O Árctico e a Antartida são as últimas vastas reservas por explorar de recursos minerais do planeta.
Se se realizar a expansão do território da Austrália, isto levará à destabilização da operação dos mecanismos legais internacionais, que já foram seriamente afectados pela proclamação da independência do Kosovo.
Ainda pior, irá abrir a porta a uma nova divisão do mundo em larga escala. O precedente do Pólo Sul poderia ser aplicado ao Pólo Norte, o que converteria a luta pelos recursos do Árctico numa guerra global que, inevitavelmente, envolveria a Rússia.
O dia 13 de Março deste ano marcou o prazo para que os «Estados apresentassem as reivindicações dos seus direitos, o que alguns peritos descreveram como a última partilha de território marítimo na história», segundo informação da Reuters em Outubro de 2007.
Naquela ocasião, o Foreign Office (Ministério dos Estrangeiros) britânico anunciou que iria apresentar uma pedido para expandir o território antárctico da nação em um milhão de quilómetros quadrados, e que apresentaria também «outras quatro pedidos…pelo território do leito marítimo atlântico próximo das Georgias do Sul e das Ilhas Malvinas (Falkland), e também próximo da Ilha Ascensão no Atlântico Sul, perto da Baía de Viscaya no Atlântico Norte, e na cavidade Hatton-Rockall, em frente das costas da Escócia.»
Antes de 1962, o território antárctico britânico era uma dependência das Ilhas Malvinas, incluindo também as Georgias do Sul e a Sandwich do Sul.
No dia 31 de Março deste ano, a Grã-Bretanha fez uma apresentação parcial à Comissão das Nações Unidas, sobre os limites da Plataforma Continental em relação à área Hatton-Rockall, no Noroeste atlântico (Rockall é uma minúscula ilha escarpada, contudo possui uma importância estratégica fora de proporção com o seu tamanho), o que permite ao país ter a sua única pretensão ao direito da plataforma árctica que, segundo cálculos, contém um quinto do petróleo que resta no mundo e quase um terço do gás natural que resta.
Londres iniciou conversações com Islândia, Irlanda e Dinamarca (na sua qualidade de proprietária da Ilhas Faroe) com o fim de utilizar Rockall para introduzir o Árctico na iminente pugna pelos seus recursos, um tema que foi explorado extensivamente noutro estudo desta série.
Numa acção paralela, contudo muito maior, a Grã-Bretanha apresentou no dia 11 de Maio a sua reivindicação à Comissão das Nações Unidas, pelo direito sobre os limites da Plataforma Continental, de um milhão de quilómetros quadrados que cobiça no Atlântico Sul e que se estendem dentro de Oceano Atlântico.
Foi a formalização dos planos revelados inicialmente em Outubro de 2007, e descritos numa informação à comunicação social nessa altura, de um plano para «estender a soberania britânica na Antárctida», uma zona que «cobre uma vasta área do leito marítimo nas proximidades da Antárctida britânica, perto do Pólo Sul».
Imediatamente, nações muito mais próximas da Antárctida e, por isso, com mais direitos a esse território, sobretudo a Argentina, apresentaram queixa de que «o pedido britânico…está em conflito com o Tratado Antárctico de 1959, assinado pela Grã-Bretanha, que impede toda a exploração de petróleo, gás e minerais que não seja para propósitos científicos».
O alarme também ressoou por outros sítios. Pouco depois da declaração britânica o jornal chinês People’s Daily informava:
«O Pólo Sul, um mundo de gelo e neve, converteu-se num ponto álgido nos últimos anos. O Ministério dos Estrangeiros argentino declarou que os Vice-ministros dos Estrangeiros da Argentina e do Chile vão reunir-se no princípio de Dezembro, para discutir o tema do Pólo Sul, e elaborar uma estratégia conjunta para boicotar os pedidos de soberania britânica sobre a plataforma continental do Pólo Sul».
A mesma fonte forneceu os seguintes elementos:
«A imensidade da terra aparentemente árida, coberta de gelo, revela-se e expõe-se ao mundo exterior, revelando um “mar de tesouros”», com depósitos e reservas de energia incrivelmente abundantes. Existe uma capa de carvão do Período Pérmico no continente e contém 500.000 milhões de toneladas de reservas conhecidas.
«A espessa abóbada de gelo sobre a terra alberga a maior reserva de água fresca do mundo; contém aproximadamente 29,3 milhões de metros cúbicos de gelo e forma 75% do abastecimento de água fresca da terra.
«Pode dizer-se que o Pólo Sul poderia alimentar todo o mundo com os seus abundantes stocks de alimentos (peixes) e água fresca».
E avisou que «o valor do Pólo Sul, não se limita à esfera económica, também reside na sua posição estratégica».
«Há já algum tempo que a Guarda Costeira dos Estados Unidos mantém guarnições na região e a Força Aérea dos Estados Unidos é a potência número um na zona».
«O Tratado do Pólo Sul (Antárctico) especifica que o Pólo Sul só pode ser explorado e desenvolvido com objectivos pacíficos, e não pode ser um campo de batalha. De outra forma, o Pólo Sul, coberto de gelo, podia converter-se num campo de batalha de um calor atroz».
Semanas depois da declaração britânica de 2007, o Ministro da Defesa do Chile, José Goñi, e o chefe de Estado-Maior da Força Aérea, Ricardo Ortega, visitaram o Pólo Sul, e declararam que a utilização da base naval Arturo Prat seria reactivada formalmente em Março de 2008.
«Goñi declarou que a reactivação da base naval, juntamente com outras duas bases militares na região Antárctida, serviam para demonstrar a presença e soberania do Chile»…
Um jornal canadiano descreveu outro elemento da intensificada febre e luta pela Antárctida.
“Porquê sentiria alguém a necessidade de reivindicar o seu direito a um território diante das costas da Antárctida, uma ilha quase desabitada, a que só lá chegámos há cem anos? A motivação jaz nas profundezas marítimas: minerais, petróleo, gás».
Em Outubro de 2007, o Ministério dos Estrangeiros russo respondeu aos planos antárcticos da Grã-Bretanha declarando: «Por ser uma das nações que deram as maiores contribuições ao Tratado (Antárctico) de 1959 e aos estudos da Antárctida, este país tem trabalhado consequentemente contra a ideia da divisão da Antárctida na base de pedidos territoriais unilaterais e não reconheceu estas».
Um das apreciações mais directas sobre o projecto de divisão da maior área do planeta que não foi explorado veio de um jornal escocês:
«Desde a Idade de Ouro do Império, a Grã-Bretanha não havia reclamado o seu direito a uma área tão vasta da terra na cena mundial. E, embora o Império Britânico tenha desaparecido há já algum tempo, a Antárctida emergiu como o último campo de batalha para potências rivais, que competem em diversas frentes para conseguir territórios ricos em petróleo».
A autora deste artigo citado, Tanya Thomson, caracterizou o que está em jogo.
«A Grã-Bretanha prepara reivindicações territoriais sobre dezenas de milhares de quilómetros quadrados do fundo do Oceano Atlântico junto das Falkland (Malvinas) e da ilha Rockall, na esperança de anexar campos petrolíferos e de gás potencialmente lucrativos.
«A reivindicação do direito sobre as Falkland (Ilhas Malvinas) tem o maior potencial para consequências políticas, já que a Grã-Bretanha e a Argentina combateram pelas ilhas há 25 anos, e sabe-se que o valor do petróleo no fundo do mar da região é imenso. Ensaios sísmicos feitos sugerem que poderia haver 60.000 milhões de barris de petróleo no fundo do oceano».
«É inevitável que explorarão a área em busca de petróleo e gás. Vejam o que sucedeu nas Falkland (Malvinas) em 1982. Mas tratava-se de um continente desabitado e havia uma diplomacia dura e sanções se uma guerra estivesse a ponto de estalar pela Antárctida».
Com a aproximação do prazo de 13 de Maio de 2009 para apresentar reclamações sobre a Antárctida, a Rússia enviou em Janeiro à Antárctida o explorador e membro do Parlamento, Arthur Chilingarov, como representante especial do Presidente russo para a cooperação internacional no Árctico e Antárctida. Chilingarov dirigiu a expedição russa que colocou a bandeira nacional no leito marítimo do Pólo Norte em 2007.
O responsável pela expedição «Antárctida 2009», acompanhado por outros parlamentares, disse nessa altura: «Estamos a demonstrar definitivamente a todo o mundo que temos planos sérios para continuar com a investigação polar».
No que toca à Argentina, a intenção da Grã-Bretanha de formalmente atribuir a si própria uma área de um milhão de quilómetros quadrados da Antárctida, foi precedida pela concessão pelo Reino Unido de uma nova constituição para as Ilhas Malvinas em Novembro passado, concedendo-lhe um maior grau de autonomia nominal, mas confirmando o poder de Londres sobre «os negócios estrangeiros, defesa, segurança interna e justiça».
A Argentina apresentou um protesto e o seu Ministério dos Negócios Estrangeiros fez a seguinte declaração: «Esse acto unilateral britânico constitui, sobretudo, uma nova e aberta violação da Resolução 31/49 de 1976 da Assembleia-Geral da ONU, que urge que ambas as partes em disputa (Argentina e Reino Unido), se abstenham de tomar decisões unilaterais».
Buenos Aires condenou a acção britânica como uma «violação da soberania argentina e do direito internacional».
Em Janeiro deste ano, a Argentina renovou as suas preocupações pela «anacrónica situação colonial inadequada para o rumo e evolução do mundo moderno».
Perante a proximidade do 13 de Maio, a Argentina apresentou em fins de Abril uma contra-pedido baseada em doze anos de investigação, para questionar «a ilegítima ocupação britânica dos arquipélagos do Sul» e declarou que a “sua plataforma continental se estende desde o continente sul-americano e Antárctico, e desde um arquipélago de ilhas que a Grã-Bretanha também reivindica».
Ambas as pedidos devem ser examinadas e adjudicadas pela Comissão das Nações Unidas para os Limites da Plataforma Continental, sobre a base do Artigo 76 da Convenção das Nações Unidas da Lei sobre o Direito Marítimo, todavia, é indiscutível que há mais em jogo do que pormenores legais. A disputa é pelo controle de vastos recursos naturais, incluindo hidrocarbonetos, uma riqueza mineral incalculável, o maior fornecimento de água fresca do mundo e direitos de pesca, assim como posicionamento geoestratégico, incluindo objectivos militares.
O interesse intenso que mostram pela Antárctida não é só por parte da Grã-Bretanha, também é pelo seu antigo apêndice colonial, a Austrália, que examinaremos mais adiante, não é só um caso isolado de luta agressiva, se não for ilegal, por energia estratégica e interesses económicos no estrangeiro às custas dos outros – todos os outros – mas parte de um modelo acelerado das principais potências ocidentais, e dos seus postos militares avançados, para conseguir o controle dos recursos mundiais a um ritmo vertiginoso.
A mesma campanha ocidental, actuando em diversas coligações ad hoc ou antigas, mas principalmente no condomínio militar colectivo que é a OTAN, é realizado no Círculo Árctico, no Golfo Pérsico, na cavidade do Mar Cáspio e no continente africano, particularmente no Golfo da Guiné
No Oceano Atlântico, não se limita ás manobras audazes da Grã-Bretanha, que nunca teriam sido tentadas, sem a cumplicidade dos seus aliados, mas também a uma acção pouco visível e da mesma grande escala e carência de precedentes, por parte da Austrália.
Em Abril do ano passado, a Comissão da ONU sobre os Limites da Plataforma Continental – através, sabe-se lá de que combinação de docilidade perante os poucos escolhidos e da negligência internacional – concedeu à Austrália 2,5 milhões mais de quilómetros quadrados no Oceano Atlântico, de modo que o território do país, nas palavras do Ministro de Recursos, Martin Ferguson, «expandiu-se para uma área cinco vezes o tamanho da França», o que, potencialmente, poderia assegurar uma «bonanza» em reservas de petróleo e gás no fundo do mar.”
«A decisão concede à Austrália direitos ao que existe sobre e debaixo da água do mar, incluindo reservas de petróleo e gás e também recursos biológicos potencialmente lucrativos».
A expansão das fronteiras do leito marítimo da Austrália, incluiu a meseta Kerguelen, perto da Ilhas Heard e McDonald, e prolonga-se em direcção ao sul, até à Antárctida. Desta forma, a Austrália converte-se na primeira nação a que se concedem direitos de propriedade exclusiva do oceano.
Referindo-se à secessão de Kosovo da Sérvia, organizada pelo Ocidente, dois meses antes, Dmitry Yevstafyev, do Centro de Estudos Políticos em Moscovo, pronunciou esta grave advertência:
«Este precedente é muito mais perigoso do que a independência do Kosovo. Surpreende-me que as autoridades russas tenham mantido silêncio sobre isso. Têm de declarar que é uma decisão ilegal, que origina um precedente perigoso, e exigir que o Secretário-Geral da ONU explique o raciocínio por detrás desta decisão».
«Se se formaliza a expansão do território da Austrália, destabiliza-se a operação dos mecanismos legais internacionais, que já foram seriamente afectados pela proclamação da independência do Kosovo».
«Pior ainda, vai abrir-se a porta para uma nova divisão em grande escala do mundo. O precedente do Pólo Sul poderá ser aplicado ao Pólo Norte, o que fará converter a luta pelos recursos do Árctico numa guerra global que, inevitavelmente, envolverá a Rússia».
O Tratado Antárctico de 1959, estipula que: «Nenhum acto ou actividade que tenha lugar enquanto o presente Tratado esteja em vigor, constituirá uma base para afirmar, apoiar ou negar uma reivindicação de soberania territorial na Antárctida, ou criar algum direito de soberania na Antárctida».
O chefe-adjunto da expedição russa à Antárctida, Vladimir Kuchin, declarou naquela ocasião, que «O Tratado Antárctico não reconhece nenhuma reivindicação por direitos, e a ONU não possui nenhum território e, por conseguinte, não pode aprovar extensões territoriais».
Um ano depois, a Austrália deu a conhecer o seu maior crescimento militar desde a Segunda Guerra Mundial, que inclui um aumento de 72.000 milhões de dólares com despesa militar, e a aquisição de doze submarinos «hunter-killer», três novos destruidores-interceptores de mísseis, todos equipados com mísseis de cruzeiro «Tomahawk», com um alcance de 2.200 quilómetros, e 100 «F-35 Lightning Joint Strike Fighters» americanos.
Esta nova máquina bélica contará agora com mais 2,5 milhões de quilómetros quadrados para se alargar e manobrar sobre o Oceano Atlântico, que segundo estipula o Tratado Antárctico deve manter-se livre de equipamentos e armamentos militares.
O Tratado declara que «é de interesse para toda a humanidade que a Antárctida seja sempre utilizada, exclusivamente para propósitos pacíficos, e não se converta no cenário ou no objecto de discórdia internacional», e que «a Antárctida seja utilizada só para propósitos pacíficos. Ali estarão proibidas, entre outras coisas, quaisquer medidas de natureza militar, como ter bases e fortificações militares, a realização de manobras militares, assim como o ensaio de todo o tipo de armas».
A Austrália, massivamente militarizada, terá a liberdade para deambular pelo extenso e auto-proclamado Território Antárctico australiano, apenas reconhecido pela Austrália e Grã-Bretanha, França, Nova Zelândia e Noruega, entre 192 nações do mundo.
Como foi formulado por um escritor do Reino Unido há mais de ano e meio: «Os dias do imperialismo britânico poderão ter ficado para trás, contudo os críticos receiam que estejamos a forjar um novo império, com sérias implicações políticas».
E no que se refere à Grã-Bretanha aplica-se com força comparável aos seus aliados na Europa, América do Norte e Sul do Pacífico.
Com o fim da Guerra-Fria, há quase vinte anos, qualquer ponto da terra, que tivesse escapado aos 500 anos de colonialismo europeu e aos seus sucessores neo-colonialistas europeus e americanos, converte-se agora num alvo legítimo para a avareza e agressão do Ocidente. O extremo sul do mundo não é excepção.
sexta-feira, junho 05, 2009
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