sábado, novembro 28, 2009

Poeta castrado não!

Serei tudo o que disserem

por inveja ou negação:

cabeçudo dromedário

fogueira de exibição


teorema corolário

poema de mão em mão

lãzudo publicitário

malabarista cabrão.


Serei tudo o que disserem:

Poeta castrado não!


Os que entendem como eu

as linhas com que me escrevo

reconhecem o que é meu

em tudo quanto lhes devo:


ternura como já disse

sempre que faço um poema;

saudade que se partisse

me alagaria de pena;


e também uma alegria

uma coragem serena

em renegada poesia

quando ela nos envenena.


Os que entendem como eu

a força que tem um verso

reconhecem o que é seu

quando lhes mostro o reverso:


De fome já não se fala

- é tão vulgar que nos cansa -

mas que dizer de uma bala

num esqueleto de criança?


Do frio não reza a história

- a morte é branda e letal -

mas que dizer da memória

de uma bomba de napalm?


E o resto que pode ser

o poema dia a dia?

- um bisturi a crescer

nas coxas de uma judia;


um filho que vai nascer

parido por asfixia?!

- Ah não me venham dizer

que é fonética a poesia!


Serei tudo o que disserem

por temor ou negação:

Demagogo mau profeta

falso médico ladrão


prostituta proxeneta

espoleta televisão.

Serei tudo o que disserem:


Poeta castrado, não!


Ary dos Santos - 1973

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