Jorge Leitao Ramos in "Expresso"
Pode um livro, um filme, um quadro mudar uma pessoa? E, se muitas pessoas mudarem, pode-se mudar o mundo?
A pergunta é tão velha quanto a arte - e a arte, sabe-se, é das práticas que melhor define a diferença entre o humano e o simples primata. A pergunta foi das que mais atravessou o século XX - e, por isso, houve «Outubro», «A Revolução de Maio», «O Grande Ditador» e «O Triunfo da Vontade», por isso Estaline proibiu a segunda parte de «Ivan, o Terrível», Salazar não nos deixou ver «Hiroshima, Meu Amor», McCarthy perseguiu a esquerda de Hollywood, Hitler mandou queimar livros e banir a pintura moderna, tida como degenerada. Em nome de Deus não nos deixaram ver «Viridiana» e em nome da classe operária não lhes deixaram ler - e, depois, ver - o «Doutor Jivago».
Veio-me isto à mente quando li a amarga constatação que João Lourenço confidencia ao «Diário de Notícias» de dia 8, a propósito da «Ópera dos 3 Vinténs» que o encenador pôs em palco no Teatro Aberto. Lourenço diz que «Brecht enganou-se quanto ao poder [de intervenção] do teatro, que é muito pouco» e conclui: «Ficarei muito contente se alertar um espectador por noite».
Eu pertenço a uma geração que acreditou na força da arte para mudar a realidade. E não apenas em termos teóricos. Eu pertenço a uma geração que transportou «O Couraçado Potemkine» em cópias de super-8 de colectividade em colectividade, que organizou reuniões para ouvir o Zeca cantar «Os Vampiros», que discutiu até os olhos doerem se «Há Lodo no Cais» era um filme de um provocador reaccionário e o que fazer com isso. Uma geração que teve uma Revolução nas mãos e a viu morrer - e não por falta de acreditarmos que «a cantiga é uma arma». Daí à descrença nas possibilidades de intervenção da arte foi um passo. Se calhar demasiado apressado, que as desilusões nunca geram energias.
As palavras de João Lourenço vêm contra a corrente de um certo cinismo instalado. Claro que a arte não faz revoluções. Mas o que ele nos diz é importante: alertar um espectador por noite. Pôr uma pessoa a pensar em vez de ir na corrente. Olhar um espectador de frente - não a massa. Ajudar a difundir um grão de consciência. Pouco a pouco, no lento caminho da humanidade para uma coisa melhor, ir semeando a noção de que isto assim não pode ser. Vou nisso.
'The Last of Us' fungus found in Scotland
Há 2 horas
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