O "choque de civilizações", expressão surgida pela primeira vez em 1990 num artigo do especialista do Médio Oriente, Bernard Lewis, generosamente intitulado "As raízes de raiva muçulmana", estabelece a ideia de que o islão não tem nada bom e que a amargura que isso causa entre os muçulmanos transforma-se em raiva contra o Ocidente. Não obstante, a vitória está garantida, assim como a "libanização" do Médio Oriente e o fortalecimento de Israel.
Bernard Lewis, que hoje tem 88 anos, nasceu no Reino Unido e especializou-se como jurista e perito em islamismo. Durante o Segunda Guerra Mundial, trabalhou nas agências de inteligência militar e no gabinete para os assuntos árabes do Ministério Britânico de Relações Exteriores. Nos anos sessenta tornou-se um importante perito consultado pelo Real Instituto dos Negócios Internacionais, onde foi considerado um excelente especialista em intervenção humanitária britânica no império otomano e um dos últimos defensores do império britânico.
Patrocinado pela CIA, ele participou no Congresso para Liberdade Cultural, onde lhe foi confiado o projecto de escrever um livro intitulado "O Médio Oriente e o Ocidente". Em 1974, mudou-se para os Estados Unidos. Tornou-se professor em Princeton e adoptou a cidadania americana. Nessa altura era conselheiro de Zbigniew Brzezinski, que por sua vez, era conselheiro de Segurança Nacional sob a administração do presidente Carter. Em conjunto, conceberam a base teórica do "arco de instabilidade" e planearam a desestabilização do governo comunista do Afeganistão.
Em França, Bernard Lewis era membro da Fundação Saint-Simon de acompanhamento da NATO, para a qual produziu em 1993 um folheto intitulado "Islão e democracia", cuja publicação originou uma entrevista para o jornal francês Le Monde. Naquela entrevista, ele conseguiu negar o genocídio cometido contra os arménios, tendo-lhe sido por esse motivo movido um processo judicial.
No entanto, o conceito de "choque de civilizações" foi evoluindo rapidamente; do discurso neocolonial baseado na tónica da supremacia branca, para a descrição de uma confrontação mundial cujo resultado seria incerto. Este novo significado deveu-se ao professor Samuel Huntington que, contrariamente ao que se possa pensar, não foi um perito islâmico, mas sim um estratega. Huntington desenvolve esta teoria em dois artigos — "O choque de civilizações?" e "O Ocidente único, não universal" -- e um livro originalmente intitulado "O choque de civilizações e o refazer da Ordem Mundial".
Já não se trata de combater os muçulmanos, mas sim de um combate prévio antes do combate com o mundo chinês. Como no mito da fundação de Roma, os Estados Unidos têm de eliminar os seus adversários um por um para alcançar a vitória final
Samuel Huntington é um dos intelectuais mais importantes dos tempos actuais, não porque o seu trabalho seja rigoroso e brilhante, mas sim porque constituiu a fundação ideológica do fascismo moderno.
No seu primeiro livro intitulado "O Soldado e o Estado", publicado em 1957, ele tenta provar que existe uma instituição militar ideologicamente unida, enquanto as instituições civis são politicamente divididas. Assim, ele desenvolve o conceito de uma sociedade na qual seriam eliminados os regulamentos comerciais, colocando o poder político nas mãos das multinacionais, e sob a tutela da Guarda Pretoriana.
Em 1968, ele publicou "A Ordem política nas sociedades em transformação", uma tese onde afirma que os regimes autoritários são os únicos capazes de modernizar os países do Terceiro Mundo. Secretamente, ele participou na criação do grupo de reflexão (think tank) que submeteu um relatório ao candidato presidencial, Richard Nixon, onde se proponha o reforço das acções secretas da CIA.
Em 1969-1970, Henry Kissinger, que tinha uma propensão por acções secretas, exerceu influência para ele ser designado como membro de um grupo de trabalho, especificamente nomeado pelo presidente, para o Desenvolvimento Internacional. Huntington defendia a necessidade de um jogo dialéctico entre o Departamento de Estado e as multinacionais; o primeiro teria que exercer pressão sobre os países em desenvolvimento, no sentido de adoptarem legislações liberais e abandonarem as nacionalizações, enquanto as multinacionais deveriam transferir para o Departamento de Estado o seu conhecimento sobre os países onde desenvolviam as suas actividades.
Ele torna-se então membro do Centro Wilson e cria a revista Foreign Policy. Em 1974, Henry Kissinger designou-o membro do Comitê das Relações Latino-Americanas. Huntington participou activamente na entronização de Augusto Pinochet no Chile e de Jorge Rafael Videla na Argentina. Ali, tentou pela primeira vez o seu modelo social, e demonstrou que uma economia não-regulada seria compatível com uma ditadura militar.
Ao mesmo tempo, o seu amigo Zbigniew Brzezinski apresentou-o a um círculo privado: a Comissão Trilateral. Uma vez integrado nesta Comissão, ele elaborou um relatório intitulado "A Crise da Democracia", onde promove uma sociedade mais elitista que limitaria o acesso às universidades e à liberdade de imprensa.
Quando Jimmy Carter se libertou dos membros das administrações Nixon e Ford, Brzezinski, agora consultor da Segurança Nacional, ajudou o amigo Huntington, que na altura pretendia permanecer na Casa Branca, com o objectivo de desempenhar o papel de coordenador do Conselho de Segurança Nacional.
Durante este período, Huntington encetou uma colaboração activa com Bernard Lewis e concebeu a necessidade prévia de dominação das zonas produtoras de petróleo e politicamente instáveis, antes de um eventual ataque à China comunista. Embora isto não fosse, para já, um "choque de civilizações", na realidade era bastante semelhante.
Mas o professor Samuel Huntington foi forçado a enfrentar um escândalo incómodo. De acordo com notícias correntes, a CIA estava a pagar-lhe para publicar artigos em revistas universitárias, justificando as acções secretas desenvolvidas por aquela agencia, com o objectivo de assegurar a ordem em países onde um ditador amigo tivesse desaparecido ou falecido repentinamente. Quando o escândalo foi esquecido, Frank Carlucci designou-o como membro do Conselho de Segurança Nacional e da Comissão Integrada do Departamento de Defesa para a Estratégia a Longo Prazo.
O seu relatório, serviu como justificação para o programa "Guerra das Estrelas". Hoje, o professor Huntington dirige a Casa da Liberdade, uma associação anticomunista encabeçada pelo anterior director da CIA, James Woolsey.
sexta-feira, março 20, 2009
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2 comentários:
Pelos vistos, a feitura de um canalha custa muito dinheiro - mas não há dúvida que é rentável para quem paga.
Um abraço.
Fernando,
O Huntington já pouco poderá render, ouviram-se muitos choros em Portugal por ocasião da sua morte, contudo, estou de acordo, a feitura de um canalha custa muito dinheiro, ainda que, como tu sabes, através de um sistema de franquías, se pode reduzir o esforço do investimento.
Um abraço.
A revolução é hoje!
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