Havia já muitos anos que o meu desequilíbrio não aumentava tão abruptamente, e claro, não pensei que, porque outros olhos se fechassem à primavera, esse mal-estar ao qual tendemos a adaptar-nos sofresse alguma alteração, afinal todos nos transformamos, mesmo aqueles que em vida (por exemplo) o fizeram em mim. Porém, hoje ao almoço, mesmo antes de me sentar, a caixa perversa – esse espelho da mentira de muitos nós - voltou a tentar enganar-me: Noticiava a morte de José Saramago. José Saramago não morreu!
Escutando um vizinho desse nosso conterrâneo; Camarada; Revolucionário, recordo a impressão que experimentei quando emigrei por primeira vez: Este percurso é como uma cova à beira-mar, quanto mais profunda mais se desmorona; quanto mais água aparece mais paredes falecem, desabrochando esta do nosso cansaço, qual flor, e terminando por secar.
Nesta ocasião, na qual voltei a encontrar o puto que chorou quando o Zeca deixou de gravar, voltei, também, à planície onde a vizinhança plantava vida, à nossa rua. Lembrei haver tentado fugir da luz que me acordou de um sonho de criança, ao iluminar as pedras da calçada que me pareceu terem encolhido; as paredes que me cercavam, deixando-me compreender que o ruído, que parecia correr comigo anos atrás, era então apenas eco, inerte, parado, degrau pisado ao descer, mas... a luz lá estava, e via-a, vinha do Sol, o mesmo que acende o tempo, cada dia. Então, conclui: “enquanto houver vida haverá Sol!”.
Assim, tomando como boa essa lei, sempre que o Homem sentir a necessidade, que lhe vem nos genes, de percorrer o caminho que reclama a sua própria liberdade; na resistência dos braços, sedentos; no sonho, viverá Saramago.
Em suma, como dizia o Ary: “pois viver é, também, acontecer”(o que não deve ser novidade para ninguém).
China syndrome?
Há 1 dia
2 comentários:
bondade rima com esquerda
e como dizia o Ary dos Santos: nós repartimos o pão, não temos o pão guardado
foi um homem bom que perdemos com Saramago, que repartiu o pão do seu pensar por quem o quis ler
ficamos indubitavelmente muito mais pobres
Até sempre Amigo, até ao folhear de cada página de teus livros onde sempre te encontraremos de pé e igual a ti mesmo
permaneces assim para sempre vivo e entre nós!
Marília Gonçalves
Deverá fazer parte da bibliografia elementar de todo o percurso académico dos Portugueses.
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