sexta-feira, junho 05, 2009

A liquidez anula o significado de "inflação"

Os termos convencionais de inflação e deflação já não são adequados para descrever o efeito monetário geral do excesso de liquidez recentemente libertado pelo US Federal Reserve, o banco central do país, para sanar o esmagamento do crédito que já perdura há um ano.

Isto acontece porque a abordagem adoptada pelo Tesouro e pelo Fed para tratar de uma crise financeira de dívida insustentável criada pelo excesso de liquidez é injectar mais liquidez na forma tanto de nova dívida pública como de dinheiro recém-criado na economia e canalizá-lo para instituições carregadas de dívida a fim de reflacionar uma bolha de preços de activos conduzida pela dívida já estourada.

O Tesouro não tem qualquer poder para criar dinheiro novo. Ele tem de tomar emprestado no mercado de crédito, transformando portanto dívida privada em dívida pública. O Fed tem a autoridade para criar dinheiro novo. Infelizmente, o dinheiro novo do Fed não tem ido para os consumidores na forma de pleno emprego com elevação de salários a fim de restaurar a procura em queda, mas ao contrário tem ido apenas para instituições aflitas infestadas de dívida a fim de que possam desalavancar da dívida tóxica. Portanto a deflação no mercado de acções (com preços em queda) tem sido amortecida pelo dinheiro recém emitido, ao passo que o rendimento salarial agregado continua a cair e, mais uma vez, a reduzir a procura agregada.

A procura em queda deflaciona os preços das mercadorias, mas não o suficiente para restaurar a procura porque os salários agregados estão a cair mais rapidamente. Quando instituições financeiras desalavancam com o dinheiro gratuito do banco central, os credores recebem o dinheiro ao passo que o Fed assume o passivo tóxico através da expansão do seu balanço. O desalavancamento reduz custos financeiros ao mesmo tempo que aumenta o fluxo de caixa para permitir a instituições financeiras zumbis retornarem à lucratividade nominal com rendimento não ganho, enquanto despedem trabalhadores para cortar no custo operacional. Portanto temos inflação do lucro financeiro com deflação de preços numa economia em retracção.

O que teremos pela frente não é uma hiper-inflação de preços do tipo República de Weimar, mas sim uma inflação do lucro na qual instituições financeiras zumbis se tornam nominalmente lucrativas numa economia em colapso. O perigo é que este lucro financeiro nominal e não ganho seja interpretado erradamente como um sinal de recuperação económica, induzindo o público a investir o que resta da riqueza que ainda possui, só para perder mais no colapso seguinte do mercado, o qual acontecerá quando estourar a bolha do lucro.

A hiper-inflação é fatal porque a cobertura (hedging) contra ela provoca fracassos do mercado que destroem riqueza. Normalmente, quando os mercados estão a funcionar, a inflação não coberta (unhedged) favorece os devedores ao reduzir o valor dos passivos que eles devem aos credores. Ao invés de destruir riqueza, a inflação não coberta simplesmente transfere riqueza dos credores para os devedores. Mas com a intervenção do governo no mercado financeiro, tanto os devedores como os credores são os contribuintes. Em tais circunstâncias, mesmo inflação moderada destrói riqueza porque não há partes vencedoras.

Dívida denominada em moeda fiduciária é riqueza tomada emprestada para ser reembolsada posteriormente com riqueza armazenada em dinheiro protegido pela política monetária. A desalavancagem da banca com o novo dinheiro do Fed cancela dívida privada ao valor facial pleno com dinheiro que não foi ganho por ninguém, isto é, sem riqueza armazenada. Esta espécie de dinheiro é tóxica pois quanto mais valioso for (com poder de compra acrescido para comprar mais quando os preços deflacionam), mais degrada ele a riqueza porque nenhuma riqueza foi posta no dinheiro a ser armazenado, negando portanto o pré-requisito do dinheiro como armazenador de valor.

Isto não é destruição da procura porque o declínio na procura é temporariamente atrasado pelo novo dinheiro. É, ao contrário, a destruição do dinheiro como um restaurador de valor ao mesmo tempo que produz um efeito enganoso e desconcertante sobre a procura agregada.

Pensar acerca do valor de qualquer activo real (ouro, petróleo e assim por diante) em termos de dinheiro (dólar) é enganoso. O caminho correcto é pensar acerca do valor do dinheiro (dólares) em termos de activos (ouro, petróleo), porque activos (ouro, petróleo, etc) são riqueza. O Fed pode criar dinheiro, mas não pode criar riqueza.

Os banqueiros centrais são suficientemente astutos para saberem que apesar de poderem criar dinheiro, não podem criar riqueza. Para atar dinheiro a riqueza, os banqueiros centrais devem combater a inflação como se ela fosse uma praga financeira. Mas a primeira lei do crescimento económico declara que para criar riqueza através do crescimento, alguma inflação tem de ser tolerada.

A solução então é fazer com que os trabalhadores pobres paguem pelo sofrimento infligido pela inflação dando aos ricos a maior fatia da riqueza monetizada criada através da inflação, de modo a que a perda do poder de compra devida à inflação seja suportada principalmente pelos trabalhadores pobres de baixos salários e não pelos possuidores de capital, cujo valor monetário é protegido da inflação através de salários baixos. Portanto os trabalhadores pobres perdem tanto nos tempos de expansão como nos tempos de declínio.

O monetarismo considera a inflação como benigna na medida em que os salários ascendam a um ritmo mais lento do que os preços dos activos. A lei de ferro monetarista dos salários funcionou na era industrial, com o excesso de capacidade resultante absorvido pelo consumo conspícuo das classes endinheiradas, embora isto finalmente anunciasse uma era de revoluções. Mas a lei de ferro dos salários já não funciona mais na era pós-industrial na qual o crescimento só pode vir da administração da procura em massa porque a super-capacidade cresceu para além da possibilidade de o consumo conspícuo de uns poucos a absorverem numa democracia económica.

Este tem sido o problema básico da economia global durante as últimas três décadas. Salários baixos mesmo em tempos de expansão levaram o mundo ao seu actual estado lamentável de super-capacidade mascarada pela procura insustentável criada por uma bolha da dívida que finalmente implodiu em Julho de 2007. Todo o mundo está agora a produzir bens e serviços feitos por trabalhadores de baixos salários que não podem permitir-se comprar aquilo que fazem excepto assumindo dívidas que acabarão por incumprir pois os seus baixos rendimentos não permitem servi-la.

Todos os gastos de estímulo de todos os governos perpetuam esta disfuncionalidade. Não haverá recuperação deste sistema financeiro disfuncional. Só a reforma rumo ao pleno emprego com salários em ascensão salvará esta economia severamente defeituosa.

Como é que isso pode ser feito? É simples. Basta tornar o custo de aumentos salariais dedutíveis do imposto sobre o rendimento corporativo e tornar as poupanças decorrentes de lay-offs tributáveis como rendimento corporativo.

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