Em Portugal, há anualmente cerca de 36 mil mortes evitáveis. Este número, que coloca o País no topo europeu da pior prestação de cuidados de saúde, resulta de um trabalho de investigação que analisou os óbitos de 2001. Assim, 35% da mortalidade precoce (antes dos 65 anos) poderia ter sido evitada, tendo em conta as possibilidades existentes a nível preventivo e curativo. Ou seja, milhares de pessoas poderiam ainda estar vivas caso tivessem tido acesso em tempo útil aos serviços médicos, se tivessem efectuado rastreios disponíveis a coisas tão básicas como hipertensão, colesterol e glicémia ou a patologias que se sabe estarem a aumentar em Portugal, como o cancro do cólon.
Este estudo utiliza um indicador internacional, que é usado em vários países do mundo para avaliar o estado geral da população, mas igualmente a qualidade dos serviços de saúde prestados. Por exemplo, o relatório de 2003 sobre avaliação da qualidade dos cuidados de saúde norte-americanos, estimou para uma população que ronda os 288 milhões de habitantes, 57 mil mortes evitáveis. Ou seja, um valor significativamente inferior ao verificado em Portugal, tendo em conta os pouco mais de 10 milhões de habitantes.
Paula Santana, investigadora da Universidade de Coimbra que efectuou este estudo, adianta ainda que o «nível europeu é baixíssimo. Há 25 anos, a Grécia era o país com a taxa mais elevada e essa era apenas de 30%. Aqui morrem aos milhares». Situação que não se deve a uma pior preparação da classe médica ou falhas a nível da disponibilização de cuidados de saúde. «Temos padrões de oferta semelhantes. Portanto, recursos há, mas há também má utilização e algo que falha», explica. Estes são valores muito elevados que se reflectem, depois, em custos ainda não contabilizados por nenhuma entidade, «na esperança média de vida do País e na produtividade» Quanto perde a economia portuguesa devido a este estado de saúde face à Europa?
O estudo parte da análise de 23 causas de morte que poderiam ser evitadas com outros cuidados de saúde ou com uma intervenção a nível primário. Uma das primeiras conclusões do trabalho de Paula Santana é que há maior mortalidade precoce nos homens que nas mulheres e também no sexo feminino ocorre apenas metade das mortes evitáveis que se verificam no sexo masculino. Nos homens, o investimento deve ser efectuado nas mortes sensíveis à promoção da saúde e prevenção da doença, nomeadamente ao nível do cancro da traqueia, brônquios e pulmões ou cirrose do fígado.
Quando os dados são analisados à luz das faixas etárias, nota-se a existência de dois picos. O primeiro acontece logo no primeiro ano de vida dos portugueses. Os valores baixam durante a infância, aumentam ligeiramente na adolescência e mais significativamente a partir dos 30 anos. O máximo é atingido por volta dos 60 anos.
Analisando o problema da mortalidade evitável por patologias, a tuberculose surge com uma forte relação com áreas de maior urbanização, nomeadamente Lisboa e Vale do Tejo. Esta região surge ainda como área de alerta para a mortalidade infantil e também elevada incidência de cancro da mama e doença isquémica do coração. A Norte surgem com valores significativamente elevados as taxas de mortalidade evitável por cancro da traqueia, brônquios e pulmões. A cirrose do fígado nas mulheres é também aí responsável por um número significativo de mortes.
O Alentejo é uma zona de risco no que diz respeito às doenças hipertensivas cerebrovasculares e também para as patologias oncológicas já consideradas. O Algarve apresenta a pior avaliação a nível da doença isquémica do coração e com problemas na hipertensão e patologias cerebrovasculares. A região com melhor comportamento é o Centro, que apresenta números melhores para quase todas as doenças e outras causas de morte como acidentes de viação.
Para Paula Santana, «as desigualdades no acesso aos serviços de saúde (com impacto na promoção e prevenção de doenças e causas de morte), reforçam as desigualdades sociais e são em parte responsáveis pelas disparidades no estado de saúde, principalmente no Norte, mas também em Lisboa e Vale do Tejo e Algarve».
Segundo a investigadora, «as acções devem redireccionar-se no sentido de melhorar também a oferta e o acesso aos cuidados de saúde aos grupos mais desfavorecidos - rurais, isolados e pobres».
segunda-feira, janeiro 17, 2005
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