mas, atualmente, em regime capitalista, seria ridículo fazer caso dela, e só alguns anarquistas é que podem colocá-la em primeiro plano (se é que ainda existem, entre os anarquistas, pessoas a quem nada ensinou a metamorfose, "à maneira de Plekhanov ", dos Kropotkine, dos Grave, dos Cornelissen e outros ases do anarquismo em social-patriotas ou em anarco-trincheiristas, conforme a expressão de Gay, um dos ratos anarquistas que conservaram a honra e a consciência).
Mas a diferença entre o socialismo e o comunismo é clara. Ao que se costuma chamar socialismo Marx chamou a "primeira" fase ou fase inferior da sociedade comunista. Na medida em que os meios de produção se tornam propriedade comum, pode aplicar-se a palavra "comunismo", contanto que não se esqueça que é esse um comunismo incompleto. O grande mérito da exposição de Marx é também continuar fiel à dialética materialista e à teoria da evolução, considerando o comunismo como alguma coisa que nasce do capitalismo, por via de desenvolvimento. Em lugar de se apegar a definições escolásticas, artificiais e imaginárias, a estéreis questões de palavras (que é o socialismo? que é o comunismo?), Marx analisa o que se poderia chamar de graus da maturidade econômica do comunismo.
Na sua primeira fase, no seu primeiro estágio, o comunismo não pode, economicamente, estar em plena maturação, completamente libertado das tradições ou dos vestígios do capitalismo. Daí, esse fato interessante de se continuar prisioneiro do "estreito horizonte do direito burguês". O direito burguês, no que concerne à repartição, pressupõe, evidentemente, um Estado burguês, pois o direito não é nada sem um aparelho capaz de impor a observação de suas normas.
Segue-se que, durante um certo tempo, não só o direito burguês, mais ainda o Estado burguês, sem burguesia, subsistem em regime comunista!
Pode parecer que isso seja um paradoxo ou um simples quebra-cabeça, e esta censura é freqüentemente feita ao marxismo por pessoas que nunca se deram ao trabalho de estudar, por pouco que fosse, a sua substância extraordinariamente profunda.
Mas, a vida nos mostra a cada passo, na natureza e na sociedade, que os vestígios do passado subsistem no presente. Não foi arbitrariamente que Marx introduziu um pouco de "direito burguês" no comunismo; ele não fez mais do que constatar o que, econômica e politicamente, é inevitável numa sociedade saída do capitalismo.
A democracia tem uma enorme importância na luta da classe operária por sua emancipação, mas, a democracia não é um limite que não possa ser ultrapassado, é sim uma etapa no caminho que vai do feudalismo ao capitalismo e do capitalismo ao comunismo.
Democracia implica igualdade. Compreende-se a importância da luta do proletariado pela igualdade e pelo próprio princípio de igualdade, contanto que sejam compreendidos como convém, no sentido da supressão das classes. Mas, democracia quer dizer apenas igualdade formal. E, logo após a realização da igualdade de todos os membros da sociedade quanto ao gozo dos meios de produção, isto é, a igualdade do trabalho e do salário, erguer-se-á, então, fatalmente, perante a humanidade, o problema do progresso seguinte, o problema da passagem da igualdade formal à igualdade real baseada no princípio: "De cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo as suas necessidades". Por que etapas, por que medidas práticas a humanidade atingirá esse objetivo ideal, não o sabemos nem podemos sabê-lo. Mas, o que importa é ver a imensa mentira contida na idéia burguesa de que o socialismo é alguma coisa de morto, de rígido, de estabelecido de uma vez por todas, quando, na realidade, só o socialismo porá em marcha, em ritmo acelerado, a maioria da população, primeiro, e depois, a população inteira, em todos os domínios da vida coletiva e da vida privada.
A democracia é uma das formas, uma das variantes do Estado. Por conseqüência, como todo Estado, ela é o exercício organizado, sistemático, da coação sobre os homens. Isso, por um lado. Mas, por outra parte, é ela o reconhecimento formal da igualdade entre os cidadãos, do direito igual de todos em determinar a forma do Estado e administrá-lo. Segue-se que, a certa altura do seu desenvolvimento, a democracia levanta, logo de início, contra o capitalismo, a classe revolucionária do proletariado e lhe fornece os meios de quebrar, de reduzir a migalhas, de aniquilar a máquina burguesa do Estado, mesmo republicano, o exército permanente, a polícia, o funcionalismo, e de substituir tudo isso por uma máquina mais democrática, mas que nem por isso é menos uma máquina de Estado, constituída pelas massas operárias armadas, preparando a organização de todo o povo em milícias.
Aqui, "a quantidade se transforma em qualidade": chegada a esse grau, a democracia sai dos quadros da sociedade burguesa e começa a evoluir para o socialismo. Se todos os homens tomam realmente parte na gestão do Estado, o capitalismo não pode mais manter-se. Ora, o desenvolvimento do capitalismo cria as premissas necessárias para que "todos possam, de fato, tomar parte na gestão do Estado ". Essas premissas são, entre outras, a instrução universal, já realizada na maior parte dos países capitalistas avançados, e, depois, "a educação e a disciplina" de milhões de operários pelo imenso aparelho, complicado e já socializado, do correio, das estradas de ferro, das grandes fábricas, do grande comércio, dos Bancos, etc., etc.
Com tais premissas econômicas, é totalmente impossível derrubar, de um dia para o outro, os capitalistas e os funcionários, e substituí-los, no controle da produção e da repartição, no recenseamento do trabalho e dos produtos, pelos operários armados, pelo povo inteiro em armas. (É preciso não confundir a questão do controle e do recenseamento com a questão do pessoal técnico, engenheiros, agrônomos, etc.: esses senhores trabalham, hoje, sob as ordens dos capitalistas; trabalharão melhor ainda sob as ordens dos operários armados).
Recenseamento e controle, eis as principais condições necessárias ao funcionamento regular da sociedade comunista na sua Primeira fase. Todos os cidadãos se transformam em empregados assalariados do Estado, personificado, por sua vez, pelos operários armados. Todos os cidadãos se tornam empregados e operários de um só truste universal de Estado. Trata-se apenas de obter que eles trabalhem uniformemente, que observem a mesma medida de trabalho e recebam um salário uniforme. Essas operações de recenseamento e de controle foram antecipadamente simplificadas em extremo pelo capitalismo, que as reduziu a formalidades de fiscalização e de inscrição, a operações de aritmética e à entrega de recibos, que são, todas, coisas acessíveis a quem quer que saiba ler e escrever.
Quando a maioria do povo efetuar, por si mesma e em toda a parte, esse recenseamento e esse controle dos capitalistas (transformados então em empregados) e dos senhores intelectuais que conservarem ainda ares de capitalistas, esse controle tornar-se-á verdadeiramente universal, geral, nacional, e ninguém saberá mais "onde meter-se", para escapar a ele.
A sociedade inteira não será mais do que um grande escritório e uma grande fábrica, com igualdade de trabalho e igualdade de salário.
Mas essa disciplina de "oficina", que, uma vez vencidos os capitalistas e derrubados os exploradores, o proletariado tornará extensiva a toda a sociedade, não é absolutamente o nosso ideal nem o nosso objetivo final; ela é apenas a transição necessária para limpar radicalmente a sociedade das vilanias e das' sujeiras da exploração capitalista e permitir-lhe continuar a sua marcha para a frente.
A partir do momento em que os próprios membros da sociedade, ou, pelo menos, a sua imensa maioria, tenham aprendido a gerir o Estado, tenham tomado a direção das coisas e organizado o seu controle, tanto sobre a ínfima minoria de capitalistas como sobre os pequenos senhores desejosos de conservar os seus ares de capitalistas e sobre os trabalhadores profundamente corrompidos pelo capitalismo, desde esse momento tenderá a desaparecer a necessidade de qualquer administração. Quanto mais perfeita for a democracia, tanto mais próximo estará o dia em que se tornará supérflua. Quanto mais democrático for o Estado, constituído por operários armados e deixando, por isso mesmo, de ser "o Estado no sentido próprio da palavra", tanto mais rápida será também a extinção de qualquer Estado.
Quando toda agente tiver, de fato, aprendido a administrar e administrar realmente, diretamente, a produção social, quando todos procederem de fato ao registro e ao controle dos parasitas, dos filhos-família, dos velhacos e outros "guardiães das tradições capitalistas", então será tão incrivelmente difícil, para não dizer impossível, escapar a esse recenseamento e a esse controle, e toda tentativa nesse sentido provocará, provavelmente, um castigo tão pronto e tão exemplar (pois os operários armados são gente prática e não intelectuais sentimentais, e não gostam que se brinque com eles), que a necessidade de observar as regras simples e fundamentais de toda sociedade humana tornar-se-á muito depressa um hábito.
Então a porta se abrirá, de par em par, para a fase superior da sociedade comunista e, por conseguinte, para o definhamento completo do Estado.
(neste livro, Lenin analiza um periodo que começa há 160 anos, será fundamental considerar a interpretação - de base - levada a cabo pelo PCP, considerando as posteriores revoluções acontecidas no âmbito global e assim no nosso País)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário