Álvaro Barreirinhas Cunhal, nascido em Coimbra em 10 de Novembro de 1913, faleceu hoje aos 91 anos comunista como resolveu sê-lo aos 17 anos.
O funeral do líder histórico do PCP, Álvaro Cunhal, realiza-se quarta-feira às 15h00 em Lisboa. O corpo estará em câmara ardente a partir de terça-feira ao final da tarde, em local a anunciar pelo PCP.
A vida de Álvaro Cunhal confunde-se com a do Partido Comunista Português, para o qual foi sempre uma referência, mesmo depois de ter cedido a sua cadeira de secretário-geral, em Dezembro de 1992.
O pai de Álvaro, Avelino Cunhal, era advogado de província tendo chegado a governador civil da Guarda. Fez a primária em casa, mas aos 11 anos a família mudou- se para Lisboa, tendo estudado nos liceus Pedro Nunes e Camões. Em 1931, com 17 anos, ingressou na Faculdade de Direito de Lisboa e, eleito representante dos estudantes de Lisboa no Senado Universitário, a sua primeira proposta foi acabar com a Mocidade Portuguesa.
No mesmo ano filiou-se no PCP, entrou para a Liga dos Amigos da URSS e do Socorro Vermelho Internacional e depressa subiu os degraus da organização do partido. Em 1935 já era secretário-geral das Juventudes Comunistas e, no ano seguinte, entrava para o Comité Central, que o enviou a Espanha, onde viveu os primeiros meses da Guerra Vivil, uma
experiência que inspirou o seu romance «A Casa de Eulália». Aos 24 anos, em 1937, sofre a primeira prisão, no Aljube e Peniche. Por questões políticas foi obrigado ao serviço militar (início de Dezembro de 1939) na Companhia Disciplinar de Penamacor, mas por motivos de saúde a junta militar dispensou-o pouco depois. Em Maio de 1940 foi novamente preso.
Estudou na cela e foi à Faculdade, sob escolta policial, defender a sua tese (100 páginas, confiscadas depois pela PIDE) sobre a realidade social do aborto e a sua despenalização. Os examinadores Paulo Pita e Cunha, Cavaleiro Ferreira e Marcelo Caetano (que vieram a integrar o consulado de Salazar) deram-lhe 19 valores.
Em 1941, trabalhou como regente de estudos no Colégio Moderno, a convite de João Soares (pai), e chegou a dar explicações a Mário Soares, mas no final desse ano passa à clandestinidade. Até 1947 conseguiu pôr de pé o partido, restabelecer as relações com a Internacional Comunista (interrompidas em 1938) e ganhou todos os «desvios internos», sendo mesmo o responsável pelo relatório político apresentado no II e IV Congressos.
Preso de novo pela PIDE em 1949, é levado a julgamento e condenado a quatro anos de prisão maior celular, seguida de oito anos de degredo. Na prisão escreve e desenha. Esteve mais de oito anos isolado numa cela. «Quando se tem um ideal o mundo é grande em qualquer parte», lembraria mais tarde.
A 3 de Janeiro de 1960 foge com outros camaradas do Forte de Peniche, uma fuga espectacular e segue-se novo período de clandestinidade. No ano seguinte é eleito secretário-geral (cargo vago desde 1942) do Partido Comunista Português. Mesmo vivendo no exílio, Cunhal entrou e saiu várias vezes do país e consegue publicar, em 1964, o «Rumo à Vitória», cujas teses ainda perduram no núcleo duro do PCP.
Cinco dias após o 25 de Abril de 1974, Cunhal regressou a Lisboa, vindo de Paris, para a 15 de Maio tomar posse como ministro sem pasta no governo provisório. Entre 1975 e 1992 foi deputado à Assembleia da República, mas só por curtos períodos ocupou o lugar na sua bancada.
Em 1982, torna-se membro do Conselho de Estado, cargo que abandonou em 1992, quando também cedeu a liderança do PCP a Carlos Carvalhas para passar a presidente nacional do Conselho Nacional do partido, um cargo criado à sua medida e extinto anos depois.
Passou incólume aos desaires internos: o «grupo dos seis» e a «terceira via» em 1986; em 1988 o caso Zita Seabra, que acaba por ser expulsa dois anos depois. Foi operado a um aneurisma da aorta, em 1989, em Moscovo. Quando regressa a Portugal, o partido sofre sucessivos contratempos: o grupo do INES e a «quarta via», a queda do muro de Berlim e a «perestroika».
Livre das luzes da ribalta partidária nem por isso deixou de influenciar os destinos dos comunistas portugueses, embora tenha assumido claramente apenas a sua condição de romancista e esteta. Os seus contactos com jovens multiplicaram-se, mas tiveram de passar 28 anos sobre o 25 de Abril para Cunhal ser convidado a falar na Universidade Católica (1997), onde surpreendeu todos ao dizer que Jesus Cristo se sentiria mais próximo dos comunistas.
Com obras publicadas como ideólogo do marxismo-leninismo (entre as quais «Rumo à Vitória» e «Partido com Paredes de Vidro»), só em 1995 reconheceu publicamente ser ele Manuel Tiago - o autor da ficção literária «Até amanhã Camaradas», «Cinco Dias e Cinco Noites», «Estrela de Seis Pontas» e «A Casa de Eulália» - e António Vale, que assinava temas plásticos e fazia desenhos como as suas célebres ceifeiras.
Após a aprovação no Comité Central do «Novo Impulso», um documento que em 1998 imprimia um sentido renovador às linhas de orientação do partido para os anos seguintes, Álvaro Cunhal fez uma ronda de sessões de esclarecimento pelo país, alertando contra as «tendências de social-democratização» no PCP.
Dois anos depois, e por motivos de saúde, Cunhal faltou pela primeira vez à Festa do Avante e pela mesma razão ao XVI Congresso do PCP. Mesmo ausente, marcou os trabalhos, ao enviar um documento em que reafirmava a actualidade do marxismo-leninismo.
Nos últimos anos esteve sempre afastado da cena política devido à sua avançada idade e ao seu estado de saúde.
Em Novembro último, voltou a enviar uma nova mensagem ao XVII Congresso, também saudada de pé pelos militantes. Álvaro Cunhal teve uma filha única, Ana - filha da sua companheira de exílio Isaura Dias -, embora a mulher dos seus últimos anos fosse Fernanda Barroso.
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