"Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o senhor e o servo, é a liberdade que oprime e a lei que liberta".
Esta afirmação que tem toda a actualidade, foi produzida não por um marxista mas por Henri Lagardaire, dominicano e deputado na Constituinte Francesa de 1848.
Na verdade, para o forte, para o rico, para o senhor o que lhe interessa é não haver entraves, não haver regulamentos, não haver lei para que possa impor a sua força e exercer o seu domínio a seu bel prazer. A única lei que lhe interessa é a lei do mais forte. É nesse sentido que se pronunciam os defensores do livre-cambismo e da abertura dos mercados e que se manifestam as pressões, para cada vez maior desregulamentação, flexibilização e privatização das empresas estratégicas e serviços públicos. No nosso país e recorrendo a um aforismo popular podemos dizer que são as pressões da panela de ferro no embate com a panela de barro. Este é o pensamento neoliberal teorizado entre outros por Friedman e os boys de Chicago, na sua síntese: "é preciso libertar o mercado de todo o entrave para voltamos a ter "a idade do ouro" que conheceram as nações como os EUA e a Inglaterra no século XIX"! "As sociedades contemporâneas não sofrem dum excesso mas de falta de capitalismo". Que esta filosofia serve aos grandes e que impulsionou a construção europeia é uma evidência. Por isso nunca a concentração da riqueza foi tamanha. E é esta teoria que tem servido de guia aos países dominantes na União Europeia e que em Portugal tem orientado as políticas internas do bloco central, PSD/PS com ou sem CDS. Estas políticas, no quadro da adesão e da apreciação do Euro, da abertura total do mercado, das privatizações e da destruição do aparelho produtivo são responsáveis pelo agravamento dos graves problemas estruturais da economia portuguesa, reflectidas nos défices externos. Na verdade fala-se muito do défice orçamental e sacrifica-se o crescimento económico para o combater, mas fala-se muito pouco no gravíssimo défice externo - balança corrente e de capital - que espelha a debilidade do nosso aparelho produtivo. Este continuado e elevado défice, sobretudo nos últimos dez anos, tem vindo a ser coberto com o recurso à dívida externa. Para se ter uma ideia do agravamento atente-se que em 1996 o endividamento externo líquido representava apenas 10% do PIB. Hoje representa 81,3%.
1996
10,4
1997
18,5
1998
25,7
1999
31,5
2000
39,6
2001
47,4
2002
56,3
2004
64,8
2005
70,4
2006
79,4
2007
81,3
Na nossa última Conferência Económica tínhamos pela frente uma elevadíssima dívida externa, um garrote da economia portuguesa como então lhe chamámos. Hoje estamos confrontados com a mesma situação, e se não temos a pressão das divisas temos a agravante de que não dispomos dos instrumentos da política monetária e cambial restando-nos a política orçamental e mesmo esta limitada pelo espartilho do Pacto de Estabilidade. Face a este gravíssimo quadro quero sublinhar as seguintes observações.
1.ª) Esta dívida vai ser paga com a saída de capitais e está muito dependente do crescimento da economia e das exportações e/ou com a entrega de activos (empresas, acções, etc.).
2.ª) Ela agrava substancialmente a dependência do país com o exterior, é uma restrição ao desenvolvimento e, dado o seu volume, qualquer subida das taxas de juro traduz-se em montantes substanciais a sair do país.
3.ª) O persistente défice externo que está na origem da dívida não foi uma consequência de necessidades de investimento em bens transaccionáveis. Isto é não foi uma consequência de investimento dirigido para a substituição de importações ou para a produção de bens exportáveis, o que ajudaria no futuro a combater o défice e a saldar a dívida.
O persistente défice externo que está na origem da dívida não foi uma consequência de necessidades de investimento em bens transaccionáveis. Isto é não foi uma consequência de investimento dirigido para a substituição de importações ou para a produção de bens exportáveis, o que ajudaria no futuro a combater o défice e a saldar a dívida.
4.ª) Aqueles que atribuem o desequilíbrio das contas externas ao excesso de despesa verificada nos últimos dez anos ficam apenas pela superfície das coisas. Passam por cima da abertura do nosso mercado interno; das privatizações das empresas básicas e estratégicas e do seu progressivo domínio pelo capital estrangeiro; da destruição do aparelho produtivo e da implementação de grandes cadeias de distribuição internacionais levando cada vez mais à substituição da produção nacional pela estrangeira.
É por isso que qualquer aumento de despesa interna tem como consequência uma pressão sobre as importações. Esquecem também a quebra da competitividade das nossas exportações pela apreciação do euro. Apagam o facto de que à excepção do sector da pasta de papel, dos cimentos, da cortiça e pouco mais, as nossas exportações são feitas sobretudo por pequenas e médias empresas e que os grandes grupos nacionais há muito deixaram de investir nas actividades produtivas. Preferem as altas taxas de rentabilidade das actividades imobiliárias, financeiras, de intermediação e especulativas. É por isso que os lucros da banca e dos grandes grupos sobem exponencialmente e o país definha e empobrece. Fomos ultrapassados pela Grécia, depois pela República Checa, depois por Malta e agora até pela Estónia. 5.ª e última observação: aqueles que se deslumbram com o novo Quadro Comunitário de Apoio (QREN) e nos dizem que vamos receber 10 milhões em média por dia, há que lembrar-lhes que sendo uma verba importante é uma muito insuficiente compensação pela abertura do nosso mercado e domínio do estrangeiro. Vão entrar 10 milhões de euros por dia, mas só de Janeiro a Agosto saíram de lucros do investimento estrangeiro 7 milhões por dia e para pagar o endividamento externo líquido 51 milhões de euros dia! É obra! Hoje confrontados com a questão da dívida os seus responsáveis levantam desde logo a questão real da produtividade e da competitividade, esta agravada pela valorização do euro e recorrem à habitual mistificação ideológica em torno destes conceitos procurando, como se diz no Texto da nossa Conferência "uma sequência lógica - salário - produtividade - competitividade, como se houvesse uma sequência simples, relação causa/efeito, na esfera tão complexa da produção económica, olhando para o salário como um mero custo microeconómico". Para aumentar a produtividade e através dela a competitividade as respostas destes não vão para a melhoria de organização, para a melhoria da qualidade dos produtos, para a modernização tecnológica mas quase sempre para o estafado eufemismo da moderação salarial. Outros são mais explícitos. Um economista do MIT, Olivier Blanchard, preconizou uma diminuição de 20% nos salários e Fernando Ulrich, chegou a defender os 15%, num país com os níveis de rendimento e de pobreza conhecidos!
Seria interessante que todos estes revelassem os seus rendimentos e respectivos patrimónios. O combate à dívida externa exige uma outra política, uma política de desenvolvimento que defenda a nossa produção, que valorize o trabalho, que combata a financeirização da economia, que melhore o nosso perfil de especialização e dê resposta aos défices agro-alimentar, energético e tecnológico. E também uma postura do Banco de Portugal e do governo de firmeza e não de subserviência em relação ao Banco Central Europeu e à sua política de estrangulamento das economias mais débeis em nome da apreciação do Euro. Mas a grande medida para o combate aos défices está no desenvolvimento da luta de massas para que se derrote esta política e se imponha uma nova orientação ao serviço do povo e de Portugal.
Do Comité Central do PCP. Intervenção na Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais.
quinta-feira, abril 02, 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário