quinta-feira, novembro 20, 2008

Forças armadas - o fim do SMO

As Forças Armadas Portuguesas (FFAA) foram tendo diferentes formas de organização e diferentes objectivos ao longo dos anos. A Constituição da República Portuguesa diz-nos que «A defesa nacional tem por objectivos garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas.»À semelhança das Forças Armadas, o Serviço Militar Obrigatório (SMO), que existia desde o século XIX, foi sofrendo alterações, umas que acompanharam naturalmente a mudança da sociedade, outras no sentido de acabar com o SMO.
O fim do SMO corresponde, entre outras, à alteração – inconstitucional, diga-se – do papel que os sucessivos governos tiveram a pretensão de atribuir às Forças Armadas na sociedade – um papel de agressão a outros povos.Foi uma opção política e também uma opção de classe – da classe burguesa, que domina o aparelho de Estado.
A História mostra-nos que a classe que está no poder num determinado Estado, utiliza os mecanismos, meios e instituições para que a sua classe se perpetue no poder. Lénine referia-se a isto, quando escrevia que «As classes exploradoras precisam do domínio político no interesse da manutenção da exploração, isto é, no interesse egoísta de uma minoria insignificante contra a imensa maioria do povo.» (1)
Relativamente ao uso de forças armadas para a dominação do poder, é bastante perceptível no caso de regimes mais extremos, como os fascistas; tal como aconteceu na Alemanha, em Itália, em Espanha e mesmo em Portugal, em que havia forças armadas ao serviço, não do país e do povo, mas sim ao serviço de uma classe, que perspectivava manter-se no poder.Este sistema também é usado em Estados democráticos, mas obviamente de uma forma muito mais escamoteada e subtil.
Quando se discutiu o fim do SMO na Assembleia da República, o PCP mostrou-se contra até pela questão da sustentabilidade das Forças Armadas. Dissemos então em 99 que «Os desafios fundamentais para o modelo de Forças Armadas de profissionais e contratados são essencialmente quatro: primeiro, o sistema tem de garantir que consegue produzir o número de aderentes (profissionais e contratados) considerados necessários para as missões e sistema de forças em tempo de paz; segundo, o sistema deve conter os mecanismos necessários para o crescimento necessário das Forças Armadas para as situações de excepção, incluindo a guerra; terceiro, deve ficar garantida uma correcta compreensão por parte da população sobre os deveres gerais militares que sob ela impendem, no quadro do dever de defesa da Pátria; quarto, deve estar garantido que não se cria um fosso entre as Forças Armadas e o país.»
Os últimos anos mostraram que o aviso do PCP e da JCP estava certo. Hoje, o regime de voluntariado (que aliás, sempre existiu, mesmo quando existia SMO) é insuficiente para as necessidades do País, mesmo num quadro de crescimento do desemprego e dos salários de miséria em que o ingresso nas Forças Armadas poderia significar uma resolução dos problemas económicos de muitos jovens. O Governo tenta outras formas de angariar «voluntários»: acenando com salários altos a quem queira ir em missões para fora do país; utilizando os Centros de Emprego; propagandeando as virtudes das Forças Armadas em escolas, juntas de freguesias, em iniciativas viradas para a juventude e mesmo em escolas com ensino profissional e centros de formação profissional. Assim se vê o alvo do voluntariado: os jovens com maiores dificuldades financeiras, com baixa formação, aqueles que não vislumbram um futuro melhor.
Para «compensar» o afastamento entre as Forças Armadas e a juventude portuguesa que o fim do SMO trouxe, foi criado o Dia de Defesa Nacional, claramente insuficiente para o conhecimento sobre a importância das Forças Armadas.
Vejamos ainda o exemplo dos EUA, onde este processo está mais desenvolvido. Onde têm soldados profissionais, ou seja, exércitos de mercenários. Não ao serviço do país e do povo, mas sim ao serviço da empresa para a qual trabalham. Empresas estas que aliciam os jovens com benefícios, tal como se lhes estivessem a vender um produto. Entre estes benefícios, que levam as pessoas mais desfavorecidas a alistarem-se nessas empresas, incluem-se planos de saúde para o próprio e a família, generosos prémios em dinheiros, pagamento da universidade depois da baixa, há até uns que dizem que oferecem a oportunidade de viajar pelo país e o mundo (obviamente! com a arma atrás), e também não falta o caso do «inscreve-te com um amigo e vão os dois juntos» (2) . Isto, quando alguns destes benefícios, como a saúde e a educação, deveriam ser direitos básicos, e portanto, gratuitos e para todos. Assim como o direito ao trabalho, e ao seu justo salário, deviam ser direitos inalienáveis de todos.
Sabendo tão bem quanto nós, a importância e a força das forças armadas, a classe que tem governado o nosso país tem levado a cabo um conjunto de políticas para adequar as FFAA aos interesses do capital, em consonância com a estratégia da União Europeia de criação de um Exército Europeu e também da NATO, formando as FFAA profissionais, baseado unicamente no voluntariado. Uma dessas formas que o capital encontrou para transformar as FFAA foi acabar com o SMO, não imediatamente após o 25 de Abril (até porque encontrariam a resistência da juventude e das populações), mas aos poucos, através de uma poderosa campanha de descredibilização do SMO junto dos jovens e de retirada de meios para o seu cumprimento.
Durante anos, milhares de jovens cumpriram o SMO sem condições dignas, utilizando-os como mão-de-obra barata para as questões de logística e de manutenção do dia-a-dia da instituição militar, muitas vezes sem proporcionar qualquer tipo de formação especializada. Ao mesmo tempo foi-se reduzindo o tempo de serviço até aos 4 meses (na altura só o PCP e a JCP denunciaram, caracterizando já nesta altura esta medida como «morte anunciada do SMO»), que consideramos escasso para uma formação mínima. Da mesma maneira, a manutenção do posto de trabalho não era assegurado depois do cumprimento do SMO.
O objectivo destas políticas foi afastar os jovens das FFAA, porque sabem que umas FFAA constituídas pelo povo e pelos trabalhadores cria uma maior consciência social dentro das Forças Armadas, pois «Só o proletariado – devido ao seu papel económico na grande produção – é capaz de ser o chefe de todas as massas trabalhadoras e exploradas que a burguesia explora, oprime, e esmaga». (3)
Também Engels nos faz referência de que em França após cada revolução os operários ficaram armados; e que «para os burgueses que se encontravam ao leme do Estado, o desarmamento dos operários era, por isso, imperativo primeiro.». (4)
Em Portugal está a passar-se o mesmo. As nossas FFAA tiveram um papel determinante na libertação do país das garras do fascismo. Exactamente porque eram constituídas por jovens e trabalhadores. Todos cumpriam o SMO, independentemente da sua classe social ou condição social.Há toda uma ofensiva da classe dominante, para dominar o povo; através do desemprego, da pobreza, da poderosíssima ofensiva ideológica, da cada vez maior dificuldade no acesso à cultura, à educação, ao desporto; criam-se condições cada vez mais difíceis para os trabalhadores e para os jovens, dificultando assim a sua intervenção na luta pela resolução dos seus problemas.Pelos mesmos motivos quiseram retirar a presença dos jovens e principalmente dos trabalhadores nas FFAA de forma obrigatória e universal.
Caminhamos então para a profissionalização das FFAA. No nosso país, são as condições sociais que levam alguns jovens ao Serviço Militar, apenas porque não têm emprego ou emprego com direitos, e são também aliciados com remunerações elevadas sempre que estejam disponíveis a participar em «missões» no estrangeiro. Há casos de jovens que aceitam participar nestas «missões» para poderem pagar o seu curso superior ou sustentar a sua família.
Temos hoje umas FFAA não com o objectivo de assegurar a defesa nacional, mas essencialmente para as guerras do imperialismo, como recentemente vimos no Iraque e no Afeganistão. A JCP defende a reposição do SMO que não nos moldes em que vigorou nos últimos anos. Defendemos um serviço militar que a todos obrigue, que seja encarado não só como um dever mas, acima de tudo, como um direito inalienável dos jovens na participação efectiva na defesa e soberania nacionais.
Entendemos, que a par de uma profunda reestruturação das FFAA, é fundamental a dignificação do SMO, das condições em que este é prestado, de forma a torná-lo atraente, útil, criativo, que tenha em conta as aptidões e vocações dos jovens que nele participam, que garanta o respeito e os direitos dos conscritos, nomeadamente a manutenção do posto de trabalho e da remuneração aquando da incorporação, a remuneração com valor idêntico ao auferido antes da incorporação tendo como valor mínimo o salário mínimo nacional, bem como a valorização das especializações técnicas e de investigação.
Só com uma ampla participação popular nas FFAA se garante que também esta instituição é democrática e o reflexo da nossa sociedade. A participação dos trabalhadores é o garante de que as FFAA estarão ao serviço da defesa da paz e da vontade popular.

3 comentários:

Ana Camarra disse...

CRN

Por acaso hoje é um desses dias da Defesa ou de outra coisa do genero, o meu mancebo lá de casa lá foi hoje, visitar um quartel qualquer...
Quanto ao SMO assisti muitas vezes ao destruturar de vidas, presas por essa contigência, quantos jovens já na vida activa, quantos jovens viram os seus estudos estrangulados...
Uma estupidez.
Depois como referes, num país onde o desemprego ameaça, começa a ser alternativa o ingresso nas Forças Armadas com tudo o que daí pode vir.
Recordo os estratagemas que eram utilizados para se "livrar" á tropa, muitos e diversos, hoje tudo é diferente, a tropa aceita mulheres, não posso deixar de recordar um amigo meu, saudavél, sem radiografias de ossos pouco estaveis, sem cunhas, disse apenas "Eu não vou á tropa!"
Perguntámos: "Como?"
"Logo digo"
Foi á inspecção e dado como inapto!
Desportista, alto,em excelente forma fisica, quisemos saber como.
O artista nada fez, limitou-se a pintar as unhas dos pés de cor de rosa choc....

Um Beijo

Anónimo disse...

Ana,
A defesa do SMo por parte da JCP é legitima, fundamentada, garante da democracia no nosso país, evitando que as forças armadas se tornem uma arma da ditadura imperialista, invasora, desrespeitadora dos outros povos, impositora da vontade oligárquica.

A revolução é hoje!

Anónimo disse...

Numa outra perspectiva, alterar a antiga e descredibilizada carne para canhão, numa força imbuída de carácter e sentido do dever verdadeiramente patriótico de defender o povo seu igual.

Abraço!