terça-feira, novembro 11, 2008

O PCP e a guerra colonial - Mário Moutinho de Pádua, Médico

África - Desafios do desenvolvimento, do progresso social e da soberania. A denúncia do neocolonialismo, outra visão para as relações com África
O Partido Comunista Português manteve-se ao longo da sua história fiel à concepção expressa lapidarmente por Lenine : o povo de um país que coloniza outros povos não pode ser livre. A independência das colónias portuguesas foi uma das linhas de força do programa de acção do PCP e um dos primeiros objectivos da transformação que definiu como necessária muito antes do 25 de Abril. Alguns africanos mal informados, e muitos inimigos do PCP, tentaram lançar dúvidas sobre essa posição de princípio, mas Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Samora Machel, Vasco Cabral, para citar apenas alguns dos já falecidos entre os maiores dirigentes da luta de libertação nacional, deixaram-nos testemunhos bem claros sobre a ajuda fraternal do PCP à luta dos povos coloniais. As consequências da evasão de Neto e Vasco Cabral de Portugal num barco pilotado por membros do PCP não devem ser subestimadas Já o jornal “Avante”, série II, nº 10, Agosto de 1935 definia o caminho que o PCP sempre havia de trilhar :“A nossa posição face a uma nova partilha dos territórios africanos pelo imperialismo europeu é a posição de todo o leninista : lutar contra o imperialismo capitalista, pela libertação dos povos coloniais e em favor do reconhecimento a estes povos do direito a se governarem a si próprios”. Por isso quando alguns insinuam que só em 1957, no V Congresso do PCP, se afirma pela voz de Jaime Serra, um dos seus dirigentes, “o direito à independência imediata e sem condições das colónias da África Portuguesa” , estão a cometer uma injustiça.
É verdade que na sua luta contra o fascismo, o PCP lutou infatigavelmente pela unidade das forças antifascistas e que alguns documentos das organizações unitárias em que se incluía sempre em minoria, defenderam o colonialismo, mas isso nunca impediu o PCP de sustentar e reafirmar a sua própria linha de acção.
Outro argumento esgrimido contra o PCP foi o desencadeamento da luta armada em Portugal. O PCP não considerava criadas as condições para o desencadeamento de uma guerra de guerrilha, o que gerava certa impaciência em alguns dos militantes dos movimentos de libertação das ex-colónias porque desconheciam a realidade portuguesa.
O PCP previu que uma iniciativa desse género poderia levar à destruição da organização do Partido, sem nenhuma vantagem real nem garantias de continuidade. Um golpe militar, para onde certas forças portuguesas nos queriam empurrar, sem um poderoso movimento de massas a apoiá-lo, não redundaria em mais do que numa mudança nos nomes dos senhores que dominavam o país.A insurreição nacional armada era a meta a atingir e para a preparar o PCC desenvolveu uma acção paciente, à custa de milhares de presos e torturados, de demasiados assassinados e de inúmeros perseguidos. Esse longo e difícil trabalho incluiu a participação de comunistas na luta clandestina dentro das Casas dos Estudantes do Império, ao lado de importante dirigentes africanos.
Quando a situação foi considerada madura, o PCP criou a ARA, a qual desenvolveu acções armadas favoráveis aos povos colonizados – muitos helicópteros destruídos, sabotagens dos navios, etc.A deserção foi outro tema de aceso debate e estou à vontade para abordar o assunto porque desertei na zona de guerra, em Angola, com um camarada, o Alberto Pinto e mais tarde pude oferecer os meus serviços de médico ao PAIGC como comunista e portanto internacionalista. Nos movimentos de libertação pensou-se inicialmente que deveríamos apoiar a deserção de soldados armados. Essa política não podia frutificar em grande escala.
O PCP apelou sim à deserção colectiva – e ela concretizou-se nas centenas de milhares que se escaparam para o estrangeiro - mas tão pouco deixou de salientar o valor da permanência dos nossos militantes entre os soldados como factores de esclarecimento contra a guerra colonial. E esse não foi o menor contributo prestado pelo PCP pois teve sem dúvida influência na crescente tomada de consciência dos chamados capitães de Abril, consciência que, em uníssono com a explosão do povo português, permitiu que o 25 de Abril não se tornasse um simples golpe entre militares, mas assumisse os contornos da insurreição nacional armada que pretendíamos.
Deste modo a luta dos povos africanos convergiu com a nossa e o 25 de Abril ganhou a dimensão revolucionária que levou à rápida cessação da guerra e em breve à independência dos colonizados, à supressão da Pide, à democracia, às nacionalizações, à reforma agrária e a outras conquistas. Por isso podemos concluir que o PCP e os verdadeiros movimentos de libertação – o MPLA, o PAIGC, a FRELIMO – (excluo os que serviram o colonialismo e o imperialismo, isto é, a Unita, a Fnla, a Fling, a Renamo), conjugaram os seus esforços e conseguiram que uma parte do mundo desse passos de gigante, mesmo se hoje os recuos e as desilusões nos entristecem.

7 comentários:

Ana Camarra disse...

CRN

Em primeiro lugar dizer que tenho tido imensa dificuldade em aceder ao teu blogue.
Depois o raciocínio mais correcto do mundo: Quem oprime não pode ser livre!
Faz-me lembrar Thomas Jefferson, subscritor da Constituição do Estados Unidos da América, admirador da Revolução Francesa e dono de escravos…
De facto foi a consciencialização dos militares que levou à libertação dos povos.

Zeca escreveu este Homem Novo

“Um homem novo
Veio da mata
De armas na mão
Não é soldado
De profissão
É guerrilheiro
Na sua aldeia
A mãe o diz
Duma fazenda
Faz um país

Colonialismo
Não passará
Imperialismo
Não passará
Veio da mata
Um homem novo
Do M. P. L. A.

Namíbia quente
Vai despertando
Da areia ao mar
Agora ou nunca
Não há que errar
Foi em Fevereiro
Na dia quatro
Sessenta e um
Angola existe
Povo há só um

Colonialismo
Não passará...
A cor da pele
Não é motivo
Pra distinguir
Angola nova
Só há que unir
Se novos donos
Querem pôr tronos
No teu país
Dum guerreiro
Faz um juiz

Colonialismo
Não passará...


Olha o caminho
Da Polissário
De Zimbabwé
África toda
Levanta-te
Se novos donos
Querem pôr tronos
Sobre o teu chão
Por cada morto
Nasce um irmão


Colonialismo
Não passará...”


De facto povo só há um!

Beijos

Anónimo disse...

Ana,
Falta povo acordado neste país à beira-mar plantado, falta-nos união, falta-nos coesão, falta-nos sair para a rua com a vontade na mão.

A revolução é hoje!

Anónimo disse...

Amigo CRN

Aviso desde já que não quero nem por sombras polemizar...!!! mas..que eu saiba, pelo menos na altura em que fui para a tropa o PCP aconselhava à não deserção, mas sim minar o terreno por dentro ou seja, consciencializar os soldados para o que significava realmente a guerra colonial e as suas implicações várias.
Também penso que deserções não terá havido assim tantas,..falo de deserções no activo, não como por exemplo o meu irmão e muitos outros meus conhecidos que não chegaram a entrar, pois antes abandonavam o país. Mas a contribuição que queria prestar era esta: no meu tempo o PCP aconselhava a entrada nas fileiras para fazer funcionar a coisa por dentro.
Abraço!

Anónimo disse...

Jorge,
A ideia deviar ser; suponho, básicamente, que não funcionasse?!

A revolução é hoje!

Anónimo disse...

AHAHAHAHA óbvio, que não funcionasse,...mas a intenção era a consciencialização e politização dos militares, que eu penso que fizemos com muito êxito. Repara que havia soldados de zonas do interior, para quem a palavra política era desconhecida e a acção psicológica da tropa induzia `total brutalização,...tínhamos que combater os terroristas nossos inimigos e já está !!! básicamente era isto! nós, começamos por lhes dizermos que íamos para lá tomar parte numa guerra injusta, que íamos defender interesses de meia dúzia de grandes capitalistas que mandavam no país,.etc....penso que essa politização foi muito importante, a par de lhes explicarmos que na verdade os "tais terroristas" eram pessoas que queriam tomar conta do seu país e do seu destino e que nós é que éramos os invasores. Enfim, nessa altura muita gente felizmente se empenhou numa verdadeira clarificação dos acontecimentos que muito contribuíram para que se olhasse para a situação com outro sentido.
Abraço!

Mário Pinto disse...

Jorge,
Se, das "forças invasoras", houvera uma dissidência politica, que justificara a deserção, quando protagonizada por oficiais, que prestavam o seu trabalho no outro lado, seria um tiro no meio dos olhos da moral das tropas.
Um foguete para os Africanos.

A revolução é hoje!

Anónimo disse...

Olá Mario . Nunca li o teu livro, mas deve ser muito giro
bjos a tua neta Júlia