quarta-feira, dezembro 10, 2008

Marxismo e Revisionismo I

Um conhecido aforismo diz que, se os axiomas geométricos contrariassem os interesses dos homens, seguramente haveria quem os refutasse.
As teorias das ciências naturais, que contrariavam os velhos prejulgamentos da teologia, provocaram e seguem provocando, até hoje em dia, a luta mais raivosa. Nada tem de extraordinários, portanto, que a doutrina de Marx que serve diretamente à educação e à organização da classe de vanguarda da sociedade moderna, que indica as tarefas desta classe e demonstra a inevitável substituição – em virtude do desenvolvimento econômico – do regime atual por uma nova ordem; não é de estanhar que esta doutrina teve que lutar a cada passo dado ao longo da história.Não nos referimos à ciência e à filosofia burguesas, ensinadas, de forma burocrática, pelos professores oficiais para entorpecer as novas gerações das classes proprietárias e "amestra-las" contra os inimigos internos e externos. Esta ciência não quer nem ouvir falar de marxismo, declarando-o refutado e destruído; tanto os jovens cientistas, que fazem carreiras refutando o socialismo, como os anciães caducos, que guardam o legado de todo tipo de antiquados "sistemas", se atiram sobre Marx com o mesmo anseio. Os avanços do marxismo, a divulgação e a aceitação de suas idéias entre a classe trabalhadora, provocam, inevitavelmente, a reiteração e o aprofundamento destes ataques burgueses contra o marxismo, que de cada uma de suas "destruições" por obra da ciência oficial, sai mais fortalecido, com mais vigor e mais fundamental.Porém, entre as doutrinas vinculadas à luta da classe operária e divulgadas predominantemente entre o proletariado, o marxismo tão pouco firmou sua posição de imediato. Durante o primeiro meio século de sua existência (desde a década de 40 do século XIX), o marxismo lutou contra as teorias que lhes eram profundamente hostis. Na primeira metade da década de 40, Marx e Engels ajustaram contas com os jovens hegelianos radicais, que defendiam o ponto de vista do idealismo filosófico. Ao final desta década passa ao primeiro plano a luta, no campo das doutrinas econômicas, contra o proudhonismo (1). Esta luta chega ao seu final na década de 50: crítica aos partidos e às doutrinas que se revelaram no turbulento ano de 1848. Na década de 60, a luta desloca-se, do campo da teoria geral, para um campo mais próximo ao movimento operário propriamente dito: expulsão do bakunismo da Internacional. No começo da década de 70, se destaca na Alemanha, por breve espaço de tempo, o proudhonista Mühlberger, ao final deste período, o positivista Dühring. Porém a influência de um ou outro sobre o proletariado já é extremamente insignificante. O marxismo já triunfava, incondicionalmente, sobre todas as demais ideologias do movimento operário.Desde a década de 90 do século passado, este triunfo, em seus traços principais, já estava consumado. Até nos países latinos, onde por mais tempo se haviam mantido as tradições do proudhonismo, os partidos operários estruturaram, de fato, seus programas e sua tática sobre bases marxistas. A organização internacional do movimento operário, ao prosseguir — em forma de congressos internacionais periódicos —, se colocou, imediatamente e quase sem luta, em tudo que é essencial, no terreno do marxismo. Entretanto, quando o marxismo suplantou todas as doutrinas mais ou menos completamente hostis ao mesmo, as tendências que se abrigavam nestas doutrinas começaram a buscar outros caminhos. Mudaram as formas e os fundamentos da luta, mas a luta continuou. E o segundo meio século de existência do marxismo (década de 90 do século passado) começou com a luta contra a corrente hostil ao marxismo em seu próprio seio.Esta corrente deve seu nome ao ex-marxista ortodoxo Bernstein, que é quem fez mais ruído e quem deu o formato mais completo às emendas feitas a Marx, à revisão de Marx, ao revisionismo(2). Inclusive na Rússia, aonde o socialismo não marxista, logicamente — em virtude do atraso econômico do país e do predomínio da população campesina, oprimida pelos vestígios feudais —, se manteve mais tempo, inclusive na Rússia, aos nossos olhos, este socialismo se converte claramente, em revisionismo. Tanto na questão agrária (programa de municipalização de toda a terra) como nas questões programáticas gerais e táticas, nossos social-populistas substituem, cada vez mais com "emendas" a Marx, os restos agonizantes e caducos do velho sistema, coerentes ao seu modo e profundamente hostis ao marxismo.O socialismo pré-marxista foi derrotado. Já não continua a luta em seu próprio terreno, mas no terreno geral do marxismo, a título de revisionismo. Vejamos, pois, qual é o conteúdo ideológico do revisionismo.No campo da filosofia o revisionismo ia a reboque da "ciência" acadêmica burguesa. Os professores "retornavam a Kant", e o revisionismo se arrastava atrás dos neokantianos; os professores repetiam, pela milésima vez, as vulgaridades dos sacerdotes contra o materialismo filosófico, e os revisionistas sorrindo complacentemente resmungavam (repetindo com todas as letras o último manual) que o materialismo havia sido "refutado" já há muito tempo. Os professores tratavam Hegel como um "cachorro morto" (3) e, pregando eles mesmos, o idealismo, só que mil vezes mais pobre e trivial que o hegeliano, dando de ombros, desdenhosamente, frente à dialética, os revisionistas se afundavam no pântano do envelhecimento filosófico da ciência, substituindo a "sutil" (e revolucionária) dialética pela "simples" (e pacífica) "evolução". Os professores ganhavam seu soldo do Estado ajustando seus sistemas, tanto os idealistas como os "críticos", à "filosofia" medieval imperante (o que equivale a dizer: a teologia), e os revisionistas se juntavam a eles, esforçando-se por fazer da religião uma "incumbência privada", não em relação ao Estado moderno, mas em relação ao partido da classe de vanguarda.Desnecessário explicitar que significação real de classe tinham semelhantes "emendas" a Marx: a coisa é clara por si só. Assinalaremos, somente, que Plekanov foi o único marxista dentro da social democracia internacional que fez, do ponto de vista do materialismo dialético conseqüente, a crítica daquelas incríveis banalidades acumuladas pelos revisionistas. É necessário destacar isto decididamente, porque, em nosso tempo, se fazem tentativas, profundamente errôneas, para fazer passar a velha e reacionária miscelânea filosófica sob a bandeira da crítica do oportunismo tático de Plekanov (veja-se o livro "Ensaios sobre a filosofia do marxismo" de Bogdánov, Bazárov e outros). Aqui não é o lugar oportuno para analisar este livro, e no momento, tenho que limitar-me a declarar que, não demora, irei demonstrar em uma série de artigos, ou em um folheto especial, que tudo o que se disse no texto sobre os revisionistas neokantianos guarda, também, relação, em essência com estes "novos" revisionistas neohumanistas e neoberkelianos. (veja-se V. I. Lênin, Obras, 5 ed. em russo, t. 18 – Nota do editor).Passando à Economia Política, deve ser destacado, antes de tudo, que neste campo as "correções" dos revisionistas eram mais variadas e minuciosas; tratavam de influenciar o público com "novos dados do desenvolvimento econômico". Diziam que, no campo da economia rural, não se opera de nenhum modo a concentração e o deslocamento da pequena produção pela grande e, que no comércio e na indústria ocorre com extrema lentidão. Diziam que, agora, as crises tornaram-se mais raras e mais fracas, e que era provável que os cartéis e os trustes dessem ao capital a possibilidade de eliminar, por completo, as crises. Diziam que a "teoria do colapso", para o qual marcha o capitalismo, é inconsistente por causa da tendência das contradições de classe se atenuarem e suavizarem-se. Diziam, finalmente, que não seria mau corrigir também a teoria do valor de Marx em consonância com Böhm-Bawerk (4).A luta contra os revisionistas, em torno destas questões, serviu para reavivar fecundamente o pensamento teórico do socialismo internacional, tal qual, vinte anos antes, havia ocorrido com a polêmica de Engels contra Dühring. Os argumentos dos revisionistas foram analisados com fatos e cifras nas mãos. Demonstrou-se que os revisionistas sistematicamente embelezavam a pequena produção atual. O fato da superioridade técnica e comercial da grande produção sobre a pequena, não só na indústria, mas também na agricultura, está demonstrado com dados irrefutáveis. Porém, na agricultura, a produção mercantil está muito menos desenvolvida, e os estatísticos e economistas atuais não sabem, no geral, destacar aqueles ramos (e, às vezes, inclusive as operações) especiais da agricultura que demonstram como esta se vê envolvida, progressivamente, no intercambio da economia mundial. A pequena produção se sustenta sobre as ruínas da economia natural, graças à deterioração infinita da alimentação, à fome crônica, ou à prolongação da jornada de trabalho, à queda na qualidade do gado e nos cuidados com o mesmo; em uma palavra, graças àqueles mesmos meios com que se sustentou, também, a produção artesanal contra a manufatura capitalista. Cada avanço da ciência e da técnica mina, inevitável e inexoravelmente os alicerces da pequena produção na sociedade capitalista. E a tarefa da economia socialista consiste em investigar este processo em todas as suas formas, não poucas vezes complexas e intrincadas, e demonstrar ao pequeno produtor: a impossibilidade de sustentar-se sob o capitalismo; a situação desesperada das fazendas camponesas no regime capitalista e a necessidade de que o campesinato aceite o ponto de vista do proletariado. Frente ao problema de que tratamos, os revisionistas cometeram, no aspecto científico, o pecado de incorrer em uma superficial generalização de alguns fatos, separados unilateralmente, à margem de suas conexões com todo o regime do capitalismo, e, no sentido político, cometeram o pecado de conclamar ou empurrar o camponês, inevitavelmente, de modo voluntário ou involuntário, para o ponto de vista do proprietário (ou seja, ao ponto de vista da burguesia), em vez de empurrá-lo ao ponto de vista do proletariado revolucionário.


(Cont.)

4 comentários:

Ana Camarra disse...

CRN

A verdade é que no Marxismo estão verdadeiramente as teorias revolucionárias e em mais nenhuma filosofia, a verdade é que o tempo e a história cada vez mais provam da sua razão.
Como todas as caminhadas pela Justiça é sempre cães a ladrar.
portanto a Primavera irá chegar, no esplendor de Zeca

"Cobre-te canalha
Na mortalha
Hoje o rei vai nu
Os velhos tiranos
De há mil anos
Morrem como tu
Abre uma trincheira
Companheira
Deita-te no chao
Sempre à tua frente
Viste gente
Doutra condiçao
Ergue-te ó Sol de Verao
Somos nós os teus cantores
Da matinal cançao
Ouvem-se já os rumores
Ouvem-se já os clamores
Ouvem-se já os tambores
Livra-te do medo
Que bem cedo
Há-de o Sol queimar
E tu camarada
Poe-te em guarda
Que te vao matar
Venham lavradeiras
Mondadeiras
Deste campo em flor
Venham enlaçadas
De maos dadas

Semear o amor
Ergue-te ó Sol de Verao
Somos nós os teus cantores
Da matinal cançao
Ouvem-se já os rumores
Ouvem-se já os clamores
Ouvem-se já os tambores
Venha a maré cheia
Duma ideia
P'ra nos empurrar
Só um pensamento
No momento
P'ra nos despertar
Eia mais um braço
E outro braço
Nos conduz irmao
Sempre a nossa fome
Nos consome
Dá-me a tua mao
Ergue-te ó Sol de Verao
Somos nós os teus cantores
Da matinal cançao
Ouvem-se já os rumores
Ouvem-se já os clamores
Ouvem-se já os tambores"

beijos

Anónimo disse...

"Um conhecido aforismo diz que, se os axiomas geométricos contrariassem os interesses dos homens, seguramente haveria quem os refutasse."

Como gostei dessa frase quando a li pela primeira vez. Agora, tenho vontade de reler esse texto ai postado. Espero poder fazê-lo amanha.

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Ana;
Desconhecia esse poema! Gostei muito, ainda mais tendo por coincidência o som de fundo vindo do teu blog: "here comes the sun - Nina Simone".

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Não sou um optimista, mas às vezes sinto que realmente basta uma faísca... e um dia, bastará!

Abraço!

Anónimo disse...

Ana,
e ainda bem que a podemos cantar juntos.

Um abraço.

A revolução é hoje!

Anónimo disse...

Bruno,
espero que os camaradas que leiam esta primeira parte compartam a tua opinião, aliás, estou convicto que sim.

Quanto ao acender das consciencias, acredito que para tal nem sequer necessitamos ser optimistas.

A revolução é hoje!