"Não vou esquecer quem me sancionou no partido"
Ainda não sabe se vai entregar o cartão de militante do PCP mas garante que se mantém comunista
No Algarve, "é a fragilidade total, faltam pessoas que tenham influência, é penoso" ...
Onome de Carlos Brito dispensa apresentações. Desde a resistência anti-fascista à presidência do grupo parlamentar, voltou a marcar a política nacional quando entrou em divergência com a direcção do partido e acabou por ser suspenso. Em Alcoutim, no Sotavento algarvio, escreve e trabalha em associações de desenvolvimento local. "A luta continua", afirma com naturalidade.
Que faz um ex-dirigente do PCP auto-suspenso?
[Carlos Brito] A actividade que privilegio é a de escritor e poeta, mas é complementada por outras. Fui até há pouco tempo eleito pela Assembleia Municipal de Alcoutim, mas renunciei agora ao mandato.
Porquê?
A direcção do PCP eleita neste congresso afasta a possibilidade de ser candidato nas próximas eleições, achei, por isso, mais adequado dar oportunidade à CDU de se renovar com outro eleito. Custou-me tomar esta decisão porque eu gostava muito de trabalhar na Assembleia Municipal. Mas continuo a trabalhar em associações de desenvolvimento local. Escrevo no jornal mensal do "Baixo Guadiana".
Faz entrevistas?
Chama-se "À conversa com". Já entrevistei todos os presidentes de câmara do Baixo Guadiana, vários das assembleias municipais e figuras da Cultura, como o Cláudio Torres, Teresa Rita Lopes ou o Mário Zambuja. E estou numa associação transfronteiriça. Queremos recuperar a discussão da regionalização.
E lançou um livro, há dias.
Tem poemas escritos nos últimos 20 anos. Um regresso às origens.
As divergências com a direcção do PCP também lá estão?
Claro.
Revela algum segredo, cicatrizou feridas?
Sim, afloro também o que aconteceu com os ideais comunistas ao longo dos últimos anos, como em "1989".
Desabafou?
A poesia foi sempre para mim um lugar de reflexão.
O seu refúgio?
Meu refúgio e confessionário. Onde estou por inteiro. No mais íntimo. Também abordo as sanções de 2002 no "Desassossego".
Há outros livros na forja?
Estou a trabalhar num projecto sobre os 20 anos que se seguiram ao 25 de Abril, espécie de narrativas que envolvem reflexão e onde aparecem factos a que estive directamente ligado.
Já decidiu se vai entregar o seu cartão de militante?
Estou auto-suspenso. Não vou alterar, para já, esse estatuto.
Perdeu muitos amigos neste processo de afastamento?
Dramático. Tenho uma vida de entrega total ao PCP desde os 21 anos. Creio que este processo é ainda mais doloroso porque ao contrário de outros movimentos de dissidência, que se registaram antes, este que surgiu à volta do XVI Congresso, envolve altíssimas responsabilidades do partido, membros da Comissão Política e do Secretariado. São pessoas que não defendem outra opção partidária. Não aceitam ficar inactivas e querem intervir. Como comunistas. É isto que torna especial a nossa situação. Por um lado, há um partido que definha, por outro, milhares de comunistas que não querem esse definhamento, só que o partido não quer a sua contribuição.
Não respondeu...
Tenho uma conduta, baseada na minha educação católica e republicana as diferenças de ideias não me levam a zangar com as pessoas. Portanto, as ideias dos outros não me afrontam. Do meu ponto de vista, não fiz inimigos. Mas, provavelmente, há quem me considere dessa maneira. Naturalmente há quem não esqueça que fui sancionado, assim como eu não vou esquecer quem me sancionou no partido.
E na bancada do PCP ainda tem amigos?
Os que tiveram no meu tempo.
Jerónimo de Sousa e Odete Santos?
Não tenho animosidades pessoais.
Como vê agora a bancada?
Muito enfraquecida. Perdeu importantes figuras. Fui presidente do grupo parlamentar com 42 deputados e quando sai já éramos 27.
Escreveu num artigo no Expresso que o que mais o impressionou no XVII Congresso foi a obsessão pelo sectarismo. Quer explicar?
O congresso representou a tentativa de impedir que o partido tome consciência dos gravíssimos problemas com que se defronta. Aquilo que ali esteve foi muito ilusório. Aquela euforia, os vivas. É uma falsa imagem de um partido extremamente enfraquecido, que até me lembram versos do Gomes Ferreira "Isto para aplaudir, para dar palmas, até os mortos servem, sem o peso das almas".
No projecto de resolução política, os críticos são considerados inimigos. Considera-se um inimigo do partido?
Claro que não. É um disparate total. Quem tem legitimidade para dizer isso? Onde estão as provas dadas em defesa dos ideais comunistas?
Como prevê que o PCP vai sair destas legislativas?
Há factores que podem ser muito favoráveis, como o grande descontentamento provocado pela crise destes três anos. Também o voto útil pode funcionar. Não posso avaliar o que se vai passar, mas posso dizer o PCP parte para esta batalha muito enfraquecido. Porque a nova direcção adoptou a política mais fechada, sectária e isolacionista de toda a história do partido. Além disso, esta política afastou, desencantados, muitos quadros de grande qualidade e não houve qualquer tentativa de recuperá-los.
O Comité Central tem cada vez mais funcionários.
Exactamente. Não há discurso exaltado que disfarce esta realidade. Como também não há exaltação oratória que disfarce, depois, os resultados eleitorais. Essa é a angústia do PCP.
E quanto às autárquicas?
Tenho a teoria de que se as autárquicas tivessem sido antes das legislativas se calhar os prejuízos seria bem maiores.
Porquê?
Essas eleições, têm muito a ver com as pessoas que estão no terreno. E
Há reuniões das organizações locais quase sem ninguém...
É, e nalguns casos as pessoas que estão já não são as que tem mais influência local.
Carreira Marques, de Beja, não se recanditaria. Mas há outros autarcas críticos em situação indefinida como Alfredo Barroso, do Redondo, ou Lopes Guerreiro, do Alvito, o PCP tem nomes alternativos?
Não, mas não me regozijo nada com isso.
E no Algarve?
É a fragilidade total. Faltam pessoas que tenham influência local e as que tinham, foram afastadas. É penoso para quem ali trabalha.
Que mudanças espera da liderança de Jerónimo de Sousa?
Ideologicamente, há um fechamento maior. No Congresso houve um retrocesso, aquela exaltação ovacional ao marxismo-leninismo, sem nenhum apelo ou incentivo, à renovação marxista. O que acontece no país não encaixa na teoria.
Que mudanças defende?
Precisávamos de uma grande abertura na vida interna, admitir abertamente a existência de opiniões diferentes, próprias da vida democrática. A liberdade de cada um exprimir as suas opiniões. Haver comunicação de ideias pelo partido, a chamada transmissão horizontal.
Isso vai contra o centralismo democrático.
É essencial. Outra questão é a necessidade de serem revogadas as sanções, tal como em relação aos outros que vão sendo excluídos das listas e não são convocados para as reuniões. Outro ponto capital é o das alianças. Tem de iniciar uma nova política de diálogo com as outras forças de Esquerda.
O movimento da Renovação Comunista vai avançar para um a associação política em Janeiro. Como vão participar nas legislativas?
Uma associação tem uma intervenção política limitada. Não pode apresentar candidaturas, por exemplo. Estou convencido, que vai intervir na campanha no plano político.
Não se espera que o movimento se transforme num partido?
Claro, mas deve ter-se em conta que as pessoas do movimento são comunistas e querem ponderar cada passo sem tomarem decisões precipitadas.
Não será também por ser difícil o processo de desfiliação de alguns membros que ainda são militantes do PCP?
Sim, mas há outras razões. A preocupação de privilegiar a intervenção e reflexão política.
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