quarta-feira, novembro 19, 2008
Sobre a Violação da Unidade Encoberta com Gritos de Unidade
Trótski procurou falar o mínimo possível na sua nova revista quanto ao fundo das suas concepções. O Put Právdi (n.° 37) já assinalou que Trótski não disse uma palavra sequer nem sobre a questão da clandestinidade nem sobre a palavra de ordem de luta por um partido legal, etc.(4) Eis porque, entre outras coisas, neste caso nós falamos do pior fraccionismo, quando uma organização separada quer surgir sem qualquer fisionomia ideológico-política.
Mas se Trótski não quis expor directamente as suas concepções, uma série de passagens da sua revista mostra que ideias ele põe em prática pela calada e às escondidas.
Lemos logo no primeiro artigo de fundo do primeiro número:
«A social-democracia de antes da revolução era entre nós um partido operário somente pelas suas ideias e pelos seus objectivos. Na realidade ela representava em si a organização da intelectualidade marxista, que levava atrás de si a classe operária que despertava».
Esta é uma cantilena liberal e liquidacionista há muito conhecida, que serve de facto de introdução à negação do partido. Esta cantilena baseia-se na deturpação dos factos históricos. Já as greves de 1895-1896 criaram um movimento operário de massas, ligado tanto ideológica como organicamente à social-democracia. E também nestas greves, na agitação económica e não económica, «a intelectualidade levava atrás de si a classe operária»!!?
Ou então eis os dados exactos sobre os crimes contra o Estado nos anos de 1901-1903 em comparação com a época anterior:
Por cada 100 participantes no movimento libertador (processados por crimes contra o Estado), o número de pessoas por profissões era:
Época
Na agricultura
Na indústria e comércio
Profissões liberais e estudantes
Ocupações indeterminadas e sem ocupação
Época - 1884-1890
Agricultura - 7,1
Industria e comercio - 15,1
Profissões liberais e estudantes - 53,3
Ocupações indeterminadas e sem ocupação - 19,9
Época - 1901-1903
Agricultura - 9,0
Industria e comercio - 46,1
Profissões liberais e estudantes - 28,7
Ocupações indeterminadas e sem ocupação - 8,0
Vemos que nos anos 80, quando não existia ainda partido social-democrata na Rússia, quando o movimento era «populista», predominava a intelectualidade: ela dá mais de metade dos participantes.
Este quadro muda por completo nos anos de 1901-1903, quando já existia o partido social-democrata, quando realizava o seu trabalho o velho Iskra, A intelectualidade já está em minoria entre os participantes no movimento, os operários («indústria e comércio») são já muito mais do que os intelectuais, e os operários e camponeses em conjunto são mais de metade do número total.
Foi precisamente na luta de correntes dentro do marxismo que se manifestou a ala intelectual-pequeno-burguesa da social-democracia, começando pelo «economismo» (1895-1903), continuando com o «menchevismo» (1903-1908) e o «liquidacionismo» (1908-1914). Trótski repete as calúnias liquidacionistas contra o partido, temendo referir-se à história de vinte anos de luta de correntes dentro do partido.
Eis outro exemplo:
«Na sua atitude para com o parlamentarismo, a social-democracia russa passou pelos mesmos três estádios... (como noutros países)... primeiro o 'boicotismo'... depois o reconhecimento de princípio da táctica parlamentar, mas...» (magnífico 'mas', o mesmo 'mas' que Chtchedrine traduziu com a frase: as orelhas não crescem mais alto do que a testa, não crescem!) "... com objectivos puramente de agitação... e, por fim, a transferência para a tribuna da Duma... de reivindicações imediatas...» (n.° 1, p. 34).
Novamente uma deturpação liquidacionista da história. A diferença entre o segundo e o terceiro estádios foi inventada para fazer passar furtivamente o reformismo e o oportunismo. O boicotismo, como estádio na «atitude da social-democracia face ao parlamentarismo» não existiu nem na Europa (ali houve e continua a haver o anarquismo), nem na Rússia, onde o boicote, por exemplo, da Duma de Bulíguine se referia somente a determinada instituição, nunca se relacionando com o «parlamentarismo», e foi fruto da luta peculiar do liberalismo e do marxismo pela continuação da arremetida. De como esta luta se reflectiu na luta das duas correntes dentro do marxismo, Trótski nem abre a boca!
Se se aborda a história, há que explicar as questões concretas e as raízes de classe das diversas correntes; quem desejar estudar de modo marxista a luta de classes e a luta de correntes pela participação na Duma de Bulíguine verá aí as raízes da política operária liberal. Mas Trótski «aborda» a história para fugir às questões concretas e inventar uma justificação ou um simulacro de justificação para os oportunistas actuais!
"... De facto todas as correntes — escreve ele — empregam um e o mesmo método de luta e de construção». — "Os gritos sobre o perigo liberal no nosso movimento operário são simplesmente uma grosseira caricatura sectária da realidade» (n.° 1, pp. 5 e 35).
Esta é uma defesa muito clara dos liquidacionistas e muito irritada. Mas nós permitir-nos-emos, no entanto, tomar pelo menos um pequeno facto dos mais recentes — Trótski lança apenas frases, nós gostaríamos que os próprios operários meditassem neste facto.
O facto é que o Sèvernaia Rabótchaia Gazeta escrevia no seu número de 13 de Março:
«Em vez de se sublinhar a tarefa precisa, concreta, que a classe operária tem diante de si — obrigar a Duma a rejeitar o projecto de lei (sobre a imprensa), propõe-se uma vaga fórmula de luta por 'palavras de ordem não truncadas', paralelamente com a publicidade da imprensa ilegal, o que só pode debilitar a luta dos operários pela sua imprensa legal."
Eis a defesa documental, clara e precisa da política liquidacionista e a crítica da pravdista. Pois bem, haverá uma pessoa que saiba ler e escrever que diga que ambas as correntes empregam nesta questão «um e o mesmo método de luta e de construção»? Haverá uma pessoa que saiba ler e escrever que diga que os liquidacionistas não aplicam aqui uma política operária liberal? que o perigo liberal no movimento operário é aqui uma invenção?
Trótski evita os factos e as referências concretas porque eles desmentem implacavelmente todas as suas irritadas exclamações e frases pomposas. Evidentemente que dar-se ares e dizer «grosseira caricatura sectária» é muito fácil. Acrescentar umas palavrinhas ainda mais mordazes, ainda mais pomposas, sobre a «emancipação em relação ao fraccionismo conservador» também não é difícil.
Mas não será isto demasiado barato? Não sairá esta arma do arsenal da época em que Trótski brilhava perante os estudantes liceais?
Os «operários avançados», com os quais Trótski se irrita, quererão no entanto que se lhes diga directa e claramente: aprovais o «método de luta e de construção» que está expresso com exactidão na citada avaliação da campanha política concreta? sim ou não? se sim, então isso é política operária liberal, isso é traição ao marxismo e ao partido, e falar de «paz» ou de «unidade» com tal política, com grupos que a aplicam, significa enganar-se a si próprio e aos outros.
Não? — então dizei-o explicitamente. Porque o operário actual não se surpreende, não se satisfaz e não se assusta com frases.
Diga-se de passagem: a política pregada pelos liquidacionistas na passagem citada é estúpida mesmo do ponto de vista liberal, pois a aprovação de uma lei na Duma depende dos «zemtsi-outubristas» do tipo de Bennigsen, que já mostrou as suas cartas à comissão.
* * *
Os velhos participantes no movimento marxista na Rússia conhecem bem a figura de Trótski, e não vale a pena falar-lhes dela. Mas a jovem geração operária não a conhece, e é necessário falar, pois trata-se de uma figura típica de todos os cinco grupinhos no estrangeiro, que de facto também vacilam entre os liquidacionistas e o partido.
Nos tempos do velho Iskra (1901-1903), para esses vacilantes e trânsfugas que passavam dos «economistas» para os «iskristas» e vice-versa, havia uma alcunha: «trânsfugas de Túchino» (assim chamavam na Época da Confusão311 na Rússia aos guerreiros que fugiam de um campo para o outro).
Quando falamos de liquidacionismo, designamos certa corrente ideológica, que foi crescendo com os anos, e ligada pelas raízes ao «menchevismo» e ao «economismo» em vinte anos de história do marxismo, ligada à política e à ideologia de determinada classe, a burguesia liberal.
Os «trânsfugas de Túchino» declaram-se acima das fracções com base na única razão de que eles «tomam de empréstimo» as ideias hoje de uma fracção e amanhã de outra. Trótski era um «iskrista» apaixonado nos anos de 1901-1903, e Riazánov chamou ao seu papel no congresso de 1903 papel de «cacete leninista». Nos fins de 1903 Trótski era um menchevique apaixonado, isto é, dos iskristas passou para os «economistas»; proclama que «entre o velho e o novo Iskra há um abismo». Nos anos de 1904-1905 afasta-se dos mencheviques e ocupa uma posição vacilante, ora colaborando com Martínov («economista») ora proclamando a «revolução permanente» de um esquerdismo absurdo. Em 1906-1907 aproxima-se dos bolcheviques e na Primavera de 1907 declara-se solidário com Rosa Luxemburg.
Na época da desagregação, após longas vacilações «não fraccionistas», vai de novo para a direita e em Agosto de 1912 entra num bloco com os liquidacionistas. Agora de novo afasta-se deles, mas entretanto repete no fundo as suas mesmas ideiazinhas.
Tais tipos são característicos como restos das formações históricas de ontem, quando o movimento operário de massas na Rússia ainda dormia e qualquer grupinho «estava à vontade» para se apresentar a si próprio como corrente, grupo, fracção — numa palavra, uma «potência» que fala de unificação com outros.
É preciso que a jovem geração operária saiba bem com quem trata, quando apresentam incríveis pretensões pessoas que não querem ter em conta de modo algum nem as decisões do partido, que desde 1908 determinaram e estabeleceram a atitude para com o liquidacionismo, nem a experiência do movimento operário actual na Rússia, que criou de facto a unidade da maioria na base do pleno reconhecimento das citadas decisões.
Assinado: V. lline
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