Agradecendo de antemão que os comentários fiquem aqui expostos, que não seja o email uma caixa de críticas, essas que afinal são fundamentais para continuar a crescer. Fica aqui uma análise mais pausada do texto que anteriormente transcrevi e critiquei parcialmente.
“Os conservadores esperam que a investigação do genoma humano ajude a provar que a natureza, não ordens sociais desiguais, determinam quem acaba por se tornar doente e pobre. Mas os nossos genes têm-se recusado a cooperar.” Ainda parcialmente de acordo - a natureza não determina a pobreza -, não podemos esquecer as leis de Mendel.
“Um psicólogo clínico notável pelas suas observações sobre como a desigualdade afecta o que se passa nas nossas cabeças está agora a divulgar algumas percepções fascinantes, baseadas em nova investigação acerca de quanto a desigualdade reflecte o que está a acontecer nos nossos genes.” Nada de novo.
Este psicólogo clínico britânico, Oliver James, escreveu muito ao longo dos últimos anos acerca do que denomina "ansiedade pela riqueza" ("affluenza") [NT] , o "vírus" induzido pela desigualdade que nos conduz a um nível sempre mais alto de dinheiro, posses e fama.
“A affluenza, destacou James, varia amplamente na sociedade. Quanto mais desigual for a distribuição de rendimento e riqueza numa sociedade, mais affluenza e mais elevada a incidência de doenças mentais que a affluenza tão seguramente engendra.” Não sendo este o factor predominante, a affluenza, antes olhêmos as necessidades básicas como a fome, que raramente aparece nas conjecturas de cariz burguês.
“Os apologistas de ordens sociais desiguais sempre, naturalmente, contestaram qualquer ligação entre doenças mentais e o ambiente económico e social. Que pessoas de baixo rendimento sofram depressão a níveis duplos das pessoas de alto rendimento, acreditam estes apologistas, sugere apenas que pessoas na base nasceram neste mundo com mais "deficiências pessoais" do que as do topo.” Nada a contrapôr nesta crítica.
"A direita política acredita que os genes explicam amplamente porque os pobres são pobres, assim como terem uma probabilidade dupla de serem mentalmente doentes", como observa James. "Para elas, os pobres são lama genética, afundada na base do charco genético". Coisas da direita, nada de novo, nada de razoável.
“A prova científica deste afundamento, exultava a direita uma década atrás, viria quando "avanços rápidos na genética e na neurociência" – o projecto genoma humano e toda a investigação em torno dele — revelasse a verdadeira "história da natureza humana".” Idem.
“A investigação do genoma humano, como opinou dez anos atrás o cientista político Charles Murray junto à organização de extrema-direita American Enterprise Institute, "está em vias de contrair e abalar o espaço para certas posições políticas".” As da direita, certamente.
“"Estou a prever que os provérbios da direita geralmente demonstrar-se-ão mais próximos do alvo do que os provérbios da esquerda", escreveu Murray, "e que muitas das causas da esquerda revelar-se-ão incompatíveis com o modo como os seres humanos são programados (wired) ".” A esquerda é de poucos provérbios mas materialista.
“Com mais completa informação genética em mãos, Murray contestou: "verificou-se que a população abaixo da linha de pobreza nos Estados Unidos tem uma configuração de constituição (makeup) genética relevante que é significativamente diferente da configuração da população acima da linha de pobreza".” Mais um troço da mentira que é a direita.
“De facto, como observa Oliver Jones numa nova análise, as coisas não se apresentaram deste modo de forma alguma. A "extensa investigação do genoma" desde o ano 2000 não revelou qualquer "constituição genética" que predisponha algumas pessoas para o "êxito" e a riqueza e outras para a doença e a pobreza.” Aqui reside um erro importante da resposta do autor: Em realidade existe uma predisposição genética herdada para padecer determinadas doenças, ainda que as doenças sejam como o lumpen, não observem classes.
"Agora sabemos", observa James, "que os genes apenas variam a propensão entre irmãos, classes sociais ou grupos étnicos para sofrerem problemas de saúde mental". Estou de acordo.
“O Journal of Child Psychology and Psychiatry apresentou exactamente o mesmo ponto num editorial do princípio deste ano. A ciência séria, declarava o editorial, agora concentra-se mais do que nunca "sobre o poder do ambiente" e "todos excepto os deterministas genéticos mais teimosos tiveram de rever o seu ponto de vista".” Sem ser determinista, é bom lembrar que não devemos misturar pobreza e doenças.
"Os factores biológicos não existem num vácuo, hermeticamente selados de factores sociais e ambientais", acrescentou na semana passada o bioético Daniel Godlberg, da Carolina do Norte, num comentário sobre a nova análise de Oliver James. "Assim, a tentativa de separar o biológico e o social não faz o mínimo sentido". Não comparto esta afirmação totalmente, social não é ambiental. Nascer no Nepal ou no Peru, dentro de certa continuidade familiar, permite que o nosso sangue transporte muito mais oxigénio que o sangue de quem nasceu ao nivel do mar. Aqui não entra o aspecto social, só o ambiental. Por herança genética, acervo génico, os oriundos da África central possuem uma pele diferente à dos eslavos, e este é o resultado de uma adaptação ambiental, nada que ver com o social.
“Assim, o que faremos com o nosso novo entendimento da genética? Como podemos construir sobre o que agora sabemos a fim de ajudar a moldar sociedades mais saudáveis? James está a sugerir uma sequência de três passos.” Aqui chegamos ao cúmulo da confusão.
“Primeiro, aconselha o psicólogo, vamos "criar uma sociedade na qual o máximo de oportunidades para uma vida mentalmente saudável e realizada seja mais importante do que enriquecer uma minúscula minoria".” Há muito que lutamos contra o capitalismo, tentar inventar a pólvora através de um discurso tão confuso pode ser contraproducente.
“Segundo, vamos "colocar o atendimento das necessidades das crianças, especialmente as mais pequenas, à frente de todas as outras prioridades".” Isto não é possivel, não é lógico nem positivo.
“E, terceiro, vamos cultivar (nurture) as condições sócio-económicas que maximizam a saúde mental. James explica: "Isto significa criar maior igualdade económica, condições de trabalho muito mais seguras, muito maior flexibilidade de emprego para pais de crianças pequenas e uma semana de 35 horas".” Outra mistura perigosa: “maximizar a saúde mental” é comparar por baixo, os três aspectos enfatizados, como sabemos, fazem parte de um todo: Acabar com o capitalismo.
“Temos, reconhece James, "nem uma mínima possibilidade de algo disto acontecer até que os políticos entendam o que a ciência está a dizer-nos".” O que os cientistas, cientistas sérios, defendem, não se expõe de forma tão liviana nem com argumentos tão frágeis. Ainda que de existir (e existe) uma patologia que pode guardar relação com a realidade social cada vez mais homogénea da pobreza, esta é só mais uma, apenas mais uma, e estas, na sua grande maioria, conservam um denominador comum, o capitalismo. Não é por atirar para cima dos políticos a razão de todos os males da sociedade que vamos mudar nada, nem sequer pedindo-lhes que mudem o seu rol de prioridades, afinal quem os coloca em funções somos nós, todos, e seremos nós, povo, protagonizando a história, aqueles que devemos assumir de uma vez por todas o nosso papel, começando por cada um de nós, com os nossos filhos, com os professores, nas nossas relações com o mundo, connosco.
“Os cientistas podem precisar de falar mais alto. E o resto de nós? Podemos precisar ouvir mais atentamente.” Sobre esta sentença nada direi, fica ao critério do leitor a sua apreciação, afinal não se trata só de ouvir ou lêr.
[NT] Affluenza: União das palavras affluence (riqueza) e influenza (gripe), significando o desejo extremo de obter bens materiais ou o sentimento de insatisfação e ansiedade provocado pela busca obsessiva e incessante para obter sempre mais.
quarta-feira, novembro 03, 2010
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