Flutuando a custo, depois do naufrágio da embarcação na qual trabalhava, o católico maquinista desesperado mas convicto, responde aos marinheiros de um cargueiro que se aproximou para o resgatar: -Agradeço a amabilidade mas não será necessário que me salveis, Deus o fará!
Algumas horas depois, entumecido pelo frio que provoca a asfixia de permanecer submergido durante largos períodos, aproxima-se um veleiro, o qual, lançando-lhe - antes mesmo de se poder aproximar a uma distancia que permitisse o diálogo - uma bóia de salvamento, manobra para recolher o aflito pelo costado de barlavento. Desperto pela agitação que o impacto da cortiça provocara, num giro do olhar, depara-se com uma mão a ponto de o agarrar, exclama este: -Não, não, Deus me salvará. Não!
Havendo demonstrado uma fé cega naquele que escolheu como senhor do seu destino, eis que o ruído de um fora-de-borda reanima um ser já quase sem vida, entregue aos desígnios do seu medo, aquele que o impediu aceitar que, uma vez mais, os pescadores de um arrastão de largo o recolhessem para a lancha de apoio, o que significaria provavelmente romper com a sua incutida crença espiritual.
Acabando por falecer no meio do vasto Oceano, que neste caso nem sequer revelou a sua imensidão se atendermos ao número de oportunidades que este usufruiu por estar numa rota muito navegada, num posterior e surrealista encontro com o seu Deus, ao dar-se conta que havia abandonado o mundo dos vivos (quase todos), interpela o "Criador" com a seguinte questão: -Então Senhor, com a fé que em si depositei, achou por bem deixar-me morrer, não me atendeu quando era necessário, pequei tanto como para merecer este fim?
Num timbre atronador e reductor quanto baste da capacidade de se questionar daquele indivíduo, responde dita divindade: -Três oportunidades, achas pouco?
4 comentários:
Simplesmente fantástico!
É da tua autoria?
Não tratando-se de uma transcrição, antes pelo contrário, a base que despoletou esta "ficção" não é da minha autoria.
CRN...são os caminhos insondáveis do Senhor !!
Abraço
Jorge,
Eu preferi tratá-lo por "maquinista", não quis nomeá-lo por evitar analogías.
Abraço
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